A notícia caiu como uma bomba em várias partes do mundo. Do dia para a noite, sem aviso prévio, o governo russo suspendeu na quarta-feira (21) as exportações globais de gasolina e diesel. E sem data para voltar. Apenas a União Econômica Eurasiática (formada por Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão e Quirguistão) está autorizada a seguir comprando. A ordem partiu do próprio presidente Vladimir Putin, que supostamente foi alertado para os riscos de desabastecimento no mercado interno — algo improvável para um país com uma das maiores reservas de petróleo do mundo e que não vive numa economia a pleno vapor, por causa das consequências da guerra na Ucrânia.
Até que (supostamente) os estoques russos voltem a patamares seguros, apenas combustível de baixa qualidade, com altos teores de enxofre, podem ser vendidos ao exterior. O problema é que poucos mercados ainda aceitam esse tipo de produto.
A decisão russa preocupa especialmente o Brasil. O País importa cerca de 30% do diesel que consome. Em agosto, segundo dados do governo federal, o diesel russo representou 74% do total das importações brasileiras, superando pela primeira vez os Estados Unidos como maior fornecedor do Brasil nesse mercado.
No caso da gasolina, o risco é muito baixo, já que a Petrobras importa menos de 5% da demanda interna. Mesmo assim, tanto para a gasolina quanto para o diesel, a Petrobras, sob comando de Jean Paul Prates, terá de encontrar urgentemente novos fornecedores, como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, para evitar um colapso na logística nacional.
Para desenhar o plano B, Prates se encontrou na segunda-feira (25) com o presidente Lula, mas ainda não houve um anúncio oficial da rota de compensação. A expectativa é que empreitada de Lula no mercado internacional, que muitas vezes levou a Petrobras a tiracolo, ajude nessa jornada de encontrar saída rapidamente.
Putin
A justificativa oficial do governo russo, de priorizar o mercado interno, não tem convencido especialistas do setor energético. Primeiro porque a capacidade de refino da Gazprom, maior estatal de petróleo da Rússia, é de 7 milhões de barris por dia, mais do que o dobro dos 3,2 milhões do consumo médio diário do país.
Em guerra, a indústria russa está encolhendo e, por consequência, diminuindo a demanda por energia. Segundo relatório do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), com base em dados da BP de 2021, a Rússia está atrás apenas de Estados Unidos e China no ranking global de refino. O Brasil aparece na nona colocação, com capacidade de 2,3 milhões de barris diariamente.
Por isso, as duas hipóteses mais prováveis para a decisão da Rússia se apoiam em estratégias de guerra. A primeira sugere que Putin queira usar a suspensão das exportações para sufocar países europeus numa época em que se estoca diesel para o inverno. A segunda — menos plausível, mas ainda assim mais realista do que o argumento oficial — é a de que a indústria petrolífera russa esteja com dificuldades de caixa em razão das restrições impostas pelo Ocidente.
Seja qual for a motivação do presidente Vladimir Putin, o cenário é preocupante para o Brasil, na avaliação do economista Laércio Munhoz, professor de Logística da Faculdade do Comércio de São Paulo (FAC-SP). “Não há tempo hábil para repor os estoques comprando dos demais fornecedores”, afirmou.
O cenário tenebroso descrito por Munhoz é compartilhado por Allan Augusto Gallo Antonio, professor de Economia do Mackenzie e Pesquisador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica. “Só não haverá desabastecimento em algum nível se os importadores conseguirem alternativas tão baratas quanto o produto russo para competir no mercado brasileiro e se a Rússia acabar com a suspensão de exportação de diesel nas próximas semanas”, disse o economista. Mas esse recuo não parece fazer parte dos planos de Putin.
Entre as potenciais rotas de saída, o sócio e economista-chefe da Monte Bravo, Luciano Costa, cita Oriente Médio, Índia e China, mas haverá um custo maior. “Ou a Petrobras terá de absorver essa alta, sem repassar para as distribuidoras e o consumidor final, ou os combustíveis terão de ser reajustados”, afirmou.
Com o fim da paridade internacional dos preços, essa decisão temporária pode ser estratégica, e ainda ser a chance de Lula mostrar quanto, efetivamente, suas viagens e negociações podem se reverter em soluções de curto prazo.