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quinta-feira 19 de dezembro de 2024 às 11:10h

Sem celular nas escolas: todos são a favor, mas dá para implementar nova lei?

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O Senado aprovou nesta última quarta-feira (18) a proibição do uso de aparelhos celulares por alunos nas escolas públicas e privadas de todo o Brasil.

O relator no Senado, Alessandro Vieira (MDB-SE), não fez alterações sobre o texto aprovado pela Câmara dos Deputados na última semana.

O projeto de lei agora segue para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – que já demonstrou apoio ao tema – para se tornar lei nacional a partir de 2025.

O uso de smartphones está no centro de um debate global sobre os impactos no desempenho acadêmico, desenvolvimento de habilidades cognitivas e na saúde mental de crianças e adolescentes.

A nova lei pretende equilibrar os benefícios e prejuízos do uso desses dispositivos, especialmente em salas de aula.

O PL aprovado prevê:

  • Uso do celular proibido em sala de aula, no recreio e nos intervalos de aula e em todas as etapas da educação básica (educação infantil até o ensino médio)
  • Telas permitidas para fins pedagógicos sob orientação de educadores, ou para casos de acessibilidade e inclusão de alunos com deficiência;
  • Uso permitido em situações de estado de perigo, estado de necessidade ou caso de força maior;
  • As redes de ensino e as escolas devem desenvolver estratégias para abordar a saúde mental dos estudantes, além de oferecer treinamentos periódicos para detectar, prevenir e lidar com os sinais de sofrimento mental e os impactos do uso excessivo de telas;
  • Todos os alunos poderão portar o celular, mas não podem utilizá-lo;

A lei não prevê nenhum tipo de sanção específica aos alunos que a descumprirem, mas empodera as escolas para ter mais controle sobre o uso dos aparelhos.

Como será a aplicação da lei em 2025?

O início da lei não significa que o que acontece nas escolas – tanto por parte dos alunos quanto dos educadores – mudará instantaneamente.

Poucos dias antes da votação no Senado, em 5 de dezembro, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), sancionou a lei aprovada por unanimidade na Assembleia Legislativa do estado (Alesp) em novembro, tornando São Paulo o primeiro estado a implementar a proibição.

A BBC News Brasil visitou escolas da capital paulista para entender como estão se preparando para se adaptar à nova lei e o que fizeram aquelas que já haviam adotado a prática antes da aprovação da legislação.

Em visita da reportagem à Escola Estadual Professor Antônio Emílio Souza Penna, em São Paulo, os educadores compartilharam que ainda não tem um plano totalmente definido, e afirmam que não há recomendações muito específicas vindas do Estado, visto que cada escola pode ter uma realidade distinta.

Manuela Fachini, vice-diretora, diz que o caminho será de ‘tentativa e erro’.

Maria das Graças e Rogério Migotto dão aulas para o ensino fundamental II e para o Ensino Médio, e relatam que, atualmente, é difícil controlar o uso mesmo durante as aulas.

“Eles acham que tudo precisa ser feito no celular – cerca de 80% dos alunos usa dentro da sala de aula. A gente pede para guardar, mas eles escondem o aparelho embaixo da carteira ou até da perna. Parece que não conseguem ficar sem.”

Ainda assim, os professores não se sentem confortáveis em tirar o aparelho de um aluno.

“Eu parei de pegar celular por que se acontecesse uma queda, qualquer coisa, eu poderia ser responsabilizada por ter pego o celular”, diz Graças.

Migotto relata também que há alunos discutindo com os professores dizendo que eles “não podem fazer nada” em relação ao uso das telas – e alguns poucos se tornam agressivos.

“Já tive uma experiência que resolvi tirar o aluno de sala por não guardar o celular. Ele atirou o celular na parede e saiu me xingando.”

Eles esperam que a lei os garanta mais autoridade em sala de aula, mas ainda não sabem como exatamente isso poderia ser feito.

“Uma coisa que me preocupa muito é como vamos nos responsabilizar pelos celulares. Até que ponto conseguiremos, junto com as famílias, dar um destino adequado para esses aparelhos, evitando qualquer tipo de problema, de ambos os lados? Estamos pensando em alternativas para que isso aconteça”, acrescenta a vice-diretora.

Os alunos Rafaela Teodoro e Gabriel Takashi, de 17 e 16 anos, dizem compreender que o celular pode ser nocivo e não deve ser usado durante as aulas.

“Eu acho que, por termos crescido tão ligados às telas, quando estamos na sala de aula e chega uma notificação no celular, a vontade de olhar é quase inevitável, e isso acaba gerando até uma sensação de ansiedade”, diz Rafaela.

Gabriel concorda, mas preferia ter acesso durante os intervalos.

“O celular acaba, sim, desviando nossa atenção. Eu acho válido proibir, mas acredito que isso vai depender muito da abordagem adotada em sala de aula. Mas acho que a proibição não deveria se estender ao recreio, que é um momento em que os alunos estão mais livres para relaxar.”

Escolas particulares que já adotaram a medida ficam mais confortáveis

Quem tem mais recursos têm também mais liberdade para explorar soluções que mantêm os alunos longe da tentação das telas.

É o caso do Colégio Porto Seguro, particular, que impõe uma regra interna de não uso de telas – mesmo durante intervalos – há seis anos.

Em conversa com a reportagem, Meire Nocito, diretora da unidade Morumbi, na zona Sul de São Paulo, diz que o segredo é o espaço de diálogo direto com os alunos, sobretudo com aqueles que demonstram mais resistência em ficarem afastados do celular.

“Os alunos já estavam tão focados no celular durante os intervalos que pararam de interagir socialmente ou brincar entre si. Por isso, implementamos o ‘detox’ às sextas-feiras, um dia em que eles deixavam os celulares de lado nos intervalos para brincar e participar de atividades recreativas, esportivas e culturais.”

Depois, a regra passou a valer para todos os dias. E mesmo com uma infraestrutura completa, com quadras, laboratórios e salas de música, os alunos puderam oferecer atividades que, em sua visão, poderiam ajudá-los a ignorar as telas.

“Independentemente das atividades que já oferecemos, eles começaram a apresentar suas próprias ideias. Foi assim que surgiram propostas como oficinas de cupcakes, contação de histórias e ateliês de artes.”

No também particular colégio Camino, situado na zona Oeste, há cerca de quatro anos é proibido que os alunos usem celular ou outros dispositivos eletrônicos. Para evitar a tentação, os aparelhos são colocados em uma caixa. Se alguém é pego usando, um funcionário da escola pode retirar e devolver somente após o término do dia escolar.

A diretora Letícia Lyle conta que decidiu impor a regra após a pandemia, quando percebeu que os alunos estavam ainda mais apegados à tecnologia.

“No começo, muitos ficaram revoltados, fizeram até um protesto. Mas não durou muito. Depois de uma semana eles começaram a engajar em atividades, jogar vôlei, conversar entre eles… E passaram a ver que também existiam benefícios.”

“Eu quase não sinto falta do celular, porque estou com meus amigos. Mas, por exemplo, quando saiu o Spotify Wrapped [uma retrospectiva personalizada com os artistas mais ouvidos no ano], no ano passado, eu fiquei muito ansiosa para ver o meu. Estávamos na escola, e eu só conseguia pensar: ‘Quero muito ver o meu'”, diz Alicia Pereira, aluna do colégio Camino, de 15 anos.

“Mas, em relação às redes sociais, eu não sinto tanta necessidade, porque sei que, quando a aula acabar e eu puder mexer, vou acabar vendo as mesmas coisas de sempre. E eu acho que quanto mais tempo a gente passa online, é pior para a nossa saúde mental, por conta da comparação com outras pessoas”.

A aluna admite, porém, que muitos dos amigos tem seus ‘jeitinhos’ para manter os celulares escondidos e usar quando ninguém está olhando.

O papel da família e a ‘sensação de controle’

Tanto nas escolas públicas quanto nas particulares, muitos pais defendem que os filhos tenham o celular consigo “para emergências” ou para garantir que “a criança está bem”. Ao mesmo tempo, há um consenso quase unânime de que as famílias esperam que os educadores consigam garantir que, pelo menos durante as aulas, os jovens estejam focados no conteúdo acadêmico.

“Os pais querem manter essa conexão, o que é compreensível, então nem sempre é fácil. Eles precisam aprender a desapegar um pouco e confiar que seus filhos estão em um ambiente seguro e favorável para o aprendizado”, defende Lyle.

A vice-diretora da Escola Estadual Professor Antônio Emílio Souza Penna, Manuela Fachini, ressalta que os pais precisam estar alinhados não apenas com as regras da escola, mas também colaborando para promover uma educação digital mais equilibrada.

“Não posso delegar ao professor algo que, como mãe, é minha responsabilidade. O que vemos hoje é que muitos pais, pela correria do dia a dia, acabam permitindo que o filho use o celular como uma recompensa, como se isso fosse uma forma de compensar a falta de tempo com ele.”

Camila Bruzzi, uma das mães por trás do ‘Movimento Desconecta’, avalia que o argumento de muitos pais para que as crianças sigam portando os aparelhos em escolas parte de uma “falsa sensação de controle”, já que em caso de emergências, como, por exemplo, um ataque violento à escola, o aluno deve focar em se proteger e seguir as orientações da instituição.

“E se precisar contatar a criança, o caminho é ligar na escola, como sempre foi feito”, diz ela, que pretende espalhar a ideia do grupo de criar ações coletivas para adiar, limitar e controlar o acesso de crianças a smartphones e redes sociais.

Para ela, o porte deve ser totalmente proibido. “As crianças e adolescentes estão sempre tentando quebrar regras. Com o nível de sofisticação dos algoritmos usados para viciar e capturar a atenção das pessoas, é injusto esperar que se comportem bem e sigam as regras sem o apoio de diretrizes claras da escola.”

Bruzzi considera alarmante a falta de definição da lei que menciona que se houver uma necessidade importante, a criança pode usar o celular sem qualquer autorização.

“O texto se tornou mais amplo e nada claro. A preocupação é que, basicamente, qualquer coisa pode ser considerada uma exceção.”

O impacto na saúde mental dos jovens

O psicólogo Cristiano Nabuco alerta que os efeitos das dependências das telas, tema do qual é pesquisador, são especialmente nocivos para os jovens.

“O córtex pré-frontal, responsável pelo controle de impulsos e pela reflexão sobre nossas ações, só se desenvolve totalmente por volta dos 25 anos. O uso constante de telas digitais estimula atalhos no cérebro, liberando dopamina, o que acelera as decisões e reduz a influência de outras áreas cerebrais”, diz ele.

Segundo Nabuco processo reforça a sensação de prazer imediato, como ao receber “curtidas” nas redes sociais, mas também altera a estrutura do cérebro, diminuindo a conectividade entre os neurônios. “Isso pode ter efeitos negativos no longo prazo, como a redução do QI, de acordo com pesquisas.”

A expectativa é que, uma vez implementada, a lei contribua não apenas para um melhor desempenho acadêmico, mas também para a melhoria da saúde mental e das habilidades cognitivas dos alunos, como redução da ansiedade, aumento da atenção, maior foco nas atividades escolares, melhora na interação social e maior capacidade de concentração nas tarefas.

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