Depois de quase quatro décadas de debate e tentativas fracassadas, o Brasil ganhou na quarta-feira (20) um novo sistema de impostos e contribuições sobre o consumo. Numa cerimônia cuja tônica foi a cooperação entre Poderes da República, com a presença dos chefes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, foi promulgada a Emenda Constitucional 132, da reforma tributária.
A festa, realizada no plenário da Câmara dos Deputados, teve também momentos de polarização política. Ao chegar, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi ovacionado como “guerreiro do povo brasileiro” enquanto um grupo menor, da oposição, o chamava de “ladrão”. As informações são de Lu Aiko Otta, Raphael Di Cunto, Guilherme Pimenta, Caetano Tonet e Luísa Martins, do jornal Valor.
Em um momento de maior tensão, o deputado Washington Quaquá (RJ), vice-presidente nacional do PT, deu um tapa no deputado Messias Donato (Republicanos-ES), o que levou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) a pedir que os deputados se manifestassem “de forma respeitosa”.
A mudança promete livrar o país do “manicômio tributário”, desonerar as exportações e os investimentos, simplificar a contabilidade das empresas. Nas contas do Movimento Brasil Competitivo (MBC), haverá economia de R$ 28,1 bilhões por ano só com redução da burocracia. O resultado esperado é mais crescimento econômico.
Trará também uma profunda mudança na Federação, ao transferir a tributação de mercadorias e serviços para o local de consumo, em vez do local da produção, como é hoje. O processo ocorrerá de forma gradual, mas a expectativa é que ajude a desconcentrar a renda no país.
A aprovação da reforma tributária levou a agência classificadora de risco Standard and Poors a elevar a nota de classificação de risco do Brasil. A decisão reflete uma melhora na avaliação das perspectivas econômicas do país, com base nessa e em outras reformas implementadas nos últimos anos.
Toda vez que o Congresso tem de mostrar compromisso com o povo, ele mostrou”
— Lula
No entanto, a promulgação do novo texto constitucional é só um primeiro passo. Em 2024, as atenções estarão concentradas na elaboração das leis complementares, que detalharão o funcionamento do novo sistema tributário. Ao mesmo tempo, já começaram as discussões em torno de uma possível judicialização.
Em seu discurso, Lula chamou a atenção para o momento histórico e para a presença dos chefes dos três Poderes à mesma mesa. Além dele, estavam o presidente do Congresso Nacional e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso.
Na mesma linha, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que, sem a liderança de Lira e de Pacheco, o resultado alcançado não teria sido possível. “A partir de agora, essa emenda constitucional tem um guardião, que é o STF”, completou.
Após elogiar Haddad pela “inteligência de levar a proposta ao Congresso, que pouca gente acreditava que fosse possível”, Lula afirmou que a reforma tributária “vai começar a resolver o problema do povo pobre deste país”. Admitiu que “certamente não resolverá todos os problemas”, mas a aprovação foi uma demonstração de que o Congresso Nacional é capaz de elevar-se acima de diferenças ideológicas e partidárias para atender aos interesses do país.
O dia de hoje será lembrado como o dia em que mudamos a trajetória do Brasil”
— Pacheco
Num rápido balanço, o presidente disse que o ano de 2023 começou cheio de incertezas e com previsões pessimistas de crescimento econômico abaixo de 1%. “A economia cresceu mais do que todo e qualquer economista imaginava”, disse. “A inflação está caindo, juro diminuindo, emprego crescendo e salário mínimo, aumentando”. O Ministério da Fazenda projeta crescimento de 3,2% este ano.
Haddad ressaltou que a reforma permitirá às empresas competirem entre si sem recorrer a planejamento tributário ou “jabutis”. “É preciso consolidar a reforma ao longo dos anos, que a litigiosidade dê espaço à transparência”, pregou. A reforma acaba com a chamada guerra fiscal.
“Ouço comentários que a reforma não é perfeita, mas perfeição e imperfeição não cabem a um trabalho coletivo”, ponderou o ministro. “Isso aglutinou muitos anseios; ela é perfeita porque foi feita sob a democracia. Ela reconhece que o processo histórico vai torná-la ainda melhor.”
Lira assumiu compromisso público de começar a discutir a regulamentação do texto “já no primeiro dia legislativo” de 2024 e que “ajustes” e outras reformas serão necessários no futuro. “Ajustes serão necessários, outras reformas também. E essa Casa estará sempre disposta a debater o que for melhor para o país”, afirmou.
O presidente da Câmara disse que foram décadas tentando discutir o texto, mas que “não havia mais tempo a esperar”. “Foram 40 anos de espera que transformaram nosso sistema tributário num manicômio fiscal. A cada novo governo, a cada nova legislatura, o tema vinha à tona e naufragava em interesses diversos. A prioridade não era o país”, discursou.
A reforma não nasceu de um ato autoritário ou da vontade de um governo”
— Lira
“Já disse antes, mas repito agora: o Congresso Nacional aprovou a reforma porque não havia mais como adiá-la”, discursou Pacheco. “A reforma tributária se impôs porque o Brasil não podia mais conviver com o atraso.”
Em declaração à imprensa após o evento, Barroso disse esperar que a reforma “possa diminuir a litigiosidade tributária no Brasil, que traz muita imprevisibilidade para as contas do governo e das empresas”. Segundo ele, para além da simplificação, as discussões precisam evoluir para que o sistema tributário brasileiro – “o mais complicado do mundo” – seja mais justo.
Os trabalhos de Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e Eduardo Braga (MDB-AM), relatores da proposta na Câmara e no Senado, respectivamente, foram ressaltados por todos os oradores. Também a atuação do secretário extraordinário da Reforma Tributária, Bernard Appy.
A reforma tributária tem sido criticada pelo grande número de setores que terão tratamento tributário favorecido. Essas exceções não eram desejadas pelos técnicos, mas são consideradas como uma espécie de preço a ser pago pela aprovação da reforma. No balanço final, o governo considera que o saldo é bastante positivo.
A alíquota-padrão do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), formado pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sob Bens e Serviços (CBS) não foi determinada. Estimativas elaboradas pelo Ministério da Fazenda apontam para 27% a 27,5% como o nível necessário para manter o atual nível de arrecadação. Os cálculos estão sendo refeitos após a última votação do texto.