Confira a seguir a entrevista na íntegra:
Vamos completar em 2025 três anos do retorno da aliança entre PT e MDB na Bahia. Qual é a avaliação que você faz dessa parceria retomada para o MDB e o que é que pode melhorar na relação?
Pessoalmente, eu fico muito feliz, porque esse reencontro corrige um equívoco que houve em 2010 com o afastamento do MDB, por culpa minha, por culpa de Wagner, por culpa do PT, por culpa do MDB e por culpa da circunstância. Não adianta mais fazer essa avaliação [de 2010] agora.
Mas esse reencontro [em 2022] foi muito positivo para o MDB e extremamente positivo para o PT, porque foi num momento difícil politicamente, com o afastamento do PP, dúvidas sobre quem seria o candidato, o lançamento do candidato que hoje se mostra um grande governador, mas que na época era uma pessoa desconhecida. E o MDB migrou de uma posição aparentemente confortável, com um candidato que tinha mais de 60% das intenções de voto [ACM Neto], para uma candidatura ainda engatinhando, e deu sua contribuição efetiva.
Estamos satisfeitos. A relação, sobretudo com o governador Jerônimo, é muito positiva, porque se trata de uma pessoa humilde, simples, sincera, que sabe ouvir e que tem prestigiado muito o MDB. Nós não temos queixa e estamos aí para contribuir de forma muito clara, sem criar nenhuma dificuldade para o governo.
Qual é a avaliação desses primeiros dois anos de mandato do governador Jerônimo Rodrigues?
É extremamente positiva. O governador tem ido para o interior, tem enfrentado as dificuldades do estado. Eu vejo a oposição, sobretudo o ex-prefeito [ACM Neto], fazer críticas à segurança pública sem apresentar nenhum tipo de sugestão ou apontamento que possa beneficiar a população. É politicagem, é oportunismo. Rondônia é um estado governado pelo União Brasil, por um amigo do ex-prefeito, e está lá um caos. E qual é a justificativa que ele dá para esse caos?
O problema é que houve inquestionavelmente um crescimento do narcotráfico, com essas gangues disputando espaço físico nas cidades, e fica um processo difícil. Mas o governador tem tido a coragem de fazer os enfrentamentos. O resto é ti-ti-ti da oposição.
O governo vai bem: tem atuado na área de abastecimento d’água no semiárido com muita força; na educação, obras, e o governador tem feito entregas em todo o estado; aqui em Salvador, continua a política de investimento na Saúde, e vai entregar agora um novo hospital. Então, dentro do que é possível, nas dificuldades que enfrenta o Brasil, é uma administração correta do governador Jerônimo.
A parceria com o PT também existe a nível nacional, com o MDB integrando o governo Lula. Lá atrás, Lula fez uma gestão muito popular, com sucesso econômico. Agora, os números de curto prazo também são positivos, mas a avaliação da população não é a mesma. O que acontece neste momento?
Sobretudo porque há uma dificuldade do governo, como um todo, de explicitar para a sociedade os avanços que estão acontecendo. É só ver aí, claramente, os indicadores de redução de pobreza, volta do crescimento de uma classe média que havia sido desprezada, o Brasil saindo do mapa da fome e com investimentos em obras sendo feitas. Na hora que o presidente começar a acertar de novo — e, na minha avaliação, ele tem errado bastante na forma de se comunicar com a sociedade, que era uma grande virtude dele —, na hora que ajeitar isso, que o governo começar a falar a mesma linguagem, a sociedade vai voltar a compreender os avanços que estão sendo feitos.
No fim de tudo, qual é a alternativa que se coloca do ponto de vista gerencial e administrativo? O que eu vejo, na rede social, é muito ti-ti-ti, muita fofoca, muito oportunismo na crítica. Mas não vejo apontamento de projetos e programas alternativos ao que está sendo implementado. Então, sincera e honestamente, se o presidente Lula for candidato à reeleição, ele é, de novo, favorito a uma vitória daqui a dois anos.
A chegada do publicitário baiano Sidônio Palmeira ao governo tende a ajudar nessa melhoria da comunicação?
Sidônio é um cara qualificado, que entende de marketing político. Mas, se ele pode dar uma contribuição maior, é tentando organizar uma linguagem uniforme para o governo, sobretudo com o presidente da República assumindo o comando desse processo, como ele fez no passado. Por mais que o tempo tenha trazido sequelas para Lula — e traz para todo mundo —, ele ainda é um grande comunicador. É só voltar a acertar a mão nisso aí e ir para os enfrentamentos que têm que ser feitos. Mas claro: Sidônio pode dar sua contribuição.
Como ex-ministro, você fez, durante muito tempo, parte do núcleo duro do MDB a nível nacional. Observamos nos últimos anos um crescimento expressivo de outras siglas do chamado centro, como o próprio PSD, hoje com o maior número de prefeituras do país, e com uma ampla bancada no Senado. No seu olhar, o MDB continua sendo o ‘fiel da balança’ que foi desde a redemocratização, ou hoje o partido não é visto mais como fundamental para a governabilidade de um presidente, por exemplo?
Não há hipótese do MDB não ser visto como fundamental para a governabilidade, não só de presidente, mas também de governadores estaduais. O partido tem nome, tem tradição e tem quadros absolutamente experimentados.
É evidente que, desde a reforma partidária, ficou a coisa mais fácil do mundo criar partido, então você tem uma diversificação maior nesse processo. Mas o MDB — ainda com suas divisões internas, que são próprias do partido, desde a época da redemocratização, porque era o “partido ônibus”, que recebeu tudo e todos, das mais diversas correntes e isso se perpetuou no tempo com essas divisões — é um partido de peso, que governa a maior capital do país, que tem governos estaduais, que tem bancadas importantes, tem senadores extremamente experimentados. Como é que pode falar em dispensar um partido desse para a governabilidade? O MDB continua sendo um partido que pode fazer muito bem, mas que também pode fazer muito mal se jogar um jogo de oposição, que não é o que eu defendo.
O prefeito Bruno Reis foi seu aliado por anos, inclusive tendo sido filiado ao MDB. Em 2024, o MDB teve candidatura própria à prefeitura de Salvador contra Bruno Reis. Onde Bruno Reis tem errado em sua gestão e como é hoje sua relação com o prefeito de Salvador?
Primeiro, eu quero dizer que, pessoalmente, eu gosto muito de Bruno Reis. Minha divergência maior é com o chefe político dele [ACM Neto], que é uma figura que faz acordo sentado e não cumpre em pé, talvez por ainda trazer os ranços daquilo que o originou politicamente [o falecido senador Antônio Carlos Magalhães]. Pessoalmente, eu gosto de Bruno. Talvez o maior defeito dele, na minha avaliação distante — e isso é uma constatação, não é uma crítica de ordem pessoal —, é que por vezes ele confunde lealdade, que é um bem a ser aplaudido, com subserviência em relação às vontades do chefe político dele. Esse é o grande problema.
Mas ele faz uma gestão correta e ele é um rapaz que tem muito futuro, se ele aparar esse tipo de comportamento, se ele for um homem que compreenda perfeitamente que a política é feita de companheirismo, às vezes de fofoca, mas sobretudo do “fio do bigode”, de honrar a palavra, do compromisso assumido. Porque não há contrato na política.
Ele foi prefeito graças a mim, porque ACM Neto não o queria prefeito, queria o [Luiz] Carreira, mas eu banquei Bruno, que na época era do MDB, e Neto teve que engolir. O que eu digo eu posso comprovar. E eu acho que Bruno tem um futuro mais promissor que o ex-prefeito.
O senador Jaques Wagner disse, em entrevista ao A Tarde, que vê como natural uma chapa com as presenças dele, de Rui Costa e do governador Jerônimo Rodrigues. Segundo ele, uma composição com o PSD poderia ser feita, nesse contexto, com a oferta do posto de vice-governador. Como o senhor avalia essa declaração?
Tenho um apreço pessoal, um carinho muito grande pelo senador, e acho que ele sempre acerta mais do que erra. Eu até já fui vítima dos acertos dele, da competência dele, mas sempre mantivemos uma relação pessoal muito profícua. Ele me conhece, sabe que, quando eu discordo dele, eu me manifesto, sempre com o intuito de contribuir.
Especificamente sobre essa declaração, eu acho que tem alguns equívocos. Primeiro, em relação ao tempo. É [uma declaração] absolutamente extemporânea, salvo caso seja para compor alguma questão interna do Partido dos Trabalhadores.
E eu acho também que há um equívoco nesse entendimento de que uma chapa com três ex-governadores será mais forte. Porque, eventualmente, você pode ter, entre Rui, Wagner e Jerônimo, um em determinado momento melhor do que o outro, mas os votos deles são os mesmos, têm a mesma origem. O que acrescenta aos votos deles é um amigo meu, o amigo de Otto, o amigo do PP, é o eleitor, é o prefeito e é o vereador que não votariam neles. É a minha mulher, que vai votar neles se eu pedir, se eu fizer campanha política. Portanto, o que fortaleceu o PT nesse período foi a noção de pluralidade. O fato de ter três ex-governadores, eu não vejo acrescentar nada.
Mas acho, como disse, extemporâneo. É uma discussão que não é para agora. Por mais agradável que seja essa articulação, isso só interessa ao militante da política. Agora, o debate é fortalecer Jerônimo, é estar ao lado dele, é dar autonomia e independência a Jerônimo. Ele é o governador, é quem tem a caneta, para que ele solidifique ainda mais a sua administração, mostre resultados cada vez maiores para a sociedade, para ele chegar de forma imbatível em 2026. Esse ti-ti-ti agora não contribui em nada.
O que o MDB tem é a vice-governadoria, que é o que conquistou nas urnas, e é o que o MDB reivindica e vai lutar por isso, legitimamente, claramente, com transparência, como nós fazemos política. Sei que Wagner, Rui e todos compreendem isso. É legítimo ele [Wagner] colocar essa posição, mas que conta com a minha divergência, pelo tempo e pela análise. Isso pode evoluir? Tudo em política pode evoluir. Mas, no tempo certo, tenho certeza que Jaques vai conversar com o MDB, porque ele sabe da importância desse aliado.
Todas as vezes que nos juntamos, como em 2006, quando ninguém o conhecia ainda, nós ajudamos a vencer. Agora, em um momento de dificuldade, quando as pessoas não conheciam esse grande talento político que é Jerônimo, ajudamos a vencer. Política também é feita de lealdade e gratidão. E eu tenho certeza que Wagner e o PT terão lealdade e gratidão ao papel do MDB, lá atrás e agora.
Durante os últimos 20 anos, vários casos envolvendo a realização de caixa 2 pelos partidos foram revelados pela imprensa, acusados pelo Ministério Público e até punidos pelo Poder Judiciário. Um desses partidos foi o MDB. Você faria uma autocrítica desse processo?
Não foi só o MDB. Eu fui atingido pessoalmente nisso. E hoje, tanto tempo depois de eu pagar preços por isso, operações têm sido, no meu caso, anuladas e emitidas para a Justiça Eleitoral, porque se percebe claramente que o que havia ali era um jogo de financiamento de campanha.
Naquele momento dramático do Brasil, eu fui condenado por lavagem de dinheiro sem ter uma condenação, em nenhuma instância de Justiça, por corrupção, por peculato, por nada. Delações premiadas estão caindo, uma atrás da outra, por falta de provas, ou por excessos do Judiciário, que não respeitou princípios constitucionais, como o juiz natural e tantos outros.
Se eu faço alguma autocrítica? Eu faço, por não ter entendido que aquele momento de financiamento era equivocado e por ter entrado naquela roda viva. Mas enfim, caiu um raio na minha cabeça que poderia ter caído na cabeça de qualquer um que participou do mesmo processo de financiamento político. O que eu tenho a fazer? Sei que muita gente critica, muita gente não aceita. É incorporar isso ao meu processo de vida e tratar com dignidade. Eu não apontei dedo para ninguém, eu suportei aquilo que aconteceu na minha vida como uma fatalidade. E tocar a vida para frente, dando a minha contribuição, modestamente, em função dos meus 40 anos de vida pública, com experiência, com bons e maus momentos.
Acho que o MDB superou isso também. Não só o MDB, como vários partidos políticos, como o próprio PT. O próprio presidente Lula viveu o mesmo drama que eu. Eu repito sempre que a diferença de situação entre Lula e eu é de dias. Ele ficou um pouco mais recluso. Foi uma geração que foi efetivamente penalizada por conta desse processo e que ainda tinha uma contribuição a ser dada para o Brasil. Esses partidos se recuperaram e estão aí mostrando que podem fazer muito.
E abram sempre o olho: esse processo não pode se repetir e eu fico preocupado com o que estou vendo, porque vejo que está se repetindo de forma muito piorada em comparação ao que aconteceu no passado. Isso não é bom para a política, não é bom para a democracia.
Depois da Lava Jato, houve uma movimentação na política e no Congresso Nacional, em favor do financiamento público de campanha, que terminou sendo aprovado. Ao mesmo tempo, o senhor disse que a situação agora é pior. O que aconteceu?
Piorou porque o financiamento público não funcionou. Tiraram o financiamento privado e agora estão encontrando outros mecanismos para substituir. Eu fui parlamentar durante mais de 20 anos e conheço o parlamento como ninguém. Fui líder durante sete anos consecutivos, presidente de comissão, integrante da mesa diretora da Câmara dos Deputados, conheço profundamente aquilo ali.
Porra, o que está acontecendo nesse processo de emendas parlamentares é um crime contra a democracia. Não só do ponto de vista de dúvidas sobre a ética, a decência e a legalidade do que está sendo feito, como também inviabiliza a renovação de vocações políticas. Você enfrentar um deputado federal hoje que tem direito a R$ 150 milhões em emendas, da forma que está sendo feito no Brasil inteiro, é muito ruim.
Eu louvo o que está sendo feito pelo ministro Flávio Dino, no Supremo Tribunal Federal, para que isso seja reorganizado. As emendas parlamentares são legítimas, mas o parlamento não pode se arvorar a ser Executivo. O parlamento hoje quer comandar, com emendas propositivas, praticamente todo o orçamento federal. Nós não vivemos em um regime parlamentarista! Isso é muito grave. Isso pode levar a uma crise ética e institucional ainda maior do que aquela que vivemos e que eu fui vítima. Eu não quero isso. É ruim para a democracia, para o país, para o Congresso Nacional, para todos. Eu espero que se dê um rumo ajuizado para essa questão da utilização de emendas parlamentares, que são feitas para obras e não para gerar caixa para campanha eleitoral.
O senhor ainda deseja voltar a disputar cargos eletivos nos próximos anos?
Não. Eu já dei minha contribuição. O desejo que eu tive de ser governador, de ocupar um cargo majoritário, não se viabilizaria mais. Não sinto nenhuma motivação hoje para disputar cargo proporcional, disputar mandato, porque já fui tudo na Câmara dos Deputados. Não tenho nenhum desejo disso aí, sincera e honestamente. Quero continuar exercendo minha vocação, participando como eu estou, nos bastidores. Dou minha opinião, vou nas redes sociais, tenho o privilégio e a honra de ser entrevistado por um veículo com a tradição do A Tarde, falo para rádios, vou a Brasília, encontro com meus colegas senadores e deputados, sou muito bem tratado, recebido por todos.
Dou minha opinião dentro do partido, dou minha contribuição e é isso que me faz feliz. A gente, na vida, tem que encontrar os meios para ser feliz.