Nas eleições municipais deste ano, os maiores vencedores foram os partidos de direita e centro-direita, que ocuparam o espaço do bolsonarismo e derrotaram a esquerda em cidades importantes. Entre os quatro que se destacaram, DEM, PSD, PP e Republicanos, o que teve o maior crescimento percentual no número de vereadores e prefeitos eleitos foi o Republicanos, legenda vinculada à Igreja Universal e defensora de uma pauta conservadora nos costumes e liberal na economia.
A sigla, fundada como PRB em 2006 e rebatizada no ano passado, também foi a que mais elegeu vereadores nas capitais, com 53 vitórias, 55% a mais que em 2016. Entre as grandes cidades, com mais de 500 mil habitantes, foi a terceira que mais recebeu votos para vereador, atrás somente de DEM e PT, e teve também bom desempenho nos municípios pequenos e médios. Os cálculos são dos cientistas políticos Carlos Ranulfo Melo e Jair Nicolau, respectivamente.
No total, o Republicanos elegeu 2.572 vereadores pelo país, 58% a mais do que em 2016, quando o número já havia sido 35% maior do que em 2012.
O número de prefeitos eleitos, 211, é baixo comparado aos dos grandes partidos, mas dobrou em relação a 2016, quando a legenda fez 106 prefeitos. Entre as cidades conquistadas, estão Campinas, Sorocaba e Vitória.
De olho nos Fundos Partidário e Eleitoral
O resultado mais expressivo nas eleições para vereador do que nas para prefeito é, em parte, fruto de sua estratégia de enraizamento difuso na política local com o objetivo de sustentar o crescimento a longo prazo da bancada de deputados federais, que determina quanto o partido receberá de recursos públicos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral.
“É uma bola de neve. Esses vereadores viram cabos eleitorais para eleger deputados federais, conseguem atrair mais recursos de emendas para as suas cidades, ganham mais visibilidade local e se fortalecem para as próximas eleições”, afirma à DW Brasil a cientista política Marcela Tanaka, pesquisadora do Centro de Estudos de Opinião Pública da Universidade Estadual de Campinas, que estuda a legenda desde 2016.
O investimento nas eleições para cargos legislativos locais, com o objetivo de depois aumentar a bancada federal, têm mostrado resultado na Câmara dos Deputados. Em 2006, a primeira eleição dos Republicanos, o partido elegeu um parlamentar. Em 2010, foram oito. Em 2014, 21. Hoje, contam com uma bancada de 32 deputados, a sétima maior da Casa.
“As eleições proporcionais para vereador têm muito a ver com a política local, e eles vêm se especializando nesse tipo de política. Estão entendendo como funciona a máquina, para talvez em breve eleger um governador”, afirma Tanaka.
Em 2018, o Republicanos elegeu seu primeiro senador, Mecias de Jesus, por Roraima. O presidente da sigla, deputado federal Marcos Pereira, bispo licenciado da Igreja Universal e ex-vice-presidente da Rede Record, é atualmente um dos candidatos à presidência da Câmara para a próxima legislatura.
Presença pelo país
Além de ampliar a votação neste ano, o Republicanos melhorou a sua distribuição geográfica, reduzindo sua dependência do Sudeste. Os votos para prefeito da sigla nessa região representaram 57% dos obtidos pelo partido em disputas pelo Executivo em todo o país, contra 73% no pleito anterior.
Já a parcela dos votos para prefeitos no Nordeste subiu de 14% para 25%, e houve alta também nas regiões Sul, Centro-Oeste e Norte, segundo cálculos da cientista política Lara Mesquita, pesquisadora do FGV-CEPESP.
“Vejo [isso] como indicativo de uma máquina partidária organizada, que está pensando e planejando esse crescimento de forma orgânica e ao longo do tempo. Não é fruto de uma única liderança que estoura nas urnas”, afirma Mesquita.
Ela destaca o equilíbrio entre a quantidade de votos para candidatos a vereador e a prefeito em 2020 do Republicanos. No total, o número de votos a vereador foi 9,7% maior do que os para prefeito. “Esse resultado balanceado é uma evidência de que o crescimento do partido é sólido, e não atrelado à importação de lideranças locais que podem a qualquer momento mudar de partido”, diz.
Derrotas no Rio e em São Paulo
A legenda, no entanto, não teve só boas notícias neste ano. O Republicanos registrou queda no seu número de população governada nas cidades. A partir de 2021, o partido governará cidades que somam 5,3 milhões de habitantes, contra 7,1 milhões atualmente, caindo uma posição nesse ranking, de oitavo para nono maior partido.
A explicação para o prejuízo tem nome: Marcelo Crivella, atual prefeito do Rio, que perdeu a eleição para o ex-prefeito Eduardo Paes, do DEM. O candidato da legenda em São Paulo, Celso Russomanno, também não teve sucesso e ficou em quarto lugar, em sua terceira derrota seguida em eleições para prefeito na capital paulista.
Candidato pelo Republicanos, Celso Russomanno amargou terceira derrota seguida em eleições para prefeito de São Paulo
“Foi uma derrota de personagens muito extremos, muito marcados. Perder o Rio foi uma perda substancial para o partido, mas, em termos de crescimento, os vereadores ajudarão na próxima eleição para deputado”, diz Tanaka.
No Rio, o partido elegeu sete vereadores, um a mais do que em 2016, e terá a maior bancada da Câmara Municipal carioca a partir do próximo ano, empatado na liderança com DEM e PSOL.
Nas próximas eleições, Tanaka projeta um aumento da disputa pelo voto conservador com outras legendas, como PL, PSL e PSD, que “competem na mesma raia pelo mesmo perfil de eleitor”. A continuidade do crescimento do Republicanos, diz, dependerá de o partido conseguir sustentar sua expansão, de como se posicionará para o eleitorado e de que tipo de aliança fará nos próximos pleitos.
Ligação com a Universal
O mau resultado de Crivella na cidade onde a Igreja Universal foi fundada por Edir Macedo, em 1977, ao mesmo tempo que o partido teve resultados gerais positivos, mostra como a legenda tem um funcionamento que conta com a Igreja, mas não depende totalmente dela, diz Tanaka. Segundo a pesquisadora, “o Republicanos é o braço político da Universal, mas é maior do que ela”.
O vínculo entre a Igreja e o partido existe desde a criação da legenda. A cientista política Priscilla Leine Cassotta, professora do Senac que pesquisa a presença dos evangélicos na política, afirma que, até 2006, a Universal costumava pulverizar seus candidatos em diferentes partidos, em especial no PL. Porém, isso aumentava os custos de organização para a Igreja, que precisava negociar a posição de seus candidatos com mais de uma legenda.
A Universal então começou a discutir a criação de um novo partido, no qual poderia concentrar seus candidatos, e acelerou esse processo após o mensalão, em 2005. O escândalo atingiu em cheio o PL e um bispo da Igreja, o deputado federal Carlos Rodrigues, então coordenador da bancada da Universal no Congresso. Em 2008, Rodrigues admitiu ter recebido recursos desviados para saldar dívidas eleitorais e, em 2012, foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Segundo Cassotta, para se desvincular do escândalo, a Universal apostou suas fichas no PRB, atual Republicanos, que estava sendo lançado naquele momento. E levou para a nova legenda todos os seus candidatos e a sua notória capacidade de organização e gestão. Em 2011, Pereira assumiu o comando da legenda e consolidou a sua identidade ideológica, conservadora na área dos costumes, em defesa da família cristã e liberal na economia, com valorização da meritocracia.
“A Universal tem uma estrutura muito hierarquizada e usa métodos corporativos para atingir o sucesso, seja para angariar fiéis, para gerir suas empresas ou para eleger seus candidatos”, diz. Hoje, segundo ela, representantes da Universal são a maioria na cúpula da sigla, que determina a linha política e toma as decisões estratégicas.
Estratégia para maximizar sucesso na Câmara
Esse comando é facilitado pela forma como o Republicanos estrutura seus diretórios municipais — praticamente todos são comissões provisórias, que podem ser dissolvidas a qualquer momento pela direção nacional da legenda se houver conflito com o líder local. Em todo o país, apenas nove diretórios do Republicanos são permanentes, todos em pequenas cidades do Piauí, Pará, Espírito Santo, Bahia e Alagoas, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral.
Para maximizar a chance de sucesso na Câmara, a estratégia eleitoral da Igreja é lançar apenas um ou dois candidatos a deputado federal por estado, para que não haja divisão dos votos dos fiéis. Dos atuais 32 deputados federais da legenda, 14 são da Universal, segundo Pereira, presidente da sigla, afirmou em novembro ao jornal O Estado de S. Paulo. Entre os 2.572 vereadores eleitos neste ano, ele diz que apenas cerca de 300 pertencem à Igreja.
Mesquita, do FGV-CEPESP, afirma que o crescimento do Republicanos ano a ano pode estar acontecendo “junto com a expansão da Igreja ou a despeito [dela], diminuindo a dependência do partido da estrutura da Universal”. Para essa resposta, diz, serão necessários mais estudos nos próximos anos.