Kassab trata governador como ‘candidato natural do PSD’, mas paranaense precisa superar congestionamento de pré-candidatos à direita e se tornar popular fora do Estado
O governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), ensaia uma candidatura a presidente da República em 2026, mas precisará contornar obstáculos para se consolidar como um nome competitivo ao Palácio do Planalto. Ele integra um partido aliado do governo do presidente Lula da Silva (PT), sofre forte concorrência à direita na disputa para ser o herdeiro dos votos de Jair Bolsonaro (PL) e não é conhecido no restante do País – segundo pesquisa Genial/Quaest divulgada em janeiro, 51% do eleitorado brasileiro não sabe quem ele é.
O nome de Ratinho ganhou força após ser citado como uma alternativa por Gilberto Kassab na mesma reunião com empresários no final de janeiro em que o presidente do PSD avaliou que Lula não seria reeleito se a eleição fosse hoje. Após a repercussão da declaração, o dirigente partidário recuou, disse segundo Pedro Augusto Figueiredo, do Estadão, que o pleito ainda está distante e que o presidente é forte o bastante para reverter o cenário.
“O PSD e eu, pessoalmente, torcemos para que o governo vá bem. Independentemente desse apoio e ajuda que continuaremos dando ao governo Lula, nós vamos nos esforçar, assim como em 2022, para ter uma candidatura própria”, disse Kassab ao Estadão.
“Temos um candidato natural que é o Ratinho Júnior. E, dando certo essa junção com o PSDB, o Eduardo Leite é um excelente quadro. Mas o que tem sido colocado até agora é o Ratinho. É bem preparado e, apesar de jovem, é testado e tem excelentes resultados no Paraná”, acrescentou.
A mudança de tom de Kassab sobre o governo Lula ocorre no contexto da reforma ministerial, em que o PSD tenta ampliar o espaço no primeiro escalão para além dos três ministérios que ocupa. Outro ponto é que Kassab, atual secretário de Governo de São Paulo, almeja nos bastidores ser vice de Tarcísio de Freitas (Republicanos) e, para isso, precisa fazer gestos aos bolsonaristas, como mostrou o Estadão.
Para as eleições de 2022, o presidente do PSD defendeu publicamente a candidatura do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) à Presidência. Na época, o então presidente do Senado rejeitou a empreitada e o partido liberou seus integrantes para apoiarem Lula ou Bolsonaro. No ano passado, Kassab disse ao Estadão que o PSD não lançará candidato se Tarcísio topar disputar o Planalto em 2026, hipótese considerada pouco provável neste momento.
Um aliado de Ratinho afirma que o presidente do PSD tem sinalizado nos bastidores que está realmente disposto a lançar o chefe do Executivo do Paraná como candidato. Uma troca partidária, porém, não está descartada pelo governador e o Republicanos, outro partido que integra o governo Lula, embora também abrigue Tarcísio, pode ser um destino.
“Marcos Pereira [presidente nacional do Republicanos] e Ratinho Jr. são amigos há bastante tempo. Há uma boa relação entre eles. Algum tempo atrás houve uma sondagem, mas nada concreto. Recentemente, um interlocutor que tem trânsito com ambos voltou ao assunto. O Republicanos mantém-se aberto para conversar sobre o futuro com várias lideranças de expressão nacional, e certamente Ratinho Jr. é um deles”, disse a sigla.
Em uma entrevista recente, o governador do Paraná disse que considera “muito simplório” um político dizer que é candidato a presidente apenas por desejo pessoal. “É uma coisa difícil de se construir, tem que ter partido que dê o aval e uma parte da sociedade entender que seu nome é uma boa opção”, afirmou à rádio Jovem Pan.
Ratinho acrescentou que sua geração de políticos tem a “obrigação” de apresentar um projeto de sucesso para modernizar o Brasil. “A minha obrigação é colaborar de alguma maneira com esse projeto. Nada contra o passado, mas as gerações das décadas de 70, 80 e 90 têm que fazer alguma coisa. Não dá para terceirizar a responsabilidade”, declarou.
Na mesma entrevista, o governador disse que tem bom relacionamento com Bolsonaro, mas fez questão de pontuar que eles tiveram posições diferentes na pandemia de covid-19. Dias antes, o ex-presidente havia dito à CNN Brasil que o governador é um bom gestor e pode ser um nome para representar a direita em 2026.
Bolsonaro acrescentou que não trata do tema pois espera reverter a inelegibilidade para ser novamente candidato e elogiou outros nomes, como o próprio Tarcísio, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e os filhos Eduardo e Flávio.
O entorno de Ratinho Júnior avalia que o apoio de Bolsonaro seria importante, mas não um pré-requisito para uma candidatura ao Planalto. Os aliados do governador dizem que até aqui a prioridade foi governar “para dentro”, mas avaliam que há tempo para ele se tornar conhecido nacionalmente até a eleição. Eles acreditam que a tarefa será facilitada porque a população associaria o governador ao pai, o apresentador de televisão Ratinho, que tem penetração principalmente entre os mais pobres.
O cientista político Emerson Cervi, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), ressalta que uma ferramenta fundamental neste processo será o Grupo Massa, que tem cinco emissoras de televisão no Paraná e 79 rádios afiliadas, a maioria nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
O especialista afirma que, embora tente se vender como jovem e moderno, o governador é um político tradicional que ocupa cargos públicos desde 2003 – foi deputado estadual, deputado federal e secretário estadual antes de ser eleito para comandar o Estado.
Segundo Cervi, Ratinho Júnior enfrentou preconceito da elite política local no início da carreira por vir de uma família com poucos recursos e ter abandonado os estudos para trabalhar com o pai, que teve dificuldades financeiras no início da carreira. O governador só concluiu o ensino médio posteriormente, quando cursou a Escola de Jovens e Adultos (EJA). Atualmente, é formado em Marketing e Propaganda e tem pós-graduação em Direito do Estado.
“Ratinho é um exemplo de empreendimento político bem-sucedido no Brasil”, avaliou o cientista político, para quem o chefe do Executivo se tornou imbatível na última década no Paraná ao conseguir, por meio de um discurso contrário à política, somar os eleitorados antipetista e bolsonarista aos votos trazidos por lideranças políticas tradicionais do interior. Em 2024, o governador elegeu aliados em mais da metade das prefeituras paranaenses, incluindo a capital Curitiba e Londrina, a segunda maior cidade do Estado.
“Eu acho que o Ratinho não é de fato candidato a presidente, mas se o PSD não for com o PT, ele tem tudo para ser candidato a vice-presidente em uma chapa encabeçada por um político mais outsider que ele”, apostou o professor da UFPR.
Governador reduziu endividamento paranaense e implantou amplo programa de privatizações
Em pouco mais de cinco anos de governo, Ratinho implementou no Paraná uma agenda liberal baseada em privatizações, concessões ou parcerias com a iniciativa privada em áreas como energia, saneamento básico, telecomunicações, educação, rodovias e iluminação pública. Neste ano, pretende concluir as privatizações da Ferroeste, ligação ferroviária entre Guarapuava e Cascavel e da Celepar, companhia de tecnologia do Estado, e na concessão do Canal de Acesso do Porto de Paranaguá.
A gestão do PSD também conseguiu reduzir o endividamento estadual, o que deu mais fôlego às contas públicas que já estavam em bom estado: a dívida em relação à receita saiu de 71% em 2020, durante a pandemia, para 49% no ano passado. O Tesouro Nacional elevou a nota dada às finanças, que era classificada como “B” desde antes de Ratinho assumir, para “A+” no ano passado.
“Ratinho está qualificado a promover um debate sobre o Brasil a partir de resultados concretos obtidos no Paraná. É um governo pautado na austeridade e na ética, sem absolutamente nenhum escândalo de corrupção e que tem buscado eficiência no setor público”, declarou Luiz Claudio Romanelli, líder do PSD na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep).
Deputados petistas atribuem a alta popularidade do governador – ele é aprovado por 82% dos paranaenses, segundo pesquisa Genial/Quaest de dezembro – à influência do Grupo Massa, que domina a comunicação estadual. Eles também apontam incoerência com a agenda liberal pois houve aumento na alíquota padrão do ICMS, de 18% para 19% em 2023 e uma nova majoração para 19,5% no ano passado.
“É muita propaganda, mas pouca efetividade. Sou oposição, mas tenho discernimento: ele arrumou o litoral do Estado, mas também sucateou a educação e está privatizando hospitais públicos”, afirmou Arilson Chiorato (PT), líder da oposição na Alep.
Questionado a respeito do ICMS, o governo do Paraná afirmou que tem a menor tributação de pequenas empresas e 1,8 milhão de itens da cesta básica com isenção do imposto. “É uma crítica que não passa de uma tentativa infantil de mascarar a taxação promovida pelo governo federal”, declarou o Palácio Iguaçu.
A oposição acusa o governo Ratinho de melhorar artificialmente o resultado do Paraná no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). A nota da rede estadual paranaense cresceu nos últimos anos e o Estado se tornou o primeiro colocado tanto no ensino médio como no ensino fundamental.
Além de uma prova aplicada aos alunos, o Ideb também contabiliza a taxa de aprovação escolar. “Há uma política contra a reprovação de estudantes”, afirma a deputada estadual Ana Júlia Ribeiro (PT). “Não acho que a reprovação é sempre a melhor solução, mas é preciso uma mediação. Hoje, a política é que simplesmente não se pode reprovar aluno”, disse.
Para o governo do Paraná, a acusação é uma afronta aos profissionais de educação que atuam no Estado. “O Paraná não adota progressão automática. O sucesso do Ideb do Paraná é reconhecido nacionalmente e está associado às grandes notas em português e matemática no Saeb, a prova que faz parte do índice”, afirmou o Executivo.
Um dos programas criticados pela oposição é o Parceiro da Escola. No ano passado, Ratinho Júnior conseguiu autorização da Alep para repassar a gestão administrativa de escolas estaduais para a iniciativa privada. O programa chegou a ser suspenso pela Justiça após pedido do Ministério Público do Paraná, mas a liminar foi derrubada no fim de janeiro.
De 177 escolas nas quais houve consulta pública, apenas 10 votaram a favor de serem incluídas no programa. Outras 70 foram inseridas no programa pela Secretaria de Educação mesmo sem ter havido quórum suficiente para a votação. A pasta argumenta que a escolha foi técnica.
“É uma iniciativa pioneira que pretende melhorar o ambiente de aprendizado em escolas selecionadas para garantir que o corpo pedagógico direcione todos os esforços para a aprendizagem, deixando a gestão administrativa (limpeza, segurança, fornecimento de materiais e suporte administrativo) a cargo do parceiro”, disse o governo paranaense.
A deputada petista argumenta que as entidades privadas poderão contratar professores sem concurso, o que trará consequências negativas. “É uma precarização da carreira que resulta numa queda da qualidade de ensino. A Constituição determina que a regra é o concurso público, o que é importante principalmente pela liberdade de cátedra que é direito dos professores e também dos estudantes”, declarou Ana Júlia.