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domingo 10 de janeiro de 2021 às 08:03h

Recursos visuais como QR Code e ícones ganham espaço na advocacia e no Judiciário

CURIOSIDADES, JUSTIÇA, NOTÍCIAS


Após trabalhar horas preparando pareceres com dezenas de páginas, a advogada Danielle Campos Lima Serafino, 42, sócia do escritório Opice Blum Advogados, se sentia frustrada ao ouvir um pedido frequente dos clientes: “Doutora, pode dar uma resumidinha sobre o parecer?”.

Certa de que essa indagação mostrava conforme a Folha de S. Paulo, que os clientes não haviam lido as opiniões legais, há dois anos ela passou a usar recursos visuais em seus trabalhos e hoje é uma das entusiastas do visual law (direito visual, em português), uma corrente da área jurídica que incentiva a utilização de elementos audiovisuais para melhorar a comunicação no universo ligado à Justiça.

No exterior, desde o começo da década de 2010 há forte apoio da comunidade acadêmica, e as inovações na modalidade já chegaram à elaboração de contratos na forma de histórias em quadrinhos.

Um marco na área foi a criação do Legal Design Lab na Faculdade de Direito da Stanford Univesity, na costa oeste dos Estados Unidos, em 2013. O laboratório de inovação multidisciplinar reúne profissionais dos campos do direito, do design e da tecnologia e busca a criação de novos produtos e serviços jurídicos, com foco na experiência dos usuários.

No Brasil, o visual law ganhou maior impulso no últimos dois anos e já é possível encontrar petições de advogados e mandados judiciais com QR Codes que remetem para vídeos, links para acesso externo (nas petições em formato digital), fluxogramas, gráficos, linhas do tempo ilustradas, infográficos, croquis e ícones (pictogramas).

Também surgiram no período startups jurídicas (lawtechs ou legaltechs, em inglês) e cursos que auxiliam no uso das ferramentas.

O movimento recente pelo emprego da criatividade em favor da clareza e concisão no mundo jurídico não desperta apenas o interesse dos advogados mais jovens.

Jorge Chagas Rosa, 64, chegou a se aposentar após mais de 30 anos trabalhando em departamentos jurídicos de bancos, mas resolveu continuar a advogar e hoje atua no escritório Reis, de Bebedouro (SP).

Ele conta que desde 1997 já buscava usar elementos gráficos em seus trabalhos, e agora participa de cursos online sobre visual law para aprimorar suas petições e apresentações aos clientes.

“No passado, os recursos que tínhamos eram limitados. Hoje com o celular na mão você já pode usar as ferramentas, nem é mais necessário ligar o computador ou pedir suporte de uma área técnica”, diz.

O advogado afirma ter verificado em sua experiência profissional uma boa receptividade de clientes e juízes em relação ao emprego das inovações.

“Tenho percebido nos julgamentos que os juízes olham com um carinho especial, não há resistência, em absoluto. Raramente me deparei com uma situação adversa. Os fluxogramas em especial são bem eficientes, têm um alto grau de compreensão”, comenta.

Esse tema da aceitação dos magistrados é objeto de pesquisa de um grupo que reúne mais de cem profissionais brasileiros, chamado VisuLaw.

Entre maio e novembro, o grupo enviou questionários a cerca de 150 juízes federais, com perguntas relativas ao emprego dos recursos visuais nos pedidos e manifestações nos processos.

Uma das questões foi sobre se os elementos facilitavam a análise das petições, e cerca de 87% dos magistrados responderam positivamente.

Porém, em outra pergunta, foram apresentadas aos juízes três versões de petição: uma tradicional, só com texto, outra com uso moderado de recursos visuais e uma terceira repleta de elementos gráficos.

Cerca de 51% dos magistrados aprovaram os dois modelos que tinham algum recurso visual (39,8% votaram pela versão com emprego moderado, e 11,1% por aquela com uso mais amplo), e 49% preferiram a petição só com texto.

Para Bernardo de Azevedo e Souza, 34, advogado e professor do programa de pós-graduação em direito da Universidade Feevale, de Novo Hamburgo (RS), coordenador do grupo, os resultados mostram que “na visão dos magistrados, os recursos visuais facilitam a leitura e análise das peças processuais, desde que sejam usados moderadamente, ou seja, sem excessos”.

Danielle, que é coordenadora do VisuLaw em São Paulo, diz que a ampliação da aceitação depende do desenvolvimento da cultura da informação visual no universo jurídico. “Tudo passa por uma curva de aprendizagem sobre o que é, como se utiliza e os ganhos, algo que no exterior já é crescente”, afirma a advogada.

Um resultado do levantamento que surpreendeu o grupo foi a taxa de rejeição quanto ao uso de QR Codes, que foi de 39,2%, e de vídeos, que ficou em 34,6%.

Os menores índices de desaprovação foram verificados para os croquis (3,9%), fluxogramas (5,2%) e gráficos (5,8%).

De acordo com Souza, o grupo agora vai se dedicar a uma pesquisa mais abrangente, para conhecer a avaliação dos juízes estaduais sobre o tema.

No âmbito da administração pública, também já é possível encontrar iniciativas de uso do visual law no Judiciário e no Ministério Público.

Uma delas é a do juiz da 6ª Vara da Justiça Federal no Rio Grande do Norte Marco Bruno Miranda, 43. Com uma equipe que conta com um estagiário de design, o magistrado produziu vários tipos de intimações cujas versões impressas contam com fluxogramas e QR Codes.

Em uma delas, o QR Code remete para um vídeo no qual o próprio Miranda informa ao cidadão intimado que ele deverá desocupar um imóvel.

“Fizemos um mandado com todas orientações para que, ao mesmo tempo, a gente pudesse cumprir a decisão para aquele que precisava entrar na casa, mas que também minimizasse o impacto para a pessoa que estava saindo”, diz Miranda.

O juiz federal também desenvolveu ícones para facilitar o entendimento sobre conceitos e medidas judiciais, e reuniu os símbolos em um dicionário de pictogramas.

Para o magistrado, agora as diferentes iniciativas de visual law devem ser discutidas de forma coletiva para que sejam adotados caminhos comuns pela comunidade jurídica.

“Várias formas de se usar essa modalidade estão sendo construídas. Agora precisamos começar a construir um discurso coeso, ou seja, não pode ser mais a minha iniciativa, a iniciativa de outra pessoa, precisamos criar consensos sobre quais são as alternativas mais eficazes, mais democráticas, para que o discurso jurídico seja mais participativo”, afirma o juiz.

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