domingo 22 de dezembro de 2024
Relator da PEC 45/2019, senador Eduardo Braga (MDB-AM) lê parecer da reforma tributária na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado — Foto: Roque de Sá/Agência Senado
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sexta-feira 27 de outubro de 2023 às 11:29h

Saiba o que 11 economistas e especialistas em direito pensam sobre o parecer da reforma tributária apresentado ontem no Senado

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O parecer apresentado ontem pelo relator da reforma tributária no Senado, o senador Eduardo Braga (MDB-AM), divide opiniões entre economistas e especialistas em direito. O único consenso é a crítica à criação de uma alíquota intermediária para profissionais liberais.

Para quem esperava alguma reversão das concessões de última hora aprovadas na Câmara dos Deputados, o texto apresentado foi um “balde de água fria”, diz Bráulio Borges, economista da LCA Consultores e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre). “Não apaga os efeitos da reforma e o sistema que emerge dela deve ser melhor do que o que temos, mas estamos nos desviando cada vez mais do ideal”, afirma.

O parecer, diz, mostra que houve mais desidratação e, para compensar, haverá aumento da alíquota padrão do Imposto sobre Valor Agregado (IVA).

Uma das principais críticas vai para a redução em 30% da alíquota do IVA para profissionais liberais. “Sabemos que o público atendido não é a maioria dos profissionais, porque eles estão no Simples, regime que não é afetado pela reforma. Advogados, economistas e contadores de classe média e média alta já estão no Simples e vão ganhar com a reforma porque poderão gerar crédito. A mudança no parecer é para atender clientes de grandes escritórios de advocacia ou de consultoria”, diz Borges.

Para Borges, foi um “balde de água fria”: “Estamos nos desviando cada vez mais do ideal” — Foto: Ana Paula Paiva/Valor - 6/9/2023
Para Borges, foi um “balde de água fria”: “Estamos nos desviando cada vez mais do ideal” — Foto: Ana Paula Paiva/Valor – 6/9/2023

Embora já fosse esperada, a inclusão de setores em regimes diferenciados enfraquece os ganhos da reforma, reforça Thaís Zara, também da LCA. Ela diz que a unificação poderia levar a uma alíquota geral mais baixa e prevê que, nos próximos meses, haverá grande disputa de setores para decidir em qual classificação estão.

Sobre imposto seletivo (sobre bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente), Zara lembra que havia muita discussão se combustíveis, por serem fósseis, entrariam, “mas agora vimos que terão regime específico”, observa.

Zara deu boas-vindas à trava da carga tributária e à limitação da quantidade de itens dentro da cesta básica com alíquota zero. O parecer propõe também uma segunda cesta, com alíquota reduzida e devolução de parte do dinheiro aos mais pobres. “Todo esse movimento de trazer de volta o ‘cashback’ é bastante positivo”, diz Zara.

As mudanças propostas não alteraram a visão positiva do BNP Paribas com a reforma. “Muito mais pelo fato de que pode reduzir temeridades e acomodar demandas de alguns setores do que, necessariamente, trazer uma mudança estrutural sobre o que a reforma pode impactar na atividade”, diz a economista Laiz Carvalho.

Canado: pode haver pressão para quem ficou de fora da cesta zerada para ser incluído na estendida — Foto: Fernando Martinho/Valor - 17/1/2023
Canado: pode haver pressão para quem ficou de fora da cesta zerada para ser incluído na estendida — Foto: Fernando Martinho/Valor – 17/1/2023

Para Maílson da Nóbrega, sócio-fundador da Tendências Consultoria e ex-ministro da Fazenda, as mudanças “pioraram muito” o projeto, principalmente ao aumentar “brutalmente” as exceções. “As exceções feitas pela Câmara já ampliaram os 22% para 27% [de alíquota-padrão], segundo o Ministério da Fazenda. Eu calculo que as adições do Senado podem levar o IVA para perto de 30%”, afirma.

O relatório, diz, “só prova que o Brasil é um país de privilégios.”

Além da alíquota para profissionais liberais, Maílson critica, por exemplo, benefícios na concessão de rodovias e diz que nenhum país estimula investimentos em saneamento via incentivos fiscais. Ele avalia ainda como uma “temeridade” a trava na alíquota. “Não conheço país que tenha feito isso e é menos justificável ainda no Brasil, dada a rigidez orçamentária”, diz.

Para Sérgio Gobetti, especialista em contas públicas, a inclusão de exceções no relatório é “do ponto de vista conceitual, um grande erro”, mas seu efeito sobre a alíquota-padrão tende a ser pequeno.

O ajuste sobre a cesta básica tem um peso bastante relevante, que pode compensar boa parte do efeito das novas exceções”, diz o economista do Ipea, atualmente cedido para a secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul.

Embora tenha criado um pouco mais de exceções, o parecer trouxe até poucas mudanças, considerando o que podia ser esperado, dada as discussões que precederam a apresentação do documento, pondera o economista e tributarista Eduardo Fleury, sócio do FCR Law.

A inclusão, entre os regimes específicos, dos serviços de saneamento e de concessão de rodovias pode fazer sentido, porque, nesses setores, há alto nível de investimento inicial, e a medida pode contemplar também investimentos futuros, diz Fleury. “É um ponto a acompanhar na regulamentação pelas leis complementares.”

“[Parecer] só prova que o Brasil é um país de privilégios”
— Maílson da Nóbrega

Ele também critica, no entanto, a alíquota para serviços de profissionais liberais. “Não faz sentido para quem presta serviços para empresas, como médicos e profissionais de saúde que faturam por planos de saúde. Quando se fatura para o ‘B2B’, não faz diferença, porque haverá a tomada do crédito”, diz. “A diferença será no atendimento direto à pessoa física, o que beneficiará a população mais bem aquinhoada de renda. Não deve haver grande repercussão na arrecadação agregada, mas vai beneficiar quem faz cirurgia plástica estética, por exemplo.”

Já a criação da cesta básica estendida é interessante, diz Fleury. “Isso tem impacto redistributivo positivo, embora dependa da definição dos produtos”, pondera.

As exceções apresentadas no parecer também não surpreenderam, em geral, a professora do Insper Vanessa Canado, à exceção da alíquota especial para profissionais liberais, que ela critica. Algumas novidades, no entanto, diz, tendem a tornar o sistema mais complexo e distorcivo, como a inclusão de mais setores nos regimes específicos, como saneamento e concessão de rodovias, e as mudanças na cesta básica.

Canado observa que pode haver maior pressão por quem ficou de fora da cesta zerada para ser incluído na estendida. Além disso, o texto diz que as cestas serão montadas considerando a diversidade regional e cultural do país. “Meu medo é ter 27 cestas, ou quatro cestas, não sei como vai operacionalizar.”

Por outro lado, ela elogia a manutenção da figura, ainda que com outro nome, do conselho federativo – característica importante para um IVA, segundo a professora – e a previsão de revisão dos tratamentos favorecidos a cada cinco anos. “É uma espécie de válvula de escape para poder fazer avaliação de impacto. Eu diria que foi a parte mais positiva apresentada”, diz.

Para Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, o relator incluiu uma inovação no texto ao estabelecer que os benefícios fiscais oferecidos pelos Estados ficam garantidos até 2032, mesmo após ter início a redução progressiva da cobrança de ICMS e ISS, a partir de 2029. “Mas, se eu jogo essa redução toda lá para a frente, diferentemente da proposta original que começava a transição mais cedo e era mais rápida, e mantenho os benefícios fiscais em sua totalidade, a guerra fiscal vai continuar”, alerta.

Ele também critica a trava sugerida para as alíquotas sobre o consumo. “É uma ideia simples, mas errada”, afirma. Para ele, será difícil de operacionalizar já que é “impraticável antecipar uma certa limitação da receita” dos entes.

[Cesta estendida] tem impacto redistributivo positivo”
— Eduardo Fleury

A trava é vista como “interessante” pelo advogado Leonardo Roesler, especialista em direito administrativo e tributário pela FGV e sócio do RMS Advogados. “Traz conforto para que empresas façam planejamento de negócios e de investimento a longo prazo”, afirma. Para ele, no entanto, além de considerar no cálculo da trava a proporção do PIB do período representada por tributos que serão extintos, seria necessário fazer uma “leitura macro” em relação ao déficit que integra a soma do PIB.

Luiz Roberto Peroba, sócio da área tributária de Pinheiro Neto Advogadoelogia a exclusão de energia e telecomunicações do imposto seletivo, “uma preocupação de todos, dado o caráter essencial que têm”, afirma. Afastou-se também a possibilidade de o imposto seletivo incidir sobre as várias etapas da cadeia produtiva ou sobre exportações.

Ao requalificar o conselho federativo, alterando seu nome para Comitê Gestor do IBS e retirando dele o caráter legislativo, o novo parecer preservou ainda o pacto federativo, segundo Peroba.

O relator Eduardo Braga também procurou fechar a porta para a criação de novos tributos pelos Estados, o que alimentaria a “guerra fiscal”, aponta o advogado tributarista Breno Vasconcelos, sócio do Mannrich Vasconcelos Advogados e professor do Insper.

“O relator limitou bem ao propor que esses tributos acabem em 2032, juntamente com a transição, e que seja vedado qualquer novo tributo ou alteração da alíquota e base de incidência das atuais contribuições”, afirma Vasconcelos.

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