O parecer apresentado ontem pelo relator da reforma tributária no Senado, o senador Eduardo Braga (MDB-AM), divide opiniões entre economistas e especialistas em direito. O único consenso é a crítica à criação de uma alíquota intermediária para profissionais liberais.
Para quem esperava alguma reversão das concessões de última hora aprovadas na Câmara dos Deputados, o texto apresentado foi um “balde de água fria”, diz Bráulio Borges, economista da LCA Consultores e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre). “Não apaga os efeitos da reforma e o sistema que emerge dela deve ser melhor do que o que temos, mas estamos nos desviando cada vez mais do ideal”, afirma.
O parecer, diz, mostra que houve mais desidratação e, para compensar, haverá aumento da alíquota padrão do Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
Uma das principais críticas vai para a redução em 30% da alíquota do IVA para profissionais liberais. “Sabemos que o público atendido não é a maioria dos profissionais, porque eles estão no Simples, regime que não é afetado pela reforma. Advogados, economistas e contadores de classe média e média alta já estão no Simples e vão ganhar com a reforma porque poderão gerar crédito. A mudança no parecer é para atender clientes de grandes escritórios de advocacia ou de consultoria”, diz Borges.
Embora já fosse esperada, a inclusão de setores em regimes diferenciados enfraquece os ganhos da reforma, reforça Thaís Zara, também da LCA. Ela diz que a unificação poderia levar a uma alíquota geral mais baixa e prevê que, nos próximos meses, haverá grande disputa de setores para decidir em qual classificação estão.
Sobre imposto seletivo (sobre bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente), Zara lembra que havia muita discussão se combustíveis, por serem fósseis, entrariam, “mas agora vimos que terão regime específico”, observa.
Zara deu boas-vindas à trava da carga tributária e à limitação da quantidade de itens dentro da cesta básica com alíquota zero. O parecer propõe também uma segunda cesta, com alíquota reduzida e devolução de parte do dinheiro aos mais pobres. “Todo esse movimento de trazer de volta o ‘cashback’ é bastante positivo”, diz Zara.
As mudanças propostas não alteraram a visão positiva do BNP Paribas com a reforma. “Muito mais pelo fato de que pode reduzir temeridades e acomodar demandas de alguns setores do que, necessariamente, trazer uma mudança estrutural sobre o que a reforma pode impactar na atividade”, diz a economista Laiz Carvalho.
Para Maílson da Nóbrega, sócio-fundador da Tendências Consultoria e ex-ministro da Fazenda, as mudanças “pioraram muito” o projeto, principalmente ao aumentar “brutalmente” as exceções. “As exceções feitas pela Câmara já ampliaram os 22% para 27% [de alíquota-padrão], segundo o Ministério da Fazenda. Eu calculo que as adições do Senado podem levar o IVA para perto de 30%”, afirma.
O relatório, diz, “só prova que o Brasil é um país de privilégios.”
Além da alíquota para profissionais liberais, Maílson critica, por exemplo, benefícios na concessão de rodovias e diz que nenhum país estimula investimentos em saneamento via incentivos fiscais. Ele avalia ainda como uma “temeridade” a trava na alíquota. “Não conheço país que tenha feito isso e é menos justificável ainda no Brasil, dada a rigidez orçamentária”, diz.
Para Sérgio Gobetti, especialista em contas públicas, a inclusão de exceções no relatório é “do ponto de vista conceitual, um grande erro”, mas seu efeito sobre a alíquota-padrão tende a ser pequeno.
“O ajuste sobre a cesta básica tem um peso bastante relevante, que pode compensar boa parte do efeito das novas exceções”, diz o economista do Ipea, atualmente cedido para a secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul.
Embora tenha criado um pouco mais de exceções, o parecer trouxe até poucas mudanças, considerando o que podia ser esperado, dada as discussões que precederam a apresentação do documento, pondera o economista e tributarista Eduardo Fleury, sócio do FCR Law.
A inclusão, entre os regimes específicos, dos serviços de saneamento e de concessão de rodovias pode fazer sentido, porque, nesses setores, há alto nível de investimento inicial, e a medida pode contemplar também investimentos futuros, diz Fleury. “É um ponto a acompanhar na regulamentação pelas leis complementares.”
Ele também critica, no entanto, a alíquota para serviços de profissionais liberais. “Não faz sentido para quem presta serviços para empresas, como médicos e profissionais de saúde que faturam por planos de saúde. Quando se fatura para o ‘B2B’, não faz diferença, porque haverá a tomada do crédito”, diz. “A diferença será no atendimento direto à pessoa física, o que beneficiará a população mais bem aquinhoada de renda. Não deve haver grande repercussão na arrecadação agregada, mas vai beneficiar quem faz cirurgia plástica estética, por exemplo.”
Já a criação da cesta básica estendida é interessante, diz Fleury. “Isso tem impacto redistributivo positivo, embora dependa da definição dos produtos”, pondera.
As exceções apresentadas no parecer também não surpreenderam, em geral, a professora do Insper Vanessa Canado, à exceção da alíquota especial para profissionais liberais, que ela critica. Algumas novidades, no entanto, diz, tendem a tornar o sistema mais complexo e distorcivo, como a inclusão de mais setores nos regimes específicos, como saneamento e concessão de rodovias, e as mudanças na cesta básica.
Canado observa que pode haver maior pressão por quem ficou de fora da cesta zerada para ser incluído na estendida. Além disso, o texto diz que as cestas serão montadas considerando a diversidade regional e cultural do país. “Meu medo é ter 27 cestas, ou quatro cestas, não sei como vai operacionalizar.”
Por outro lado, ela elogia a manutenção da figura, ainda que com outro nome, do conselho federativo – característica importante para um IVA, segundo a professora – e a previsão de revisão dos tratamentos favorecidos a cada cinco anos. “É uma espécie de válvula de escape para poder fazer avaliação de impacto. Eu diria que foi a parte mais positiva apresentada”, diz.
Para Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, o relator incluiu uma inovação no texto ao estabelecer que os benefícios fiscais oferecidos pelos Estados ficam garantidos até 2032, mesmo após ter início a redução progressiva da cobrança de ICMS e ISS, a partir de 2029. “Mas, se eu jogo essa redução toda lá para a frente, diferentemente da proposta original que começava a transição mais cedo e era mais rápida, e mantenho os benefícios fiscais em sua totalidade, a guerra fiscal vai continuar”, alerta.
Ele também critica a trava sugerida para as alíquotas sobre o consumo. “É uma ideia simples, mas errada”, afirma. Para ele, será difícil de operacionalizar já que é “impraticável antecipar uma certa limitação da receita” dos entes.
A trava é vista como “interessante” pelo advogado Leonardo Roesler, especialista em direito administrativo e tributário pela FGV e sócio do RMS Advogados. “Traz conforto para que empresas façam planejamento de negócios e de investimento a longo prazo”, afirma. Para ele, no entanto, além de considerar no cálculo da trava a proporção do PIB do período representada por tributos que serão extintos, seria necessário fazer uma “leitura macro” em relação ao déficit que integra a soma do PIB.
Luiz Roberto Peroba, sócio da área tributária de Pinheiro Neto Advogado, elogia a exclusão de energia e telecomunicações do imposto seletivo, “uma preocupação de todos, dado o caráter essencial que têm”, afirma. Afastou-se também a possibilidade de o imposto seletivo incidir sobre as várias etapas da cadeia produtiva ou sobre exportações.
Ao requalificar o conselho federativo, alterando seu nome para Comitê Gestor do IBS e retirando dele o caráter legislativo, o novo parecer preservou ainda o pacto federativo, segundo Peroba.
O relator Eduardo Braga também procurou fechar a porta para a criação de novos tributos pelos Estados, o que alimentaria a “guerra fiscal”, aponta o advogado tributarista Breno Vasconcelos, sócio do Mannrich Vasconcelos Advogados e professor do Insper.
“O relator limitou bem ao propor que esses tributos acabem em 2032, juntamente com a transição, e que seja vedado qualquer novo tributo ou alteração da alíquota e base de incidência das atuais contribuições”, afirma Vasconcelos.