Apesar das discussões nos últimos anos para reduzir privilégios no setor público em meio a propostas de redução de despesas, os salários vitalícios ainda beneficiam integrantes do Judiciário e ocupantes de cargos no estados.
Conforme reportagem da Folha, os Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) têm direito à vitaliciedade e, mesmo ao deixar a corte, recebem salário integral, hoje em cerca de R$ 39,2 mil mensais —teto do funcionalismo público que, por vezes, é ultrapassado com o acréscimo de penduricalhos.
Uma vez empossado, o ministro só perde o cargo por renúncia, aposentadoria compulsória (aos 75 anos de idade) ou impeachment.
Segundo o STF, há atualmente 15 ministros inativos que recebem vencimentos integrais.
Juízes das demais instâncias e integrantes do Ministério Público também são protegidos pela Constituição. O objetivo dessa regra é garantir a independência dos órgãos e evitar perseguições políticas.
Mesmo se forem afastados por irregularidades, eles continuam recebendo salário e só perdem o cargo, que é vitalício, após sentença judicial transitada em julgado —quando não há mais possibilidade de recurso.
O ministro Paulo Guedes (Economia) apresentou ao Congresso neste mês uma proposta para reformular o funcionalismo público do país, mas o projeto não atinge juízes, promotores nem ocupantes de cargos eletivos.
Ainda mais emblemático é o caso de conselheiros de tribunais de contas, responsáveis pela fiscalização dos gastos nos estados ou na União. A indicação para essas vagas geralmente é política e o mandato, vitalício.
Os salários superam os R$ 30 mil por mês, mas é comum que a remuneração ultrapasse o estabelecido para um ministro do Supremo por causa, por exemplo, de verbas indenizatórias —como despesas médicas, de planos de saúde e diárias de hotel.
No caso de juízes e membros do Ministério Público, é necessário passar por um processo de seleção (concurso público) e a chamada vitaliciedade só é alcançada, no primeiro grau, após dois anos de exercício da função.
Para membros dos tribunais de contas, porém, a indicação pode ser feita pelo Congresso ou pelo Palácio do Planalto, no caso do TCU, ou pelas Assembleias Legislativas, nos órgãos estaduais.
Nos estados, benefícios vitalícios a ocupantes de cargos eletivos se tornaram costumeiros há alguns anos. Ex-governadores de algumas unidades da Federação chegaram a receber salários integrais após deixar seus cargos —enfrentando questionamentos na Justiça.
Ex-presidentes da República não têm direito mais a um pagamento desse tipo. O salário vitalício caiu ainda na Constituição de 1988.
No caso dos estados, porém, as benesses foram enxertadas em leis ou Constituições locais.
Em 2011, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) intensificou as investidas no STF para derrubar os pagamentos e cortar esse tipo de despesas dos cofres públicos.
Alguns processos ainda estão sob análise. É o caso do Rio Grande do Sul, que cedeu à pressão e mudou suas regras: o salário do governador fica estendido por quatro anos após o fim do mandato.
No entanto, a alteração aprovada pela Assembleia Legislativa do estado não atingiu quem já tinha o direito à pensão vitalícia. Por isso, a PGR (Procuradoria-Geral da República) considera esse caso ainda pendente e pediu para que a ação movida pela OAB seja analisada pelo Supremo.
No fim do ano passado, o STF julgou ilegal o pagamento de pensão para o resto da vida de ex-governadores do Paraná. O valor foi equiparado ao salário de um desembargador do Tribunal de Justiça, de aproximadamente R$ 35 mil.
O entendimento foi que o direito a receber dinheiro público deve ser proveniente do trabalho ou da contribuição para aposentadoria.
O controle desses pagamentos nos entes da federação é geralmente mais difícil que na União. Outro exemplo é uma lei de 2008 do Amazonas que permitiu remuneração vitalícia para quem ocupasse a vaga de secretário-executivo-adjunto de Inteligência no estado —cargo de indicação política.
Em 2012, o então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, apresentou uma ação no STF contra a lei, que, segundo ele, abria brecha para que, após exonerados, ex-secretários continuassem recebendo dinheiro dos cofres públicos. O processo ainda não avançou no Supremo.
Mais recentemente, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro foi palco de uma tentativa de criação de salários para o resto da vida para seus integrantes, mesmo após o fim do mandato. A votação beneficiaria os próprios legisladores.
Diante da repercussão negativa, a proposta foi rejeitada pelos vereadores.
No Congresso, foram várias as tentativas de incluir na Constituição uma proibição a esses benefícios nos casos da União, dos estados e dos municípios, mas elas não avançaram.
Na Câmara, a comissão especial da reforma política, que funcionou em 2017, chegou a aprovar mudanças nos mandatos dos ministros do STF, que passariam a ocupar as vagas por tempo determinado. A proposta foi recebida com resistência no meio jurídico e não avançou.
A CCJ da Câmara aprovou no ano passado uma PEC que impede pagamentos vitalícios a prefeitos, governadores e presidentes da República após deixarem o cargo. O relator, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), sustentou que esse tem sido o entendimento do STF ao analisar as ações da OAB.
“Cabe ao Congresso Nacional valer-se de suas prerrogativas e afastar definitivamente do ordenamento jurídico tal possibilidade”, disse o deputado na época.
Mas o projeto ainda tem de passar por uma comissão especial e, depois, passar por análise do plenário da Câmara. O Senado também tem de aprovar a proposta para a medida começar a valer.
Por ser uma PEC, a ideia precisa de apoio de 60% do plenário da Câmara e do Senado, em dois turnos de votação. Ainda não há prazo nem sequer para que a proposta seja analisada na comissão especial da Câmara.