As mudanças anunciadas no início da noite desta última quarta-feira (6) no primeiro escalão do governo federal, com trocas no comando de ministérios, têm objetivos para ambos os lados, de acordo com analistas políticos ouvidos por Mariana Schreiber, da BBC News Brasil.
Passados oito meses de governo, nomes originalmente escolhidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) saem de cena para acomodar novas indicações do Centrão – grupo de partidos de centro-direita que costumam apoiar governos de diferentes vertentes ideológicas em troca de cargos e verbas.
Para o governo federal, o objetivo mais imediato da reforma ministerial é fortalecer a base no Congresso, onde o Palácio do Planalto tem tido dificuldade para avançar algumas pautas importantes, como o novo marco fiscal, que foi aprovado, mas em ritmo bem mais lento que o desejado.
Já o Centrão busca influência política mirando as próximas duas eleições. Mas de acordo com analistas, a troca não deve deixar ambos os lados completamente satisfeitos – Lula não deve ter apoio absoluto, e o Centrão, sem possibilidade de se beneficiar com emendas orçamentárias, pode continuar a ter demandas.
Quem sai e quem fica
O PP, partido do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (AL), passa comandar o Ministério do Esporte.
O escolhido para chefiar a pasta é o deputado André Fufuca (MA). A titular anterior da pasta era a ex-jogadora de vôlei Ana Moser.
Já deputado pernambucano Silvio Costa Filho, do Republicanos, vai chefiar o ministério de Portos e Aeroportos no lugar de Márcio França (PSB).
A sigla tem forte conexão com o segmento evangélico, principalmente a liderança da Igreja Universal do Reino de Deus.
Como os dois novos ministros receberam apoio de Lira, a expectativa é que isso melhore a relação com a Câmara.
Mas, para analistas políticos, a decisão de Lula de abrir mais espaço na Esplanada dos Ministérios para a centro-direita não mira apenas o apoio parlamentar, mas teria também um cálculo eleitoral: tentar afastar essas siglas que integraram o governo anterior da esfera política de Jair Bolsonaro (PL).
Para o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, o mesmo objetivo motivou também a troca do Ministério do Turismo, que no início de agosto passou para o comando de Celso Sabino (PA), deputado do União Brasil próximo a Lira. Ele substituiu a deputada Daniela Carneiro após ela decidir deixar o partido.
“A reforma ministerial deve dar mais margem para o governo no Congresso, mas não há expectativa de que esses partidos vão votar integralmente com o Planalto”, nota Cortez.
“Por outro lado, acho que a inclusão desses partidos de forma mais forte (no governo), seja trocando (a indicação do) União Brasil (para o Ministério do Turismo) seja adicionando Republicanos e PP, busca dividir o projeto (eleitoral) alternativo, que no passado foi Bolsonaro. É uma maneira do Lula enfraquecer a próxima candidatura presidencial do campo da centro-direita”, analisa.
Cortez cita como exemplo o caso do Republicanos, que tem no governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, um potencial herdeiro do bolsonarismo na disputa nacional de 2026.
No início de agosto, ele se colocou contra a entrada da legenda no governo Lula e deixou em aberto a possibilidade de deixar o partido.
Centrão também mira ganho eleitoral
O cálculo eleitoral também entra nos interesses do Centrão, acrescenta Cortez.
Para os partidos, ter lideranças no comando de ministérios e outros órgãos federais é uma forma de obter projeção política e o controle de parte do orçamento federal, possibilitando investimentos em seus redutos eleitorais
É uma equação que costuma render mais votos nas eleições seguintes, mas que, historicamente, também tem sido acompanhada de escândalos de corrupção, envolvendo partidos de todo espectro político.
Segundo Cortez, o potencial de ganho de votos com a participação na máquina pública se torna ainda mais relevante devido ao acirramento da disputa com as novas regras eleitorais adotadas nos últimos anos.
É o caso do fim do financiamento de campanhas por empresas e do aumento da cláusula de barreira (exigência de um número mínimo de votos para que um partido tenha acesso a recursos públicos, por exemplo).
“Com isso, a competição eleitoral ficou mais acirrada, e o custo de ficar na oposição aumenta”, nota Cortez.
“Esse custo ficou ainda maior diante dos problemas do ex-presidente Bolsonaro. Como ele foi considerado inelegível (pelo TSE), esse campo está sem um candidato natural (em 2026).”
Na avaliação da cientista política Beatriz Rey, pós-doutoranda na EACH-USP (Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo), não é possível afirmar que a reforma ministerial deixará o centrão satisfeito com o governo federal.
“A realocação de cargos dá conta de uma parte das demandas, mas a outra, que são as emendas orçamentárias, seguem sendo um problema estrutural.”
A especialista aponta que com as emendas orçamentárias individuais e coletivas se tornando impositivas e igualitárias em 2015 e 2019, o poder Executivo perdeu uma ferramenta de apoio no poder Legislativo – com as regras atuais, é obrigado a executar as emendas, que também não podem ser distribuídas de forma a beneficiar aliados.
“O centrão pode aproveitar a falta de alinhamento entre o Congresso e o Executivo para voltar a pedir emendas orçamentárias em troca do apoio político.”
Congresso mais poderoso
Analistas políticos têm ressaltado o processo de fortalecimento do Congresso frente ao Poder Executivo ao longos dos governos de Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB ) e Bolsonaro (PL).
Na gestão Bolsonaro, o Parlamento passou, inclusive, a comandar a uma fatia importante da execução orçamentária por meio do chamado Orçamento Secreto – sistema que foi proibido pelo Supremo Tribunal Federal no final de 2022.
Nesse novo cenário, as bancadas partidárias do Centrão tem atuado de forma mais fragmentada, e a entrega de ministérios não tem garantido apoio firme dessas siglas.
O União Brasil, que indicou o comando de três pastas (Turismo, Comunicações e Integração Nacional), é um exemplo de partido que tem dado sustentação parcial ao governo no Congresso. A sigla tem uma importante ala bolsonarista.
O mesmo ocorre com o PP, que entra agora no governo. Seu presidente, o senador Ciro Nogueira, foi ministro da Casa Civil de Bolsonaro e segue em forte oposição a Lula.
Para a cientista política Beatriz Rey, a reforma ministerial não será suficiente para resolver as dificuldades do governo no Parlamento porque deputados e senadores continuam interessados em um maior controle do orçamento federal, como ocorria no governo Bolsonaro.
Por outro lado, como a reforma foi negociada diretamente com Lira e contemplou aliados próximos a ele, isso tende a melhor a situação do governo na Câmara.
“O grande ganho do governo é ter o partido do presidente da Câmara, supostamente, dentro da coalizão. O Arthur Lira é um deputado que carrega muita influência dentro da Câmara e sozinho pode conseguir levantar muito voto dentro do PP”, explica.
Ela ressalta, porém, que isso tem o custo de perder o controle de parte da máquina pública: “Ao mesmo tempo que há esse ganho, o governo está perdendo porque está abrindo um espaço considerável do topo da burocracia estatal para o Centrão”.
Cortez também considera que a reforma deve trazer uma relação melhor do governo com Lira.
Por outro lado, acredita que é uma estratégia de Lula, ao alocar deputados dessas siglas para o primeiro escalão, construir alianças que permitam eleger um novo presidente da Câmara mais governista em fevereiro de 2025, quando termina seu mandato no comando da Casa.
Rey e Cortez notam, ainda, que o governo vai precisar intensa articulação no “chão legislativo”.
Ou seja, mesmo com a reforma ministerial, será preciso ter muito diálogo e negociação com os parlamentares para aprovar as pautas de interesse do Planalto.
Sobretudo porque, aprovado o marco fiscal, o governo precisa passar no Congresso medidas de aumento de arrecadação para fechar as contas, com mudanças no Imposto de Renda e na taxação fundos de investimentos de segmentos mais ricos. São pautas que enfrentam mais resistência.
“Essa pauta redistributiva do governo Lula (aumentar impostos sobre os mais ricos) não é uma pauta da centro-direita. Então, são propostas mais difíceis de aprovar”, analisa Cortez.