Com alguns céticos nas ruas, São Paulo viveu nesta última terça-feira (24) o primeiro dia de uma quarentena menos rigorosa que a de outros países, com a qual tenta conter a pandemia do novo coronavírus no estado mais populoso do país.
Muitas pessoas, algumas com máscaras, saíram para caminhar ou andar de bicicleta pela Avenida Paulista, em um dia de céu limpo e com temperatura de 22ºC.
“Acho que estão exagerando, é um medida que está prejudicando a todo mundo. Não é tudo isso aí, não. Acho que os restaurantes poderiam seguir abrindo, é só afastar as mesas e botar álcool gel para higienizar as mãos”, disse Ana Dias, de 71 anos, que saiu para fazer uma caminhada.
O governador João Doria decretou quarentena de 15 dias até o próximo 7 de abril, com “o fechamento de todos os serviços não essenciais”, como forma de conter a pandemia que já deixou no estado 30 dos 34 mortos registrados no país, representando 40% dos 1.891 casos diagnosticados até a última segunda-feira no Brasil.
Ainda que não haja proibição de circulação como na Argentina ou Espanha, Doria ordenou que todas as pessoas ficassem em casa, com exceção das que precisam sair para trabalhar ou para alguma atividade essencial.
“Não estamos de férias, estamos em uma guerra (…) Não é hora de sair, a menos que seja algo absolutamente essencial. Entendam que estamos em uma guerra”, disse o governador na segunda-feira (23).
Lojas puseram a medida em prática e em alguns bairros comerciais foram instaladas barricadas para impedir a passagem de veículos.
Porém, em bairros residenciais como nos arredores da Avenida Paulista, parte dos moradores, principalmente os maiores de 60 anos, está relutante em seguir a medida.
“Isso só afeta as pessoas que estão doentes ou tem pouco amor pela vida”, afirma Luiz Andrade, de 71 anos, que saiu para “desfrutar a vida”.
Quem deve sair por obrigação para trabalhar discorda.
“Tinham que ter fechado tudo”, avalia Larissa Miranda, de 18 anos, enquanto limpava incessantemente a máquina registradora da banca de jornal em que trabalha.
“Estou muito preocupada. Para que me serve uma quarentena se para vir (trabalhar) tenho que andar de metrô com outras pessoas?”, questiona.
Nos Jardins, bairro nobre da capital que concentra várias das mais reconhecidas clínicas do país, há um grande trânsito de funcionários da área da saúde, embora as emergências não estejam muito cheias.
A quarentena decretada por Doria não inclui as indústrias do estado de 45,9 milhões de habitantes, responsável por quase um terço do PIB do país.
Doria alegou que a indústria não tem contato direto com o público. E na segunda-feira acrescentou: “Se as fábricas pararem, teremos um colapso, não só em São Paulo”.
São Bernardo do Campo, cinturão industrial da capital, funcionava a todo vapor.
“Só pararam os comércios oficialmente (lojas, shopping), mas tem bastante gente na rua ainda”, conta Fabiola Lúcio, de 29 anos, moradora do centro da cidade.
Desafio social
Os desafios em São Paulo, metrópole de 12,2 milhões de habitantes com consideráveis diferenças sociais, são enormes.
Miriam, de 25 anos, está em situação de rua e vive na Avenida Paulista, junto do marido e do cachorro. Ela fica mais tranquila ao constatar que não está gripada.
“Estou preocupada, claro. A gente enche um galão de água para lavar as mãos”, explica a jovem, que descarta ir para algum abrigo “porque estão cheios de coronavírus”.
Em Paraisópolis, a segunda maior favela da cidade, os moradores se organizam em comitês para enfrentar a crise.
“Temos medo, a situação é bem grave”, ressalta Gilson Rodrigues, presidente da União dos Moradores de Paraisópolis.
Rodrigues ressalta que os desafios habitacionais e socioeconômicos dificultam o cumprimento de uma quarentena nesta comunidade, que tem mais de 100.000 habitantes.