A reforma administrativa apresentada pelo governo Jair Bolsonaro segue o modelo adotado em diversos países desenvolvidos com forte tradição na oferta de serviço público de qualidade. Especialistas ponderam, entretanto, que a proposta encaminhada ao Congresso este mês não aborda ainda problemas tipicamente brasileiros, como o elevado número de servidores comissionados, que podem ser indicados livremente pelo governo.
Segundo o jornal O Globo, enquanto a França, tradicional exemplo da burocracia brasileira, tem de 700 a 900 cargos de livre nomeação, no Brasil, há 12.563 postos dessa natureza, segundo dados da Frente Parlamentar Mista da reforma Administrativa. A expectativa é que pontos como este sejam incluídos no debate durante a discussão da proposta no Congresso.
— O Brasil possui uma quantidade de livre nomeação absurda frente aos países de referência e não faz processos seletivos para alta direção em busca dos melhores profissionais — diz Felipe Drumond, consultor da Frente Parlamentar e integrante do Republica.org, ONG sobre gestão.
Do volume total de cargos comissionados existentes na estrutura pública brasileira, metade é de indicação exclusiva para servidores. Em países como Inglaterra, Canadá ou EUA, esse número é bem menor e a nomeação não é 100% livre. O indicado precisa passar por uma seleção ou sabatinas. No Chile há até exame psicológico para estas vagas.
Exemplo internacional
A experiência de vários países com tradição de serviço público forte serve de inspiração para reforma administrativa proposta pelo governo no Brasil
Ao contrário de outras reformas, porém, analistas ponderam que a mudança de regras para servidores não se esgota em uma única Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e terá de ser encampada como projeto de Estado para avançar em peculiaridades das regras do funcionalismo no país.
Repensar a estabilidade
Segundo o professor Marcelo Marchesini, do Insper, a proposta do governo não está absorvendo as novidades que surgem em países avançados, como gestão em rede, citando como exemplo a reforma promovida no estado americano do Oregon, onde eficiência e profissionalismo ganham mais peso, no lugar das tradicionais indicações políticas.
— O fato de o governo não indicar mudanças no sistema de preenchimento de cargos comissionados é problemático, pois podem ser mantidas as nomeações políticas, pouco eficientes — afirma. — A reforma não menciona a seleção. Fala em manter concursos públicos, o que é em princípio desejado em termos de impessoalidade. Mas eles têm muitas falhas, qualidade duvidosa, provas mal elaboradas, processos caros e demorados. E é preciso repensar a seleção.
Humberto Falcão, professor da Fundação Dom Cabral, que foi secretário de Gestão do governo federal, afirma que a seleção de servidores por concurso, onde se premia apenas o conhecimento já está sendo revista em todo mundo.
— A seleção deve considerar não apenas conhecimentos, mas vocações, habilidades, atitudes e perfis psicológicos — diz Falcão.
O especialista afirma que também é preciso repensar a estabilidade, que no Brasil é garantida a 93% dos servidores. Na França, essa garantia é dada para 80% do corpo de funcionários. Na Alemanha, a maior economia da Europa, a taxa é de 40%, enquanto na Inglaterra gira em torno de 9%.
Para Falcão, não há justificativa para a proposta de reforma do governo não prever mudanças mais efetivas neste quesito e que atinja os atuais servidores públicos.
— Claro que precisamos dar estabilidade ao diplomata para ele ter autonomia, mas não precisamos para o ascensorista e motorista do Itamaraty — afirma.
Wagner Lenhart, secretário de Gestão e Emprego do Ministério da Economia, afirma que o governo buscou inspiração nas melhores práticas internacionais ao elaborar o pacote apresentado ao Congresso e que será executado em etapas: primeiro a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), com regras gerais para os futuros servidores, seguida de Projetos de Lei específicos para regulamentar questões como gestão de desempenho e regras de remuneração.
Lenhart pondera que, ao contrário do que ocorre em outras reformas, não é possível esgotar todos os assuntos relativos à reforma administrativa em uma única PEC.
— Em Portugal, a reforma administrativa começou a ganhar tração em 2009 e segue avançando. E só foi para a frente por ter se tornado uma questão de Estado, avançou em governos de direita e de esquerda — diz.