Quando se trata de guerra, generais costumam dizer que “a massa importa”. Mas quase duas semanas depois da invasão da Ucrânia pelo presidente Vladimir Putin – a maior guerra terrestre da Europa desde 1945 – a imagem de um Exército russo como aquele que outros países deveriam temer — e até imitar — foi destruída.
As Forças Armadas da Ucrânia, inferiores à força russa em muitos aspectos, têm conseguido de alguma forma fazer frente ao oponente. Segundo estimativas conservadoras de autoridades americanas, soldados ucranianos mataram entre 2 mil e 4 mil soldados russos. A própria Rússia informou na semana passada de quase 500 mortos.
A Ucrânia derrubou aviões de transporte militar que transportavam paraquedistas russos, derrubou helicópteros e frustrou comboios russos usando mísseis antitanque americanos e drones armados fornecidos pela Turquia, segundo essas mesmas autoridades americanas, citando informações confidenciais da Inteligência dos EUA.
Já os soldados russos têm sido afetados pela baixa moral, bem como pela escassez de combustível e alimentos. Algumas tropas cruzaram a fronteira com comida vencida, disseram autoridades americanas e ocidentais, e outras se renderam e sabotaram seus próprios veículos para evitar combates.
Ao mesmo tempo, a maioria dos especialistas militares diz que a Rússia acabará subjugando o Exército da Ucrânia. As Forças Armadas da Rússia, com 900 mil soldados ativos e mais dois milhões de reservistas, representam oito vezes o tamanho do Exército ucraniano. A Rússia tem aviões de combate avançados, uma Marinha formidável e fuzileiros navais capazes de vários desembarques anfíbios, como provaram no início da invasão quando partiram do Mar Negro e se dirigiram para a cidade de Mariupol.
E os governos ocidentais que falaram abertamente sobre as falhas militares da Rússia parecem ansiosos em espalhar essa ideia para prejudicar o moral russo e fortalecer os ucranianos.
Mas a cada dia que o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky resiste, e um ataque russo é frustrado, o oponente mais fraco domina as telas ao redor do mundo.
Resultado: militares na Europa que antes temiam a Rússia dizem que não estão tão intimidados pelas forças terrestres russas quanto no passado.
O fato de a Rússia ter abandonado tão rapidamente os ataques cirúrgicos, matando civis que tentavam fugir, pode prejudicar as chances de Putin vencer uma guerra de longo prazo na Ucrânia. As táticas brutais podem eventualmente sobrecarregar as defesas da Ucrânia, mas é praticamente certo que também alimentarão uma insurgência sangrenta que pode afetar a Rússia por anos, dizem analistas militares. Acima de tudo, a Rússia expôs a seus vizinhos europeus e rivais americanos algumas falhas em sua estratégia militar que podem ser exploradas em batalhas futuras.
— O que vimos é que mesmo esse enorme exército não é tão grande — diz o tenente-general Martin Herem, chefe de defesa da Estônia, durante entrevista coletiva em uma base aérea no norte da Estônia com o general Mark A. Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA.
Já o chefe da força aérea, o brigadeiro-general Rauno Sirk, foi ainda mais contundente em sua avaliação da força aérea russa em entrevista a um jornal local:
— Se você olhar para quem está do outro lado, verá que não existe mais um oponente.
Resistência ucraniana
Muitos dos mais de 150 mil soldados que Moscou enviou à Ucrânia estão parados ao norte da capital Kiev. Esperava-se que a cidade de Kharkiv, no Nordeste do país, caísse horas depois da invasão — mas apesar de ataques e bombardeiros, continua de pé.
Todos os dias, autoridades do Pentágono alertam que os militares russos logo corrigirão seus erros. Ou a Rússia poderia tentar fechar o sistema bancário da Ucrânia, ou partes da rede elétrica, para aumentar a pressão sobre a população civil.
Mesmo que não o façam, autoridades dizem que um Putin frustrado tem o poder de fogo para simplesmente reduzir a Ucrânia a escombros — embora assim estaria destruindo o próprio prêmio que almeja. O uso desse tipo de força exporia não apenas os erros de cálculo que o Kremlin cometeu ao lançar uma complexa invasão de três lados, mas também os limites dos avanços militares da Rússia.
Durante uma viagem pelos países do Leste Europeu que temem confrontos contra os militares russos, Milley tem sido constantemente indagado sobre as mesmas questões. Por que os russos tiveram um desempenho tão ruim nos primeiros dias da guerra? Por que eles julgaram tão mal a resistência ucraniana? A resposta dada a repórteres na Estônia foi cuidadosa.
— Vimos uma grande invasão de vários eixos e armas combinadas do segundo maior país da Europa, a Ucrânia, por ar, terra, forças especiais e forças de inteligência russas — afirmou, descrevendo bombardeios russos e sua preocupação com os “disparos indiscriminados” contra civis. — É um pouco cedo para tirar lições definitivas. Mas uma das lições evidentes é que a vontade do povo ucraniano e a importância da liderança nacional e as habilidades de combate do exército ucraniano vieram em alto e bom som.
Embora os problemas do exército russo sejam reais, a visão pública sobre a luta é distorcida pelas realidades do campo de batalha da informação. A Rússia continua interessada em minimizar a guerra e fornece poucas informações sobre suas vitórias ou derrotas, contribuindo para um panorama incompleto.
Avessos ao risco
Mas uma análise do desempenho dos militares russos até agora, feita a partir de entrevistas com autoridades americanas, da Otan e da Ucrânia, traça um retrato de soldados jovens e inexperientes sem autorização para tomar decisões locais, assim como o corpo de oficiais. A liderança militar da Rússia, com o general Valery Gerasimov no topo, é muito centralizada. Os tenentes devem pedir permissão mesmo para assuntos pequenos, segundo essas mesmas autoridades, que falaram sob anonimato.
Além disso, os mais altos oficiais russos já provaram até agora ser avessos ao risco, disseram as mesmas autoridades.
Essa cautela em parte se explica pelo fato de que eles ainda não têm domínio aéreo sobre toda a Ucrânia, por exemplo, disseram autoridades dos EUA. Diante do mau tempo no Norte da Ucrânia, oficiais russos mantêm em terra aviões e helicópteros de ataque, e forçaram outros a voar em altitudes mais baixas, tornando-os mais vulneráveis ao fogo terrestre ucraniano, disse um alto funcionário do Pentágono.
— A maioria das forças russas está parada — diz por e-mail Michael Kofman, diretor de estudos da Rússia no CNA, um instituto de pesquisa de defesa. — O emprego da força é completamente irracional, os preparativos para uma guerra real são quase inexistentes e o moral é incrivelmente baixo porque as tropas claramente não foram informadas de que seriam enviadas para essa luta.
Mas, no final, oficiais militares dizem que ainda esperam que a massa seja importante.
— O avanço russo é arrastado — disse o general aposentado Philip M. Breedlove, ex-comandante da Otan para a Europa, em um evento virtual sobre a crise na sexta-feira passada. —Mas é implacável e ainda há muita força a ser aplicada.