O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), vai usar mesma tese apresentada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) para emplacar a reeleição em 1997 a cargos do Executivo para tentar ficar mais dois anos no comando da Casa.
A proposta defendida por aliados do senador deverá ser encaminhada ao STF (Supremo Tribunal Federal) na ação impetrada pelo PTB para proibir a manobra sonhada por Alcolumbre. Caberá à advocacia da Casa enviar a manifestação.
O presidente do Senado também quer um alinhamento com a Câmara para uma defesa conjunta da tese. A ideia é que, se Rodrigo Maia (DEM-RJ) não encampar o mesmo argumento, ao menos não o confronte perante o Supremo.
Maia, embora negue publicamente que vá tentar se reeleger, já reconheceu a aliados em privado que se houver brecha ele poderia disputar a eleição.
A ação do PTB, partido comandado pelo ex-deputado Roberto Jefferson, recém-convertido ao bolsonarismo, visa a proibir a possibilidade de reeleição dos comandantes do Senado e da Câmara numa mesma legislatura.
O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, instou na semana passada as duas Casas a se manifestarem, além da AGU (Advocacia-Geral da União) e do MPF (Ministério Público Federal).
Os mandatos dos presidentes do Senado e da Câmara se encerram em fevereiro do ano que vem, quando haverá novas eleições para as duas Casas. A Constituição veda a possibilidade de reeleição numa mesma legislatura, isto é, o período de quatro anos entre uma eleição e outra.
Desde o ano passado, Alcolumbre articula junto aos pares, governo e até no próprio STF um meio de pavimentar um caminho para se manter na cadeira. Para isso, previa justamente fazer um questionamento à corte na esperança de que os ministros revissem o entendimento sobre o que diz a Carta Magna.
O PTB, porém, ao provocar a corte, acabou por antecipar esse debate e tornou desnecessário que partisse do Senado a discussão.
No início do mês, o jornal Folha de S.Paulo informou que a principal tese discutida pelos aliados do presidente do Senado era a de recorrer ao exemplo de FHC, o que, se aceito pelo STF, teria como consequência prática a possibilidade de eternizar dirigentes no comando da Câmara e do Senado, já que hoje já há possibilidade de reeleição se a legislatura estiver no começo.
Parlamentares contrários à medida citam exatamente esse ponto, argumentando que pode ficar liberada a permanência ilimitada de políticos no comando da instituição, como ocorre em assembleias estaduais.
Apoiadores de Alcolumbre discordam do argumento de opositores da ideia. Eles afirmam que a tese encampa a possibilidade que haja apenas uma única reeleição seguida, mantendo assim a equivalência da emenda constitucional que liberou FHC para disputar o pleito em 1998.
Para se fiar nessa linha de raciocínio, auxiliares do presidente do Senado relembram que o dispositivo que brecou a possibilidade de reeleição dos cargos tanto no Executivo como no Legislativo tem como origem o Ato Institucional-16, de 1969.
O documento foi elaborado pela junta militar que tornou vago o cargo do então presidente marechal Costa e Silva e cujo conteúdo foi introduzido na primeira emenda à Constituição.
Anos depois, em 1988, argumentam aliados de Alcolumbre, a decisão por mantê-la na Constituição foi tomada porque, diante do cenário pós-ditadura, era preciso garantir a alternância de poder.
A tese de pessoas próximas a Alcolumbre é a de que a intenção inicial de FHC ao propor a emenda que pavimentou seu novo mandato era restaurar também a possibilidade de reeleição nas Casas. Isso, segundo aliados do senador, está registrado nas notas taquigráficas da época.
Antônio Carlos Magalhães era o presidente do Senado naquela época e já tinha a intenção de se reeleger.
Havia, porém, resistências a essa possibilidade. Por isso, alegam auxiliares de Alcolumbre, ele decidiu retirar essa possibilidade de reeleição da PEC para facilitar a aprovação.
No ano seguinte, em 1998, porém, ele conseguiu um parecer da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) em favor de sua reeleição e foi escolhido. A decisão acabou questionada no Supremo, mas o ministro Celso de Mello deixou seguir.
A expectativa dos aliados do presidente do Senado é mostrar que não há fundamentos para que se barre a reeleição. E que a presidência de uma das Casas do Congresso tem caráter de cargo executivo no Legislativo, por isso deve ser submetida às mesmas regras da Presidência da República, cargo máximo do Executivo.
Fora esse, há outros argumentos, de caráter mais político, que devem ser utilizados caso essa tese não cole.
Entre as justificativas, uma repetida por Alcolumbre é a de que, como o mandato de senador é de oito anos, esses parlamentares deveriam ter o direito a comandar a presidência da Casa por quatro.
Aliados do presidente do Senado estão otimistas quanto ao debate no Supremo.
Alcolumbre tem diálogo constante com integrantes da corte, como Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Luís Roberto Barroso. Pessoas próximas a ministros dizem que, do ponto de vista pessoal e político, a melhor opção seria viabilizar uma nova presidência de Alcolumbre, mas afirmam que, juridicamente, o caso é complicado.
A esperança do presidente do Senado é a de que o Supremo dê uma nova interpretação à Constituição e diga que é possível haver a reeleição ou defina que essa é uma matéria “interna corporis”, ou seja, do Congresso.
Segundo advogados consultados pela reportagem, isso poderia ser lido como uma forma de o STF não julgar essa uma questão constituicional e deixar para o próprio Congresso deliberar sobre a questão.
No Supremo, auxiliares de pelo menos dois ministros defendem essa possibilidade.
Além da corte, Alcolumbre conta também com o respaldo do governo para buscar mais quatro anos no comando do Senado. Bolsonaro vê no senador um aliado.
A expectativa de pessoas próximas ao parlamentar é a de que a AGU, quando enviar manifestação ao Supremo no âmbito da mesma ação, referende a posição do Senado ou, ao menos, também não a conteste, definindo que esse assunto não concerne à União.
Na avaliação de parlamentares e ministros do governo ouvidos pela reportagem, Alcolumbre venceria hoje uma disputa na Casa, porque tem apoio da maioria dos 81 senadores.
Além de ter buscado manter bom diálogo com os pares, o senador fez concessões a eles. No ano passado, articulou créditos extras com o Executivo e distribuiu em emendas a parlamentares.
Neste ano, segundo senadores, Alcolumbre teria dito aos líderes da Casa ter viabilizado valores entre R$ 10 milhões e R$ 30 milhões para que os parlamentares destinassem verbas a hospitais filantrópicos de suas bases para o combate ao coronavírus. Em ambas as ocasiões, ele foi acusado de favorecer aliados.
A articulação lhe garantiu o apoio de pelo menos 54 votos, segundo cálculo de quem quer ver o democrata reeleito.
A resistência a Alcolumbre é encontrada principalmente entre os senadores do grupo chamado Muda Senado, composto por cerca de 22 parlamentares, que prega a renovação na Casa e tem maioria pró-Operação Lava Jato.
“A reeleição para a presidência da Casa na mesma legislatura é obviamente inconstitucional, mas o Brasil é um país onde o óbvio é reinterpretado conforme a conveniência”, diz o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), um dos principais nomes do grupo.
Julia Chaib / Folhapress