Enquanto ataca a Ucrânia, a Rússia tem um poderoso aliado econômico para ajudá-la a resistir às sanções ocidentais: a China.
Segundo The New York Times, as compras chinesas de petróleo russo em dezembro superaram o volume adquirido da Arábia Saudita. Seis dias antes do início da campanha militar, a Rússia anunciou um acordo de anos para vender quase 91 milhões de toneladas métricas de carvão para a China – contrato no valor de mais de US$ 20 bilhões. E, horas antes do início do ataque à Ucrânia, a China concordou em comprar trigo russo, apesar das preocupações com doenças vegetais.
Em um retrocesso à década de 1950, quando Mao Tsé-Tung trabalhou em estreita colaboração com Josef Stálin e, em seguida, com Nikita Khrushchov, a China está novamente se aproximando da Rússia. À medida que os Estados Unidos e a União Europeia aumentam sua cautela em relação à China, os líderes em Pequim decidiram que suas melhores perspectivas geopolíticas residem em casar seu vasto poder industrial com os formidáveis recursos naturais da Rússia.
Os recentes acordos de alimentos e energia são apenas os últimos sinais do alinhamento econômico sino-russo. “O que aconteceu até agora é só o início tanto do expansionismo russo por meio da força quanto do apoio econômico e financeiro chinês à Rússia. Isso não significa que a China apoie diretamente em qualquer grau esse expansionismo – significa apenas que Pequim percebe a grande necessidade de manter e impulsionar a parceria estratégica com Moscou”, escreveu Shi Yinhong, professor de relações internacionais da Universidade Renmin, em Pequim, em uma mensagem de texto.
Os Estados Unidos e a União Europeia esperam que as sanções forcem a Rússia a reconsiderar suas políticas. Mas Wang Wenbin, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, disse em um briefing recente que a China se opôs à adoção de sanções: “As sanções nunca são uma maneira eficaz de resolver os problemas. Espero que as partes relevantes ainda tentem resolvê-los por meio do diálogo e da consulta.”
Ao mesmo tempo, a invasão russa à Ucrânia impôs um dilema diplomático constrangedor à China, violando o princípio da soberania nacional que os líderes chineses consideram sacrossanto. Embora o presidente chinês Xi Jinping não tenha criticado a Rússia publicamente, poderia usar a relação econômica de seu país com seu vizinho do norte como uma vantagem para persuadir os russos a resolver a crise rapidamente.
Xi e o presidente russo Vladimir Putin conversaram por telefone depois do início dos ataques. Segundo uma declaração oficial chinesa posterior, Xi havia expressado apoio à Rússia na negociação de um acordo com a Ucrânia – posição que Putin também quer, desde que seus termos sejam aceitos.
Até agora, grande parte das importações chinesas de energia e alimentos se deparava com mares patrulhados pela marinha americana ou pela indiana. Como os líderes da China têm se concentrado ultimamente na possibilidade de conflitos, com os gastos militares do governo no ano passado crescendo quatro vezes mais depressa do que outros, eles enfatizaram uma maior dependência da Rússia para suprimentos cruciais.
A China e a Rússia compartilham uma fronteira de quase 4.345 quilômetros, e nos últimos anos a China se tornou a maior fonte de importação da Rússia e o maior destino de suas exportações. “Dadas as tensões geopolíticas, a Rússia é, nesse aspecto, um parceiro muito natural”, comentou Andy Mok, pesquisador sênior do Centro para a China e a Globalização, em Pequim.
As sanções ocidentais iniciais contra a Rússia se concentraram na limitação das exportações de tecnologia e na imposição de penalidades financeiras. Por enquanto, as autoridades americanas se esquivaram de visar bens de consumo, produtos agrícolas e energia para tentar evitar prejudicar as pessoas comuns e alimentar ainda mais a inflação.
A China é o maior produtor mundial de eletrônicos, máquinas e outros produtos manufaturados, e os fornece à Rússia em troca de alimentos e energia.
Uma nova pedra angular das relações entre a China e a Rússia é uma declaração que, de acordo com algumas autoridades ocidentais, é efetivamente um pacto sino-russo de não agressão. Foi divulgada por Pequim e Moscou em quatro de fevereiro, quando Xi e Putin se encontraram antes da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim. A declaração afirmava que a amizade dos dois países “não tem limites”.
As duas nações vêm ampliando seus laços há anos, e a força desse vínculo parecia dar a Putin a confiança para retirar tropas e equipamentos militares da fronteira com a China e de outras partes da Sibéria no início deste inverno e deslocá-las para a fronteira com a Ucrânia e Belarus. A relação mais robusta também está propiciando uma cooperação econômica mais estreita. “A declaração conjunta é forte e tem consequências duradouras para a nova ordem mundial”, disse Jean-Pierre Cabestan, professor de pesquisa de ciência política da Universidade Batista de Hong Kong.
Não está claro se a China ajudará a Rússia a escapar das sanções impostas. As restrições tecnológicas, quando promovidas em conjunto com aliados, bloqueariam cerca de um quinto das importações russas, de acordo com o governo.
As empresas chinesas que burlam essas regras podem enfrentar punições crescentes dos Estados Unidos, incluindo sanções criminais e civis, apontou Martin Chorzempa, membro sênior do Instituto Peterson de Economia Internacional. Essas empresas também podem ser cortadas da tecnologia e do sistema financeiro dos EUA.
A ZTE e a Huawei, duas companhias chinesas que foram impedidas de receber exportações tecnológicas americanas, atraíram a atenção do governo dos EUA em parte por evitar sanções contra o Irã.
“A pergunta interessante é: a China vai se adequar a isso?”, disse Chorzempa, acrescentando que a China também tem uma lei destinada a penalizar as empresas que seguirem sanções extraterritoriais de países como os Estados Unidos, todos os fatores que “poderiam impor um dilema real às companhias”. “Se não seguirem os EUA, vão ficar em apuros com os EUA, mas, se não seguirem a China, também poderão enfrentar sanções na China.”
É claro que multar as empresas que não estão dispostas a pagar e monitorar se estas cumprem as regras pode ser difícil, segundo Chorzempa: “Já está se mostrando difícil monitorar as coisas que já são controladas, e se você expandir essa lista, será um verdadeiro desafio verificar o que entra na Rússia.”
Os controles de exportação do governo Biden se aplicam a bens produzidos em qualquer país, desde que usem tecnologia dos EUA – incluindo fabricantes de chips como a Taiwan Semiconductor Manufacturing Co. e a Semiconductor Manufacturing Industry Corp, com sede em Xangai.
Ambas as empresas continuam dependendo dos Estados Unidos para certos componentes e tecnologia de fabricação, informou Gabriel Wildau, diretor administrativo da empresa de consultoria Teneo. Se continuarem fornecendo para a Rússia, a SMIC e outras empresas chinesas podem parar de receber tecnologia dos EUA, o mesmo tipo de penalidade que prejudicou a Huawei. “Se Pequim for vista como facilitadora de Moscou, isso aumentará a pressão no Congresso dos EUA para estender essas restrições”, escreveu Wildau em nota aos clientes. Pequim também enfrentaria o risco de que outros grandes exportadores de tecnologia, como o Japão, a Coreia do Sul e os Países Baixos, “adotassem a linha mais dura de Washington”.
Os bancos estatais da China também podem correr riscos por continuar emprestando à Rússia. A China e a Rússia têm usado mais o renminbi e o rublo em seu comércio. Pequim também vem tentando desenvolver o uso digital de sua moeda como uma alternativa ao dólar, o que poderia ajudar a Rússia a limitar o efeito das sanções financeiras.
Mas os bancos chineses ainda dependem profundamente do dólar americano. Embora alguns deles já pareçam estar interrompendo seu financiamento à Rússia, Wildau afirmou que Pequim poderia optar por apoiar sua vizinha usando bancos estatais menores que não fazem muitos negócios internacionais que exigem o uso do dólar.
Mok observou que a China, a Rússia, o Irã, a Venezuela e outros países sentiram o peso das sanções financeiras dos EUA, ampliando sua necessidade de mais comércio e investimento em outras moedas que não o dólar.
Mesmo que entidades chinesas contornem as regras dos EUA, é improvável que Pequim divulgue isso. Apesar de sua professada aversão a sanções, a China pune regularmente parceiros comerciais que a burlaram de alguma forma. O país faz isso mediante ordens não anunciadas enviadas aos funcionários da alfândega, para evitar violações claras das regras de comércio internacional.
A aproximação entre a China e a Rússia em questões energéticas, alimentares e financeiras traz riscos para Pequim e para Xi.
A China conta com superávits comerciais enormes e crescentes com os Estados Unidos e nações europeias. Se parecer que ela não condena os movimentos agressivos de Putin, isso pode fortalecer o apoio no Ocidente a tarifas ou mais restrições à tecnologia e ao comércio.
Outras barreiras comerciais podem começar a diminuir a dependência de empresas e consumidores ocidentais das fábricas chinesas, que criaram dezenas de milhões de empregos na China. Antecipando tal ameaça, Xi trabalhou duro nos últimos anos para reduzir a dependência chinesa de outros países, subsidiando empresas de uma gama quase completa de bens industriais produzidos no mercado interno. Em um discurso em 2020, ele ordenou que a China “diminua a dependência da cadeia industrial internacional em nosso país, a fim de contra-atacar e diminuir a capacidade de sucesso das tentativas externas de cortar nossas cadeias de suprimentos”.