O Congresso avança no desmonte da legislação anticorrupção. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado deve aprovou mudanças na lei da Ficha Limpa, que torna inelegível por oito anos um candidato que tenha o mandato cassado, renuncie para evitar a cassação ou seja condenado por órgão colegiado.
A Lei da Ficha Limpa nasceu na década passada. É caso raro de legislação proposta pela sociedade, a partir de uma campanha nas ruas promovida pela Igreja Católica e organizações não governamentais.
A proposta foi subscrita por 1,5 milhão de eleitores e aprovada no Congresso, em votação simbólica, em agosto de 2013 – semanas depois da ampla mobilização popular nas 300 maiores cidades que ficou conhecida como “Jornadas de Junho”.
Foi usada pelo Supremo Tribunal Federal, por exemplo, para impedir (por 6 votos a 1) a candidatura de Lula na eleição presidencial de 2018, vencida por Jair Bolsonaro. Essa lei proíbe candidaturas de políticos condenados em tribunais de segunda instância. Era o caso de Lula, na época preso em Curitiba.
Nos últimos três anos, o Congresso resolveu alterar toda a legislação anticorrupção aprovada desde as “Jornadas de Junho”. Ano passado, a Câmara avançou em mudanças na lei sobre inelegibilidades com um projeto da deputada Daniela Cunha, filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. Ele perdeu o mandato, foi condenado por crimes de corrupção e ficou inelegível com base na Lei da Ficha Limpa.
O texto que está na comissão do Senado é criticado por especialistas em Direito Eleitoral porque, na avaliação deles, libera candidaturas de pessoas condenadas por crimes graves, entre eles corrupção, homicídio, estupro, tráfico de drogas e organização criminosa. Se aprovada, a lei terá aplicação imediata e efeito retroativo, ou seja, liberando candidaturas de pessoas com condenações e crimes anteriores à essa nova legislação.
Em alguns casos, diz em nota pública a associação de juristas eleitorais, “indivíduos condenados por tais crimes nem mesmo ficariam inelegíveis”, porque, com as mudanças legislativas, “ao término da pena já teriam cumprido o prazo de inelegibilidade”.
Uma das consequências da revisão da inelegibilidade de pessoas já condenadas, alertam advogados, poderá ser a “recontagem de voto de eleições passadas, alteração dos quocientes partidário e eleitoral”.
Nessa lógica, ao levar ao limite o desmonte da lei da Ficha Limpa, em revanche pela condenação de políticos em casos de corrupção revelados na Operação Lava Jato, o Congresso cria uma zona de perigo para os atuais parlamentares no meio do mandato: “Causa enorme risco de alteração dos mandatos em curso”.