A forte batida do martelo no leilão da ponte Salvador-Itaparica, na Bolsa de Valores, fez mexer as águas da Baía de Todos os Santos (BTS). O consórcio chinês vencedor, com experiências acumuladas de 5.000 anos de comercio e de cultura sofisticada, sabe que a tropical Capital da Amazônia Azul é o maior e melhor porto natural do país e uma das melhores áreas portuárias naturais protegidas do mundo, localizada no centro da costa da “potência econômica” da América Latina.
A pequena ponte de 12,5 km, que será construída sobre a baía da Bahia, implica, em verdade, na construção de uma megaponte de 16.134 km (distância entre Salvador e Pequim). Com as empresas chinesas, virão a Universidade da China e a Caitec [Chinese Academy of International Trade and Economic Cooperation], que já firmou convênio com o Instituto de Planejamento Econômico Aplicado – IPEA, para transferir conhecimentos e tecnologias, implementando logísticas, prazos, comandos e entregas que moverão uma força de 7.7 bilhões de reais numa área carente de investimentos, gerando cerca de 7.000 empregos.
Preparando-se para atender a pressões do rápido crescimento do tráfego aquaviário, a necessidade de ordenamento do ambiente marítimo e da gestão costeira, o Comando do Segundo Distrito Naval e a Capitania dos Portos da Bahia, orientados pela Comissão Interministerial de Recursos do Mar – CIRM, coordenado pela Marinha, organizam, em parceria com a indústria portuária, de logística, a Federação das Industrias, a Associação Comercial da Bahia, a academia e o Sebrae, o “Grupo de Economia do Mar”, visando estudos para inovações e embarques de tecnologias que garantam a gestão sustentável da área.
Aprovado no último dia 11 de março pelo Congresso Nacional do Povo (CNP), o 14º Plano Quinquenal da China, de 2021 a 2025, além do seu próprio território, onde dá ênfase à autossuficiência em tecnologia e a liderança mundial da inovação, incluindo a Governança Socioeconômica e Ambiental (ESG); também lança olhos e interesses em territórios de países parceiros onde as garras do dragão já estão fincadas. Infraestrutura, energia, logística, startups e agricultura de precisão – todas em larga escala – fazem parte dos interesses do dragão que já opera os rentáveis negócios da descarbonização usando a força do seu mercado de US$14 trilhões de PIB.
Neste novo mundo da Internet das Coisas (IoT) e do blockchain, onde tudo está virtualmente presente, esse pacote abre uma ‘porta HDMI’ que ligará a BTS à Praça da Paz Celestial, em Pequim, venerada pelos chineses como coração do país e centro do mundo. Contrato firmado, tem o direito de bater martelos, pinos e chips digitais, revelando a sua nova posição central à Zona Econômica Exclusiva (ZEE) da Amazônia Azul brasileira, com 5.7 milhões de Km2.
O consorcio vencedor, denominado CCCC South America, é formado por três empresas: China Railway 20 Bureau Group Corporation – CR20, fundada em 1948, que constrói ferrovias, rodovias, pontes, túneis, estações de metrô, e também opera desenvolvimento imobiliário, comércio de logística. A China Communications Construction Company Limited – CCCC LTD, fundada em 2005, que é uma das “Top 500” empresas do mundo, opera negócios de construção de infraestrutura, engenharia ferroviária e metalúrgica, engenharia de túneis, de energia e hidráulica. A CCCC South America Regional Company S.Á.R.L, fundada em 2016 e registrada em Luxemburgo, que é controlada pela CCCC Investment Co Ltd [en.ccccltd.cn], investe em transporte, engenharia urbana, proteção ambiental e construção de condomínios.
A CCCC adquiriu o controle da Concremat Engenharia, empresa brasileira, para participar do consórcio responsável pelas obras. A estatal CCO, uma das maiores empresas do mundo, tem em seu portfólio 700 projetos em mais de 100 países fora da China com valor superior a US$ 100 bilhões. Gestores da CCO Investment, que também operam logística e incorporação imobiliária, já estão visitando e cadastrando os 1.233 km2 da BTS, seus terrenos costeiros, vias de acesso, ilhas e portos. E não estão sozinhos porque os árabes, do Fundo Soberano Mubadala, que compraram a Refinaria Landulfo Alves e o Terminal Madre de Deus, na BTS, também prospectam negócios na área.
Os planos quinquenais sino-brasileiros vão muito além da participação de um mini leilão (para padrões chineses) de apenas US$1,5 bilhão de dólares, um negócio da China com riscos assumidos pelo Estado da Bahia. Ferrovias ligando o Pacífico ao Atlântico, dos Portos do Peru, à Costa Atlântica brasileira, através das ferrovias Centro Oeste (FICO), Oeste Leste (FIOL) e a Centro Atlântica (FCA) que, cortando uma das terras mais férteis do planeta levam e trazem cargas do Porto Sul, em Ilhéus, e aos vários portos atlânticos da BTS.
Articulações comerciais estratégicas com expressivos parceiros comerciais como EUA, União Europeia e China, que produzem juntos mais de 70% do PIB global, implicam em sustentabilidade nas relações multilaterais, como destaca o embaixador Roberto Azevedo, nascido às margens da BTS, defensor dos potenciais brasileiros ainda pouco percebidos ou sustentavelmente explorados, que liderou, por sete anos, a Organização Mundial do Comercio – OMC.
A Iniciativa do Cinturão e Rota da China é um plano ambicioso anunciado pelo presidente Xi Jinping, em 2013, para construir cerca de US$1 trilhão em infraestrutura, aumentando laços comerciais e econômicos e promovendo os interesses da China em todo o mundo. A ponte da Baía de Todos os Santos – que poderá ser batizada de Amazônia Azul – em homenagem ao trabalho da Marinha do Brasil, além de atrair debates e investimentos para economia do mar nesta Década dos Oceanos (2021-2030), marcará a BTS, berço da civilização brasileira.
Eduardo Athayde é diretor do WWI Brasil. (eduathayde@gmail.com).