Não existia nem estrada quando muitos agricultores chegaram ao oeste da Bahia no fim dos anos 90, estimulados pelo movimento de ocupação do cerrado através de um projeto federal de desenvolvimento. O acesso à zona rural era difícil, os principais centros urbanos estão a mais de 1000 quilômetros de distância, e os agricultores ainda tiveram que adaptar a produção agrícola a um solo até então considerado de baixa fertilidade.
Em busca de soluções eles passaram as últimas quatro décadas desenvolvendo estudos em busca de cultivares ideais e mais produtivas para esta área do Brasil.
Logo nas primeiras pesquisas os especialistas descobriram que a terra se tornava mais fértil ao misturar calcário ao solo do cerrado. Calcário abundante no vizinho Tocantins. A correção de solo foi um dos primeiros passos que levariam a região a se tornar uma das maiores produtoras de grãos do Brasil.
Graças a tecnologias de plantio como esta os agricultores estão conseguindo aumentar a produção, ano a ano, apesar da diminuição da área cultivada.
Em 2019, os agricultores do oeste do estado colheram uma das maiores safras da história. Foram retiradas das lavouras mais de 5 milhões de toneladas de soja e 1,4 milhão de toneladas de algodão.
Em Luiz Eduardo Magalhães, a Fundação Bahia é um exemplo da participação da ciência e da tecnologia no desenvolvimento da agricultura. Em campos experimentais mantidos dentro da fundação, os produtores rurais, juntamente com pesquisadores de várias instituições, tentam permanentemente encontrar novas cultivares de alimentos como café e milho.
Um dos papéis mais atuantes neste processo é empreendido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que vem desenvolvendo centenas de experimentos adaptados para o cerrado. Foram os pesquisadores do órgão que há quase 40 anos traçaram o perfil econômico, social, geográfico e agrícola do Matopiba, delimitando esta última fronteira agrícola do Brasil que une parte dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
A mesma região desponta atualmente como a mais promissora área do Brasil para a instalação de empreendimentos que apliquem o sistema sustentável de integração lavoura, pecuária e floresta.
Autor de 40 livros e constante pesquisador da agropecuária brasileira e seus efeitos nos biomas e nas comunidades, o chefe geral da Embrapa Territorial em Campinas, Evaristo de Miranda, conversou com o jornal Correio.
Na entrevista abaixo, o pesquisador da Embrapa, agrônomo, mestre e doutor em ecologia pela Universidade de Montpellier, na França, analisa as perspectivas e desafios para manter o desenvolvimento no campo conservando o meio ambiente.
Quais os caminhos possíveis hoje no Brasil para aliar sustentabilidade no campo com preservação ambiental?
Devemos caminhar com duas pernas: usar inovações tecnológicas e respeitar o Código Florestal. E isso de forma adequada às condições de cada produtor rural (pequeno, médio ou grande) e em cada bioma e situação geográfica, nas muitas existentes no Brasil.
Ao longo da história da agropecuária brasileira, a Embrapa tem sido parceria dos agricultores buscando, por exemplo, novas cultivares mais resistentes e que exigem menos água. O que mais podemos esperar da ciência no futuro para aumentar a produtividade no campo?
Caminhamos para uma maior integração das tecnologias; da nanotecnologia aplicada, com as geotecnologias, com a informática, com as máquinas e veículos, com a gestão técnica e administrativa do imóvel rural etc. Integração de sistemas e de técnicas é o caminho. Mas não podemos esquecer que a agropecuária brasileira é muito diversificada. Temos desde produtores muito pouco tecnificados até os mais modernos. Para todos a Embrapa trabalha e aporta soluções. A Bahia é um exemplo dessa diversidade e da presença da Embrapa em todos os segmentos com soluções adaptadas e apropriadas.
Qual o maior desafio que o Brasil precisa enfrentar para desenvolver o campo ao mesmo tempo em que se preserva os recursos naturais?
Sustentabilidade é sinônimo de competitividade e de inovação. Não existe sustentabilidade agropecuária se o produtor na tiver renda, não receber pelo valor de seu trabalho. Também não há como ser sustentável sem utilizar novas técnicas e tecnologias. A sociedade, principalmente em seu mundo urbano, precisa criar mecanismos adicionais para remunerar os produtores rurais por seus serviços ambientais.
Nos últimos anos temos visto um embate muito intenso de informações e fake news envolvendo assuntos como desmatamento, unidades de conservação, área de proteção ambiental e exploração econômica. O que é concreto e real? Quais os números principais que devem ser considerados quando falamos em produção agropecuária?
Ninguém preserva mais o meio ambiente, nem dedica mais tempo e dinheiro a isso do que os produtores rurais brasileiros. Eles dedicam à preservação da vegetação nativa uma área total de mais de 218 milhões de hectares o que corresponde a mais de 26% do Brasil. Ao dados co Cadastro Ambiental Rural de quase 5 milhões de produtores ate4stam esses números. Em termos patrimoniais fundiários essa área representa a imobilização para o meio ambiente de um valor da ordem de 2,3 trilhões de reais. Que categoria profissional no Brasil, dedica de seu patrimônio pessoal e privado, mais de 2 trilhões em prol do meio ambiente? Os agricultores fazem isso e não são reconhecidos.
Qual o papel da tecnologia e da inovação em todo este processo?
Inovação é a solução. Para superar os atuais e futuros problemas ambientais, a prática agrícola deve recorrer sempre ao que há de melhor em termos de inovação e tecnologia. A solução não é retornar ao Neolítico ou a uma agricultura da Idade da Pedra. O exemplo da região Oeste da Bahia é significativo. Não há nenhuma região no estado que preserve tanto e produza tanto. Preservar e produzir é possível, com tecnologia.
Qual o papel do Matopiba e do cerrado no desenvolvimento econômico do país?
A agropecuária moderna transformou o cerrado na maior região produtora de alimentos do Brasil. Alimenta o país e o exterior. Hoje existem cerca de 850.000 imóveis rurais nos cerrados brasileiros. Na média eles destinam à preservação ambiental 41% da área de suas propriedades. Só os produtores rurais já preservam 29% dos cerrados brasileiros. Todos os parques e unidades de conservação e terras indígenas existem nos cerrados protegem 7%. A agricultura é sete vezes mais essa área. A agropecuária moderna no MATOPIBA fez com que de três anos para cá o Nordeste ultrapassasse o Sudeste em produção de alimentos. Isso não ocorria desde o século XIX.
Qual sua opinião sobre a legislação ambiental vigente no Brasil e o que precisa ser aprimorado?
É a legislação mais exigente e rigorosa do mundo. Quando dizemos lá fora, no exterior, que o produtor só pode explorar 20% de seu imóvel rural na Amazônia e que sem nenhuma ajuda do governo ou do estado, deve manter e cuidar de 80%, em geral eles não acreditam. Na Europa e nos Estados Unidos, as pequenas exigências ambientais no uso da terra quando cumpridas lá no exterior sempre vêm acompanhadas de ajudas e subsídios e compensações para os produtores. As cidades reconhecem e retribuem os produtores Não é o caso aqui. O Código Florestal foi aprovado em 2012 e está em vigor. Cabe a todos cumpri-lo. E melhorá-lo no que for possível no futuro,