Relatório da Polícia Federal que indiciou os alvos da operação Furna da Onça apontou suposto vazamento de informações sigilosas, indicando a existência de um informante chamado de “amigo” pelos investigados e que teria como “ajudar a monitorar a ação dos investigadores”. Entre os indiciados nesta operação estão os ex-presidentes da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Paulo Melo e Jorge Picciani, o ex-governador Sérgio Cabral e o ex-líder do governo Edson Albertassi – todos do MDB.
“É importante destacar os fortes elementos que apontaram o vazamento de informações da presente investigação, quando da deflagração da operação policial, o que demonstra que a orcrim (organização criminosa) continua tendo ‘tentáculos’ que podem alcançar órgãos de investigação, demonstrando que são atuais e graves as consequências da articulação criminosa dos investigados”, escreveu a delegada da PF do Rio, Xênia Ribeiro Soares, no relatório final preliminar da Furna da Onça.
O relatório, datado de 5 de dezembro de 2018, foi enviado ao Ministério Público Federal e ao Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2). As suspeitas de vazamento, no entanto, tornaram-se de conhecimento público no dia seguinte à deflagração da operação.
Em 2019, a PF abriu nova investigação, mas foi encerrada sem indicar a origem dos vazamentos. O caso foi retomado semana passada, após o empresário Paulo Marinho afirmar que ouviu do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) que um delegado da PF do Rio “simpatizante” da família Bolsonaro teria vazado dados da Furna da Onça, entre o primeiro e o segundo turno das eleições.
Flávio classificou a acusação de “invenção” e disse que Marinho tem interesse em prejudicá-lo, já que é seu suplente no Senado e pré-candidato do PSDB à prefeitura do Rio.
O relatório final preliminar da Furna da Onça lista pelo menos cinco fatos descobertos com a deflagração da operação, em 8 de novembro de 2018, que indicavam, já naquela ocasião, a atuação dos investigados para destruir provas, atrapalhar a apuração e a ação da Justiça.
‘Integrante’
Um dos mais extensos episódios registrados no relatório da PF envolve “um conjunto de 75 páginas escritas à mão ou impressas” apreendido na casa de Andréia Cardoso do Nascimento. Parte teria sido escrita de dentro da cadeia pelo irmão de Andréia, Fábio Cardoso do Nascimento, antes da deflagração da Furna da Onça.
A delegada destaca a preocupação dos alvos, registrada nos bilhetes escritos pelos presos da Furna da Onça, em manter “pessoa a quem se refere como ‘ele'” na cadeia. O relatório sugere que, possivelmente, “ele” seria “algum integrante de qualquer dos órgãos envolvidos nas atividades de investigação, como a própria Polícia Federal, o Ministério Público Federal, ou mesmo a Justiça”.
“Vc precisa continuar conversando com amigo, outras operações vão surgir com continuação das investigações das empresas citadas. Vão tentar manter ele aqui com novos dados. Veja se estão agindo e fazer o que tem que ser feito”, diz trecho de um dos bilhetes apreendidos. “O extrato acima demonstra que Fábio Cardoso tem exata noção de que há mais fatos sendo investigados que o implicam, tanto que orienta alguém – provavelmente um de seus advogados – para que dedique especial atenção às prováveis investigações em curso, e para isso deveria manter contato com pessoa a qual se refere como ‘amigo'”, registra a PF.
Fábio e Andréia foram presos pela primeira vez em novembro de 2017, na operação Cadeia Velha, que antecedeu a Furna da Onça. Ambas são desdobramentos da Lava Jato. Andréia foi ex-chefe de gabinete de Paulo Melo, na Alerj. Fábio é apontado como operador de Melo e também ex-assessor de Picciani. Em 22 de agosto de 2018, os irmãos foram soltos, e presos novamente na Furna da Onça.
Para a PF, os bilhetes mostram que Paulo Melo e os assessores atuaram em ações de contrainteligência, monitorando investigadores e buscando ocultar rastros dos crimes, atrapalhando as apurações e obstruindo a ação policial e da Justiça.
Ouvido na Furna da Onça, Paulo Melo disse que nunca conversou com Fábio “sobre nenhuma daquelas orientações” e nunca deu “qualquer orientação para Fábio destruir ou ocultar qualquer prova.” O autor dos bilhetes foi interrogado em novembro de 2018, e negou o envio deles para fora da cela.