Em meio à deterioração do debate público, com a proliferação de discursos radicais e campanhas de desinformação no Brasil, o RenovaBR, movimento de renovação política fundado pelo empresário Eduardo Mufarej e apoiado pelo apresentador Luciano Huck, decidiu ser mais criterioso na escolha dos candidatos do grupo nas eleições de 2024 para evitar encampar nomes com posturas antidemocráticas. Segundo a diretora executiva, Bruna Barros, essa é uma preocupação, embora o grupo não queira perder o caráter de espaço pluripartidário.
“Conseguimos quantificar hoje, dentro do nosso processo seletivo, esse espectro de pessoas que tendem a sair ou a pensar fora das regras democráticas do jogo”, afirma ela, em entrevista a Samuel Lima, do Estadão. As perguntas envolvem, por exemplo, qual a opinião do candidato sobre viver em uma democracia e o quão fundamental é o povo escolher seus líderes em eleições livres.
Bruna garante, por outro lado, que as pessoas não são preteridas por suas escolhas partidárias na triagem e que essa diferenciação é feita em termos de visão de mundo e de sociedade. “Dos espectros de A a Z, e hoje temos alunos de 29 partidos, conseguimos ter pessoas com visões democráticas. Assim como há pessoas em diversos partidos que também têm visões radicais.”
Entre as crias do RenovaBR está o deputado federal bolsonarista Luiz Lima (PL-RJ), ex-nadador olímpico que ganhou notoriedade no meio político com vídeos na internet atacando o processo eleitoral. Em maio do ano passado, ele usou o plenário da Câmara para acusar, sem provas, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes de “enviar dinheiro da empregada doméstica para a Venezuela matar pessoas”. Era uma reação a uma decisão do magistrado de suspender o Telegram por 72h caso o aplicativo não apagasse uma mensagem contra o PL das Fake News.
A situação gera desconforto dentro do programa. A diretora, que divide as funções com Rodrigo Cobra, relata que o RenovaBR faz um monitoramento dos posicionamentos de seus ex-alunos e se distancia deles caso identifique que o discurso não condiz mais com os seus valores. “E a gente espera que, com base nos recursos que empregamos no processo seletivo, esse não seja o público atraído para ingressar no programa”, aponta Bruna.
Quando identificamos posicionamentos antidemocráticos, podemos retirar essas pessoas ou pelo menos fazer o flag (alerta); ela não deixa o processo seletivo, participa dele como um todo, mas lá na frente vai apontar que essa pessoa, na verdade, não tem os valores que o RenovaBR busca para um líder.
Bruna Barros, diretora executiva do RenovaBR
O movimento pretende contar com 159 candidatos disputando prefeituras em todo o Brasil, incluindo sete capitais, além de 1.183 nomes para as câmaras municipais. Do total, 620 são estreantes. O porte de um pequeno partido político gera situações curiosas — como na cidade mineira de Uberaba, onde a atual prefeita, Elisa Araújo (Solidariedade), pode enfrentar outros dois egressos do programa nas urnas. Em São Paulo (SP), o pleito para o Executivo deve contar com a deputada federal Tabata Amaral (PSB) e com a ex-secretária de Desestatização de Paulo Guedes, Marina Helena (Novo).
O RenovaBR entende que o cenário polarizado, em geral, não favorece a ascensão de outsiders, de novas lideranças de fora da política, mas ainda é possível ser competitivo dependendo do contexto local. Além disso, diante de fracassos da “terceira via” nas eleições mais recentes, os candidatos devem avaliar a necessidade de se posicionarem no embate nacional entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, e o ex-presidente Jair Bolsonaro, do PL, para aumentar as suas chances de vitória. Veja a entrevista completa abaixo.
Qual o principal desafio hoje na política nacional?
Eu acho que são dois principais desafios. Primeiro é a questão da distribuição dos recursos, que é sempre um desafio em uma democracia. Quando você tem uma concentração pequena de pessoas com acesso aos recursos eleitorais e muitas pessoas sem acesso a esses recursos, você torna a democracia mais fraca, mais fragilizada, porque você acaba fazendo com que muitas pessoas não consigam se viabilizar. E a outra questão são as tecnologias. Temos hoje um fator pós-fake news, que são as deepfakes e a inteligência artificial podendo entrar nas eleições, principalmente nas capitais, onde os candidatos podem fazer uso contra seus adversários.
Como impedir que uma pessoa com perfil radical, sem compromisso com princípios democráticos, seja aceita no programa?
Dentro do processo seletivo existem algumas fases. Elas são todas somatórias, e uma delas trata do ponto de vista. Colocamos questões que podem dar pontos extras ou podem eliminar candidatos dependendo do tipo de posicionamento. Quando identificamos posicionamentos antidemocráticos, podemos retirar essas pessoas ou pelo menos fazer o flag (alerta); ela não deixa o processo seletivo, participa dele como um todo, mas lá na frente vai apontar que essa pessoa, na verdade, não tem os valores que o RenovaBR busca para um líder.
O RenovaBR está sendo mais rigoroso no processo seletivo? De que forma?
Justamente pela inclusão desses chaveamentos. Saber se a pessoa já faz parte de algum partido, fazer uma checagem, ver se ela já teve algum processo e de que tipo, se ela é ficha limpa, isso sempre teve. Mas, foi colocado hoje de uma forma que conseguimos quantificar, dentro do nosso processo seletivo, esse tipo de espectro, de pessoas que tendem a sair ou a pensar fora das regras democráticas do jogo. Então, na verdade, é só uma forma de organizar melhor essas informações. São várias perguntas.
E como isso se equilibra com o princípio de ser uma organização com pluralismo ideológico?
Dos espectros de A a Z, e hoje temos alunos de 29 partidos, conseguimos ter pessoas com visões democráticas. Assim como há pessoas em diversos partidos que também têm visões radicais. Fazemos uma diferenciação, não só em termos de competitividade (do candidato), mas também nessa questão democrática, de visão de mundo e de sociedade mesmo.
Como as redes sociais devem ser exploradas pelos alunos?
O que a gente pede, na verdade, é que as pessoas sejam criativas. Mostramos diversos cases criativos que não são, de forma nenhuma, de violência ou que promovam qualquer tipo de irresponsabilidade ou mesmo notícias falsas. Então, é só o formato e exemplos de como fazer. Temos pessoas eleitas hoje que utilizam muito bem as redes sociais sem destilar notícias falsas ou fazer qualquer inflamação de assuntos que possam ser considerados radicais.
O deputado Luiz Lima (PL-RJ), que ganhou notoriedade com discurso radical nas redes sociais, foi um dos casos que motivaram esse maior rigor na seleção?
Não foi somente o Luiz. Falo isso também como ex-aluna: ele foi da minha turma, não tinha um discurso desse porte e acabou tornando esse discurso mais agressivo. Temos pessoas muito plurais hoje. São mais de 2.000 lideranças formadas, que hoje estão dentro da rede, são influentes e estão em posições de destaque. Fazemos um monitoramento dessas pessoas e, eventualmente, nos distanciamos se os discursos não são condizentes com os valores que o RenovaBR sempre pregou, a favor da democracia. E a gente espera que, com base nos recursos que empregamos no processo seletivo, esse não seja o público atraído para ingressar no programa.
Bruna Barros, diretora executiva do RenovaBR
Como o RenovaBR pode atuar em favor das candidaturas em 2024?
Somos uma escola que tenta alavancar as possibilidades de uma candidatura ser proeminente, fortalecida. Fazemos isso (nos cursos) com conteúdo, apresentando tendências de eleição e tecnologias que são importantes principalmente para as novas candidaturas de fora do status quo da política. O que temos (nas eleições) são pessoas que veem oportunidades nos alunos do RenovaBR e nos procuram querendo entrar em contato com eles. A gente faz esse match, entende? Não é uma operação vinculante.
Acredita que o cenário hoje, polarizado entre PT e PL, possibilita a entrada de outsiders, de pessoas desconhecidas e estreantes na política?
Sempre é possível e depende muito da narrativa, do contexto, da localização. A grande questão é se seria possível fazer isso de forma massificada. Entendemos que não, que ainda o contexto de polarização do presidente atual (Luiz Inácio Lula da Silva, do PT) com o ex-presidente (Jair Bolsonaro, do PL) ainda vai pesar muito nas eleições. Essas narrativas vão precisar ser aderidas de alguma forma. A gente sabe que é muito difícil para candidatos que se colocam contrários a ambos os lados da polarização. E isso aconteceu muito nos últimos anos, pessoas que ficaram sem mandatos justamente por não se colocarem de um lado ou de outro. É uma análise caso a caso, que depende do partido, do contexto local e da própria história da pessoa para se colocar como pró, contra ou isento nesta polarização.
Bruna Barros, diretora executiva do RenovaBR
A deputada Tabata Amaral (PSB), uma das principais apostas deste ano, pode vencer em São Paulo?
Olha, a Tabata é um nome conhecido nacionalmente, um nome relevante, que tem muitos feitos. Ela é uma pessoa que está construindo uma história muito importante dentro da política e que, nas pesquisas, está se mostrando ainda competitiva em relação aos nomes que são da máquina ou que são da polarização, nomes endossados pelo atual presidente e o ex-presidente da República. Vamos apoiar o máximo que pudermos as nossas lideranças que vão se candidatar, e a Tabata é um desses nomes.