Governo se deixou levar inicialmente por uma abordagem fatalista de imunidade de rebanho, o que resultou em milhares de mortes evitáveis, aponta documento. Mas vacinação e rejeição à hidroxicloroquina foram acertos.
O governo do Reino Unido se deixou levar por uma abordagem fatalista de imunidade de rebanho e demorou demais para impor um lockdown no início da pandemia de covid-19, o que levou a milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas, afirma um relatório do Parlamento britânico divulgado nesta última terça-feira (12).
O relatório também aponta aspectos positivos da ação do governo, em especial o rápido desenvolvimento, aprovação e entrega de vacinas e o programa de tratamentos para a covid-19. “Estabelecer a eficácia da dexametasona e a ineficácia da hidroxicloroquina foram contribuições vitais para a batalha mundial contra a covid-19 e, segundo estimativas, ajudaram a salvar mais de 1 milhão de vidas em todo o mundo.”
O documento, intitulado Coronavírus: lições aprendidas até agora, foi elaborado pelas comissões parlamentares de Ciência e Tecnologia e de Saúde e Assistência Social e aponta “grandes erros” na abordagem inicial adotada pelo país face à crise sanitária.
Os parlamentares disseram que o relatório foi elaborado para tentar entender por que o Reino Unido foi bem pior do que outros países no início da pandemia, de forma a que o país possa se adaptar à atual ameaça e se preparar para futuras pandemias.
“A resposta britânica combinou algumas grandes conquistas com alguns grandes erros. É vital aprender com ambos para garantir que o desempenho seja o melhor possível durante o tempo restante da pandemia e no futuro”, defenderam os deputados conservadores Greg Clark e Jeremy Hunt, presidentes das duas comissões.
O Reino Unido foi duramente atingido pela pandemia, com cerca de 138 mil mortes por covid-19 desde março de 2020, um dos números mais elevados da Europa. Um lockdown completo foi ordenado pelo primeiro-ministro Boris Johnson apenas em 23 de março, dois meses depois do início dos debates sobre uma estratégia para a pandemia.
Uma das piores falhas da história
O relatório de 150 páginas se baseia nos depoimentos de 30 pessoas, incluindo o ex-secretário da Saúde Matt Hancock e o ex-assessor especial de Johnson Dominic Cummings. Ele foi aprovado por unanimidade pelos três maiores partidos: o Conservador, o Partido Trabalhista e o escocês SNP.
A resposta inicial à pandemia foi errada e causou a morte de mais pessoas do que o inevitável, afirma o relatório. Os autores lamentam que a abordagem inicial do país para a crise tenha se baseado “inflexivelmente num modelo de gripe” e não tenha levado em conta surtos anteriores de sars, mers e ebola.
Os deputados criticam que a primeira estratégia para combater a covid-19 tenha passado por adotar um plano gradual de medidas, como o distanciamento social, o isolamento e os confinamentos, considerando que isso foi um erro que resultou num número maior de mortes pelo vírus.
“As decisões sobre confinamentos e distanciamento social durante as primeiras semanas da pandemia e os conselhos que levaram a elas são considerados uma das piores falhas de saúde pública que o Reino Unido já vivenciou”, afirma o documento.
Só quando ficou claro que o NHS, o sistema público de saúde, ficaria sobrecarregado é que o governo do primeiro-ministro Boris Johnson finalmente ordenou um lockdown.
“Havia um desejo de evitar o lockdown por causa do enorme prejuízo que ele causaria à economia”, afirma o relatório. “Na ausência de outras estratégias, como isolamento rigoroso de infectados, uma operação significativa de teste e rastreamento e controle robusto de fronteiras, o lockdown total era inevitável e deveria ter começado mais cedo.”
Imunidade de rebanho
O documento refere-se também à questão da imunidade de rebanho, que provocou controvérsia no início da crise. Embora reconheçam que não se tratou de uma estratégia oficial, os deputados responsáveis pelo relatório assinalam que as ações do governo equivaleram, na prática, a aceitar que a imunidade de rebanho por infecções era o caminho inevitável, já que não havia a perspectiva de uma vacina, a capacidade de testes era limitada e havia uma ideia amplamente disseminada de que a população não aceitaria um lockdown por muito tempo.
“O Reino Unido, assim como muitos outros países na Europa e na América do Norte, cometeu o grave erro de adotar essa abordagem fatalista e não considerar uma abordagem mais empática e rigorosa de interromper a disseminação do vírus, como a adotada por muitos países do Leste e do Sudeste da Ásia”, afirmam os parlamentares.
Os erros iniciais, sugere o relatório, resultaram de uma aparente “mentalidade de grupo” entre governantes e cientistas, o que levou a esse fatalismo.
O documento ainda criticou que o Reino Unido tenha implementado “controles leves nas fronteiras” e apenas para países que tinham altas taxas de infeção, apesar de 33% dos casos registados na primeira onda britânica terem tido origem na Espanha e 29%, na França.
Se inicialmente tivessem sido impostas medidas fortes de distanciamento social e confinamentos, o país teria “ganhado o tempo necessário” para o desenvolvimento de vacinas e tratamentos e um sistema de rastreamento adequado, lamentam os parlamentares.