A auditoria da CGU (Controladoria-Geral da União) sobre repasses feitos com “emendas Pix” identificou irregularidades conforme Carolina Nogueira e Mateus Coutinho, do portal Uol, em uma ONG beneficiada com verba indicada pelo senador pela Bahia, Angelo Coronel (PSD), relator do Orçamento de 2025 e do projeto de lei que criou novas regras para as emendas parlamentares.
O que aconteceu
‘Emenda Pix’ de Angelo Coronel foi para ONG no interior da Bahia. O senador destinou R$ R$ 3,2 milhões para Coração de Maria, na Bahia. O montante foi pago em julho deste ano, de acordo com o Portal da Transparência. Segundo o relatório da CGU, o dinheiro foi repassado ao Isen (Instituto de Saúde e Educação do Nordeste), que firmou um termo de colaboração com a prefeitura local para desenvolver o projeto chamado Educaê – Juntos por uma Nova Educação.
Valor total do programa é de R$ 17,7 milhões para ações em conjunto com a Secretaria Municipal de Educação ao longo de um ano. A auditoria da CGU destacou que a prefeitura repassou R$ 9,3 milhões para a ONG, entre abril e setembro de 2024. Desse montante, R$ 4,3 milhões são de “emendas Pix”. Foram constatadas irregularidades na declaração dos pagamentos (leia mais detalhes abaixo).
Senador disse desconhecer irregularidades e negou envio de dinheiro diretamente a essa ONG. Ele afirmou ainda que a execução das emendas é de responsabilidade da prefeitura (leia mais abaixo).
Fiscalização foi realizada por determinação do STF. A auditoria das transferências especiais para ONGs aconteceu por decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, no âmbito de uma ação que questiona a constitucionalidade das “emendas Pix”.
Modalidade é a preferida dos parlamentares. As transferências especiais, conhecidas como “emendas Pix”, são o tipo favorito de deputados e senadores porque permitem a transferência direta e rápida de recursos para suas bases eleitorais sem a necessidade de ter algum projeto específico.
Irregularidades encontradas pela CGU
A CGU auditou gastos da ONG entre abril e julho de 2024. Gastos e prestação de contas ocorreram antes de o instituto receber verba de “emenda Pix”, que só foi repassada em agosto e setembro deste ano. Ainda assim, a auditoria identificou situações consideradas problemáticas, como falta de transparência e de justificativa para gastos mensais, que poderiam ocorrer com a verba da emenda indicada pelo parlamentar.
Auditoria constatou que a ONG tem condições de prestar os serviços, mas que não justificou os preços e nem traçou metas para execução das atividades. Chamou a atenção dos auditores o fato de as faturas mensais cobradas pela ONG da prefeitura não terem relação com o plano de trabalho previsto na parceria e serem maiores do que o valor previsto inicialmente.
Faturas mensais previstas no contrato têm valor fixo, de R$ 1,4 milhão. Para os auditores, isso não respeita a cronologia e as etapas do projeto, que conta com algumas despesas pontuais e que não se repetem todo mês. Na prática, o plano de trabalho apresentado pela ONG simplesmente repete o Termo de Referência elaborado pela prefeitura, sem detalhar os motivos de cada gasto nem indicar que foi feita pesquisa de preço para justificar os valores.
O projeto prevê o pagamento mensal fixo de R$ 1.476.000,00, como se todas as atividades e custos envolvidos no projeto ocorressem de forma linear e mensalmente. No entanto, quando se analisa as prestações de contas, observa-se que algumas despesas ocorrem de forma pontual, como, por exemplo, a aquisição de papetes e tênis escolares, comprados e pagos pelo Isen em maio de 2018.
Trecho da auditoria da CGU
Site da ONG e redes sociais não sinalizam recebimento e uso da verba. O endereço do instituto na internet tem uma aba de transparência com o aviso “página em manutenção”. Há apenas informações e fotos institucionais dos projetos que são realizados também em parceria com as prefeituras de Maceió (AL), José de Ribamar (MA) e Conceição do Jacuípe (BA). Não existem dados sobre a origem dos recursos para manter as atividades.
Senador negou que tenha transferido recursos à ONG. Ao Uol, Coronel afirmou que não destinou recursos “diretamente para essa instituição, nem para nenhuma outra no estado da Bahia”. O parlamentar também se esquivou sobre a utilização da verba e as inconsistências encontradas pela CGU.
Não tinha conhecimento de quaisquer irregularidades. De acordo com a legislação vigente, após a transferência, a responsabilidade pela aplicação dos recursos é do município. Confio que a prefeitura, sob a liderança de um prefeito sério e comprometido com a transparência, tomará as medidas necessárias para sanar qualquer problema e garantir a correta utilização dos recursos públicos.
Senador Angelo Coronel (PSD)
Falta transparência
Pouca informação deixa lacunas sobre o uso do dinheiro. No Portal da Transparência, a indicação feita por Angelo só traz dados como o nome da prefeitura que recebeu a emenda, valor destinado e, de maneira simplificada, o objeto para utilização da verba. No caso do senador baiano, este último campo diz que o montante será utilizado para “material de consumo, bens e serviços, combustível e eventos culturais no município de Coração de Maria”. Os espaços para inclusão do plano de trabalho e relatório de gestão estão vazios.
Em agosto, Dino havia determinado que as “emendas Pix” devem respeitar os princípios da transparência e rastreabilidade. Além disso, ele determinou que o governo federal só pode liberar esse tipo de recurso se os parlamentares inserirem na plataforma Transferegov.br informações detalhadas sobre como a verba deve ser gasta. Isso inclui plano de trabalho, a estimativa de recursos para a execução e o prazo da execução, bem como a classificação orçamentária da despesa.
Angelo foi relator do projeto de lei que criou novas regras para destravar os pagamentos das emendas suspensas pelo STF. Pelo texto aprovado pelo Congresso, a principal mudança para as “emendas Pix” é a obrigação de indicar a conta corrente que receberá os recursos da pasta do governo responsável pela transferência. Estados e prefeituras beneficiados também devem prestar contas da verba recebida aos tribunais de conta estadual ou municipal em até 30 dias.
Além de não cumprir todas as exigências do Supremo para as “emendas Pix”, o projeto ainda esconde padrinhos de emendas de comissão. Isso porque as indicações dos colegiados serão assinadas pelos líderes de partidos e não será possível identificar quais parlamentares indicaram os recursos para as ações e projetos.
Cobrado pela CGU, o município prometeu adotar providências. Após a auditoria, o município afirmou à CGU que estava adotando providências para sanar os problemas encontrados e que foi firmado um Termo de Ajuste de Conduta com a ONG para que o plano de trabalho seja repactuado e siga as orientações da CGU. A reportagem tentou contato com a ONG por telefone, mas os responsáveis não estavam no local.
A prefeitura rebate irregularidades. O prefeito Kley Lima (Avante) diz que acompanha ‘atentamente a execução das atividades realizadas pelo Instituto e que já trouxe vários ganhos e modernização nas ações da educação municipal”. Afirma que ainda há tempo para que a ONG preste contas da regular aplicação dos recursos recebidos e “que as poucas inconsistências sinalizadas pela CGU num relatório preliminar serão devidamente saneadas para que seja plenamente atendido o interesse público objetivado, não havendo a possibilidade de quaisquer dano ao erário público”.
Comprometemo-nos, portanto, a rever o plano de trabalho, conforme faculta o art. 57 da Lei n. 13.019/2014, para incluir ajustes e maior detalhamento. Essa revisão será formalmente encaminhada, com o propósito de alinhar o plano às recomendações da CGU, esclarecendo os pontos indicados para garantir a transparência e a prestação de contas dos recursos.
Prefeitura de Coração de Maria, em manifestação encaminhada à CGU