Cinco meses após a sua sanção pelo presidente Emmanuel Macronsanção pelo presidente Emmanuel Macron, entra em vigor nesta última sexta-feira (1º) a reforma da Previdência francesa, que provocou grande agitação social no país e uma intensa queda de braço entre o governo, oposição e sindicatos.
“Estamos prontos”, disse o ministro do Trabalho da França, Olivier Dussopt. Nos últimos meses, departamentos governamentais e fundos de pensão tiveram que implementar diversas medidas para se adaptar à reforma. “Esta reforma é justa porque é necessária para garantir a sustentabilidade do sistema de pensões e mantém o princípio da distribuição, portanto a garantia dos direitos dos mais desfavorecidos e da solidariedade entre gerações”, completou Dussopt.
Após anos de discussão, a entrada em vigor do novo texto é uma vitória política para a agenda de reformas de Macron, mas veio com um alto preço, ajudando a erodir a aprovação do presidente, que recorreu a manobras legislativas para impor seu projeto. Pesquisas no primeiro semestre chegaram a apontar que sete entre dez franceses se opunham à reforma.
Paris e outras cidades também foram palco no início do ano de intensos e, por vezes violentos, protestos contra a reforma, que ainda teve oposição de sindicatos e grupos políticos diversos, como a esquerda e a ultradireita.
Os principais pontos da reforma
A mudança mais significativa englobada na reforma prevê que a idade mínima de aposentadoria suba três meses por ano, alcançado 64 anos em 2030. Dessa forma, a idade mínima de 64 anos será, portanto, aplicável aos nascidos em ou após 1º de janeiro de 1968.
A reforma também engloba um aumento no período de contribuição para 43 anos a partir de 2027 para a obtenção da alíquota integral. Além disso, foram abolidos a maioria dos regimes especiais de aposentadoria de certas categorias profissionais. Antes da reforma, esses esquemas de pensão, alguns vigentes há centenas de anos, ofereciam aposentadorias antecipadas e benefícios a funcionários públicos e outras categorias, como advogados e fisioterapeutas.
O governo Macron defendeu que o texto reduz privilégios de determinadas categorias profissionais, como a dos funcionários da estatal ferroviária SNCF e da rede de metrô parisiense. Antes da reforma, em média, os motoristas e metroviários da empresa se aposentavam com 55 anos, enquanto a média nacional entre os trabalhadores é 63 anos.
Por outro lado, as pessoas com empregos considerados “ativos” ou “superativos”, que desempenha trabalhos fisicamente ou mentalmente desgastantes, serão elegíveis para uma aposentadoria antecipada, incluindo profissionais de saúde, policiais, bombeiros, limpadores de esgotos, entre outros.
A aposentadoria mínima garantida pelo governo será de 85% do salário mínimo líquido, hoje em cerca de 1.200 euros (R$ 6.400) por mês.
Ao defender a reforma, Macron argumentou que ela seria necessária para evitar que o sistema previdenciário entre em colapso à medida em que a idade média da população do país aumenta, assim como a expectativa de vida. Atualmente, os gastos com pensões na França alcançam 13% do PIB.
Aprovação por meio de manobra controversa
No seu primeiro mandato (2017-2022), Macron já defendia a necessidade de uma reforma da Previdência. Mas conflitos com o movimento dos coletes amarelos e a pandemia de covid-19 adiaram a apresentação de uma proposta. Após a sua reeleição, no ano passado, Macron voltou a promover o projeto.
Em janeiro de 2023, a primeira-ministra Elisabeth Borne, do mesmo partido de Macron, apresentou o plano. O projeto foi aprovado em duas votações no Senado, em março, e enviado para a Assembleia Nacional, a Câmara baixa do Parlamento.
No entanto, em contraste com o Senado, o liberal governo Macron não contava com uma maioria de deputados na Assembleia Nacional, pulverizada entre governistas, a esquerda, a direita tradicional e a ultradireita.
Certo de uma derrota, a premiê Borne invocou então o artigo 49.3 da Constituição francesa, que permite que o líder do governo dispense a votação de um projeto de lei. Ou seja, por meio de uma “canetada”. No entanto, a invocação desse artigo só costuma ser usada apenas em situações limite e representa um risco para o governo.
Os membros da oposição na Assembleia Nacional reagiram apresentando duas moções de desconfiança contra o governo, que poderiam levar a queda do gabinete de Borne e a realizações de novas eleições. No entanto, as moções acabaram fracassando, representando um alívio para Borne e Macron. Dessa forma, a reforma finalmente passou.
Onda de protestos
As críticas ao projeto não vieram apenas da oposição na Assembleia Nacional, mas também das ruas. Entre janeiro e junho, a França foi palco de intensos protestos de massa contra a reforma, que incluíram bloqueios de vias, greves, panelaços e depredação. Entre 1,2 e 3,5 milhões de pessoas marcharam em 7 de março, no auge do movimento.
O pico do movimento ocorreu em março, justamente no mês crucial da aprovação da reforma, quando centenas de milhares de pessoas saíram às ruas do país. Ocorreram mais de uma dezena de greves ao longo do ano contra as medidas do governo, com algumas das paralisações afetando transportes públicos, aeroportos, fornecimento de combustível e coleta de lixo.
Em março, uma pesquisa revelou que 63% dos franceses aprovavam os protestos contra a reforma e que 54% também eram a favor das greves e bloqueios.
No entanto, os opositores viram suas opções de barrar ou reverter as mudanças diminuírem drasticamente em abril, quando o Conselho Constitucional da França considerou a reforma constitucional e rejeitou pedidos da oposição para a organização de um referendo.