Criado por um grupo de empresários para promover a entrada de novos personagens na política, o RenovaBR está revendo seus conceitos. Em 2022, a entidade foi afetada pelo declínio da onda de “outsiders” nas eleições. Agora, para tentar retomar uma trajetória ascendente, adotou uma série de flexibilizações em seus critérios. Num processo interno de renovação, a ordem do RenovaBR é se aproximar da política tradicional, conforme Ricardo Mendonça, do jornal Valor.
A mudança mais notável é a adesão ao principal instrumento da regra eleitoral contrário à renovação: a reeleição. Neste ano, pela primeira vez, o curso preparatório do RenovaBR irá aceitar políticos com mandato. Vereador ou prefeito que quiser ser aluno da instituição pode participar do processo seletivo desde que esteja em primeiro mandato.
O esforço pela renovação do RenovaBR está sendo liderado pela administradora Patricia Audi, que tem trajetória no setor público, na iniciativa privada e passagem pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ela assumiu a missão e o posto de CEO da instituição em janeiro após deixar a vice-presidência executiva do Santander.
Outra novidade da nova fase da entidade, que Audi chama de “amadurecimento”, é a tentativa de estabelecer canais sólidos de interlocução com os presidentes dos partidos e das fundações ligadas às legendas. A ideia é fazer uma agenda para conversar com o maior número possível de caciques. “O novo momento do Renova é de aproximação com a política”, disse ela em entrevista ao Valor. “A gente quer ser relevante para os partidos.”
Nessa linha, a organização também pretende ampliar a oferta de palestras abertas a políticos tradicionais, mesmo os com vários mandatos, e ocupar espaços institucionais de poder. Um exemplo foi a adesão a um assento no Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o Conselhão recriado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, colegiado composto por representantes da sociedade civil para assessorá-lo.
A guinada do RenovaBR também é perceptível no discurso de suas lideranças. “Faz tempo que a gente quer renovar a nossa política, mas chegam as eleições e parece que a política não quer ser renovada. São sempre os mesmos nomes”, dizia o empresário Eduardo Mufarej, fundador da organização, em canais antigos de divulgação.
Triste ver o trabalho todo que nós fizemos com um resultado que considero baixo”
— Abilio Diniz
Agora, a abordagem soa menos hostil. “Não há outra forma de melhorar a política se não for pela política”, afirma Audi. “A renovação de trazer novas pessoas nem sempre significa qualidade. E nem todo mundo que está na política… Não quer dizer que os que estão na política não sejam bons. Tem muita gente boa na política, gente séria, comprometida.”
As alterações de critérios internos, conceitos e abordagens vêm sendo implementadas juntamente com a largada do processo seletivo do curso que almeja preparar 3 mil candidatos a vereador e a prefeito para 2024. No quarto ciclo de treinamento pré-eleitoral da história do RenovaBR – o segundo para eleições municipais -, a meta é eleger 230 nomes, 50% a mais do resultado alcançado em 2020.
O motor daquilo que poderia ser interpretado por alguns como evolução do pensamento do RenovaBR é a alteração do próprio ambiente político do país.
Em 2017, logo após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, a criação do RenovaBR coincidiu com o período identificado por analistas como o do auge da rejeição à política. A intensificação da tendência resultou em taxas inéditas de renovação no Legislativo em 2018 e ajudou Jair Bolsonaro a vencer a disputa presidencial – um político tradicional, mas que se apresentava e era percebido como “outsider”.
Em seu primeiro teste nas urnas, 117 alunos do RenovaBR disputaram as eleições e 17 foram eleitos. Entre eles estavam o senador Alessandro Vieira (eleito pela Rede-SE, hoje no MDB); nove deputados federais, como Tabata Amaral (eleita pelo PDT-SP, hoje no PSB) e Marcelo Calero (eleito pelo Cidadania-RJ, hoje no PSD); e sete estaduais.
Quatro anos depois, o número de candidatos treinados pelo RenovaBR saltou para 355, o triplo. Mas o total de novos eleitos caiu para 15: cinco deputados federais, dez estaduais e nenhum senador.
A diferença de ambiente é que, em 2022, a onda de rejeição à política já havia se esgotado. Quase todos os governadores candidatos à reeleição foram reeleitos. No plano federal, Lula foi alçado à Presidência pela terceira vez.
Em seus materiais de divulgação, o RenovaBR costuma citar 18 eleitos em 2022. Nessa conta estão três que haviam feito o curso em 2018, vencido naquele ano e acabaram reeleitos quatro anos depois: os deputados federais Luiz Lima (PL-RJ) e Tabata Amaral, e a estadual Marina Helou (Rede-SP).
A frustração com os resultados foi explicitada logo após o pleito numa fala do empresário Abilio Diniz, entusiasta e colaborador da iniciativa desde sua fundação.
No palco de um evento promovido pelo RenovaBR no Insper, em São Paulo, Abilio afirmou que achava “um pouco triste ver o trabalho todo que nós fizemos com um resultado que eu considero baixo”. Mais adiante, repetiu o lamento: “Dizer ‘conseguimos eleger 18, vamos comemorar…’. Mas eu acho que é pouco. Se nós queremos realmente uma renovação, nós temos que pensar o que nós devemos propor”.
Outro sinal de esfriamento aparece na lista de doadores identificados nos relatórios de atividade da entidade. Depois de saltar de 508 contribuintes para 1.394 nos dois primeiros anos, a relação dos que contribuem financeiramente com a iniciativa caiu para 145, em 2021, e 63 no ano passado.
Embora liste a transparência como um de seus valores fundamentais, o RenovaBR adota critérios menos rigorosos que os exigidos pela Justiça Eleitoral no financiamento de campanhas. Diferentemente do que ocorre no setor público, a instituição não divulga os valores entregues por cada doador, garante sigilo a quem pede para não aparecer nas prestações de contas e não informa quantos são os contribuintes anônimos.
Demonstrações financeiras verificadas por auditores independentes informam superávits todos os anos. As receitas com doações variaram de R$ 19,6 milhões no melhor ano (2018) a R$ 10,1 milhões no pior exercício por esse critério (2020). Em auditoria, os dados de 2022 ainda não foram publicados.