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domingo 11 de setembro de 2022 às 06:15h

Rodas de conversa ajudam eleitores a manter a saúde mental nas eleições

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Foi numa roda de conversa com pouco mais de dez participantes que Valdecir Carvalho, 65, encontrou um acolhimento para a angústia que sentia no início de 2019, após a eleição de Jair Bolsonaro (PL).

Próximo do PT, partido ao qual já foi filiado, ele diz que se via como “um cidadão à deriva”. Quando soube da iniciativa, foi ao local esperando encontrar um auditório lotado de indignados com a situação do país.

O grupo, na verdade, era pequeno, mas nos encontros do Escuta Sedes, no bairro de Perdizes, em São Paulo, Valdecir notou que compartilhava os sentimentos de muitos. “Eu, que me sentia isolado e ensimesmado nos meus problemas, percebi que havia consonância com o que as pessoas sentiam.”

Criado por profissionais do Instituto Sedes Sapientiae preocupados com os reflexos na saúde mental gerados por conflitos políticos, o projeto surgiu depois do primeiro turno do pleito presidencial de 2018.

“A situação política atual tem mexido com você? Com suas relações familiares e de amizade? Você se sente desamparado(a), ameaçado(a), preocupado(a)? Tem tido pesadelos ou perdeu o sono? Venha participar das Rodas de Conversa – Escuta Sedes, lugar de acolhimento e troca de experiências.”

Naquele primeiro momento, as reuniões aconteciam de forma presencial, de segunda a sábado, em vários horários. Bastava escolher um lugar na roda, na qual os participantes compartilhavam suas experiências.

A psicanalista Sílvia Nogueira de Carvalho, integrante do coletivo, conta que a ansiedade diante do contexto político do país se manifestava nos relatos dos participantes de diferentes formas: pesadelos, insônia, falta de apetite ou compulsão alimentar, além de alergias, melancolia, isolamento e paranoia.

Durante a pandemia de coronavírus, os encontros passaram a ser realizados online —e assim seguem até hoje. A atividade é gratuita, tem duas horas de duração e permite a participação de maiores de 16 anos. Para tal, basta preencher um formulário de inscrição disponibilizado no site e nas redes do instituto.

Sílvia afirma que, nas últimas semanas, a preocupação com os atos do 7 de Setembro, convocados por bolsonaristas como uma espécie de “tudo ou nada”, marcaram as reuniões. “A roda gira e as perspectivas muitas vezes mudam, mas em geral as eleições se fazem presentes nos encontros.”

Outro tema que deve gerar ansiedade aos participantes das rodas de conversa é a perspectiva de novos episódios de violência com motivação política, como o do bolsonarista que matou a facadas um apoiador de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em Mato Grosso. De acordo com a polícia, o agressor ainda tentou decapitar a vítima com a utilização de um machado e, após o crime, também filmou o cadáver.

A psicanalista diz que o projeto não é partidário e que pessoas de perfil conservador já o procuraram, devido a conflitos por divergência política. Como exemplo, cita um casal: a mulher havia ido aos atos anti-Bolsonaro do “Ele não”, em 2018, e seguiu nos encontros, enquanto o marido, que discordava dela, não.

A coordenação do projeto estima que ao menos 800 pessoas estiveram nos encontros em 2020 e 2021 —algumas se tornaram membros frequentes, como Valdecir, e outras foram apenas uma ou poucas vezes às reuniões. “As rodas são espaços para uma palavra que está sem lugar. Ao ser dita a quem está disposto a escutar, essa palavra recupera sua força e ajuda a orientar novos movimentos”, diz Sílvia.

Com o projeto, Valdecir diz ter aprendido a ouvir o outro e a si, percebendo a necessidade de fazer terapia, tratamento que retomou e concilia com os encontros. “Cheguei lá em frangalhos e hoje estou bem mais equilibrado em relação a essas questões. A roda induz você a prestar atenção a você mesmo.”

Outra iniciativa inspirada em quadros de ansiedade pós-eleições de 2018 foi criada no Rio, com foco em pessoas LGBTQIA+, e tem contribuído na prevenção do suicídio. Com encontros gratuitos, o Vozes e Cores é realizado no Instituto de Psicologia da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), no Maracanã.

O projeto é vinculado à pesquisa de pós-doutorado do professor Mário Felipe de Lima Carvalho sobre casos de sofrimentos entre pessoas desse grupo no Brasil. O psicólogo afirma que a ideia veio após a vitória de Bolsonaro em 2018, quando seus alunos LGBTQIA+ na UFRJ, onde lecionava à época, faltaram às aulas com medo de sair de casa e sofrer agressões. O episódio motivou uma roda de escuta, que atraiu professores e profissionais de saúde que tentavam aprender a lidar com o cenário.

Os encontros começaram em março de 2020, com duração de uma hora e meia. Para participar, é preciso preencher um formulário de inscrição, e menores de 16 anos têm de apresentar autorização dos responsáveis.

Embora não haja um tema para os encontros, o professor conta que a política virou assunto frequente e, num primeiro momento, era identificada como agravante em quadros de fobia social, pânico e depressão.

Mário afirma que o projeto foi realizado online em 2020 e 2021, o que permitiu a participação de pessoas de outros estados. Na fase aguda da pandemia, relatos de pensamentos e até mesmo tentativas de suicídio se tornaram comuns, o que reforçou o trabalho de prevenção.

Assim como a iniciativa realizada em São Paulo, o grupo atrai em sua grande maioria pessoas de esquerda, embora visões conservadoras sobre outros assuntos já tenham aparecido nos encontros.

“Pode ser que alguém com essa posição não tenha se sentido à vontade para se expressar no grupo”, diz o psicólogo. Ele conta que já atendeu no consultório pessoas de direita, mas que os relatos de sofrimento devido à política tinham perspectiva mais individual, enquanto os no grupo refletem um temor coletivo.

“O processo se torna muito individual, por isso acho que dificilmente esse tipo de sofrimento chega em projetos que fazem atendimento de forma coletiva”, afirma.

Até hoje, mais de 250 pessoas já frequentaram as rodas, e, para Mário, uma dificuldade é a falta de um trabalho conjunto entre diferentes áreas, o que permitiria o encaminhamento de participantes para a psiquiatria ou para a assistência social, embora o inverso por vezes aconteça.

Nessas eleições, o professor diz que há clima de esperança e otimismo entre os participantes, mas cita o caso de uma pessoa trans que, com receio de que Bolsonaro seja reeleito, comprou uma passagem para outro país com a data do dia da eleição, com a intenção de deixar o Brasil caso o temor se confirme.

Wallace Nascimento, 33, conheceu a iniciativa pelas redes sociais e passou a frequentar os encontros no começo do ano para lidar com a ansiedade. Gay, negro e morador da periferia da zona norte do Rio, ele diz que racismo e homofobia, assim como a incerteza sobre o futuro, são gatilhos que afetam a saúde mental.

“Estão chegando as eleições, daí volta aquele pânico: será que ele [Bolsonaro] vai [ser eleito] de novo? Daí a ansiedade vem, e o seu estado mental já desequilibra. Óbvio que a política acaba te abalando psicologicamente, porque a ansiedade é um acúmulo do passado com o medo do futuro.”

Sem conseguir uma vaga para fazer terapia pelo SUS (Sistema Único de Saúde), Nascimento diz que o grupo o ajudou por meio da escuta dos outros. “A roda acaba fazendo um trabalho de autoestima, de escuta e fala. É um desenvolvimento de um trabalho de prevenção ao suicídio, algo que é silenciado.”

Para Sílvia, do Escuta Sedes, e Mário, do Vozes e Cores, os projetos têm sido bem-sucedidos em oferecer um espaço de elaboração coletiva, mas uma dificuldade é conseguir chegar a mais pessoas. Apesar disso, ambos destacam que a metodologia pode ser replicada em outras localidades para diferentes perfis.

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