O início do mandato da governadora Raquel Lyra (PSDB) é marcado em Pernambuco por uma dicotomia na conduta política. Ao mesmo tempo em que tem diálogo intenso com o governo Lula, a gestora se aliou ao PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Raquel foi eleita no segundo turno das eleições de 2022 com o discurso de mudança, além de prometer que atuaria em parceria com o presidente que fosse eleito para governar o Brasil, fosse Lula ou Bolsonaro. Ela declarou neutralidade na etapa final da disputa pelo Planalto.
Um dos episódios marcantes da relação com Lula aconteceu na semana passada, quando o presidente saiu em defesa de Raquel após parte de seus apoiadores e profissionais de enfermagem vaiarem a governadora durante evento no Recife.
“A governadora pode ser nossa adversária política, mas ela é governadora do estado. Ela foi eleita e vou a respeitar como governadora”, disse Lula.
“Aqui virei tantas vezes quanto necessário para cuidar dos interesses do povo de Pernambuco pelas mãos dela, pelas mãos de João [Campos, prefeito do Recife] e pelas mãos dos outros prefeitos, porque é assim que rege o espírito de tudo o que nós construímos na democracia desse país”, completou.
Antes, o presidente se levantou e ficou ao lado da governadora durante o discurso dela. O gesto foi um sinal de solidariedade em meio às vaias da plateia a Raquel. No mesmo dia, os dois assinaram o acordo de gestão compartilhada de Fernando de Noronha.
Uma semana depois, Raquel se encontrou com dirigentes de federação dos trabalhadores rurais e agricultores ligada ao PT.
Em 2022, o governo Bolsonaro entrou com uma ação no STF para que a União retomasse o controle do arquipélago. O novo contrato foi negociado entre os governos estadual e federal e homologado pelo ministro Ricardo Lewandowski, do STF (Supremo Tribunal Federal), no Recife.
Apesar de Lula ter dito que Raquel é sua adversária política, o PT não faz parte da oposição à governadora no estado. A legenda, junto a PC do B e PV (que formam uma federação tripla), declarou independência, mas o senador Humberto Costa (PT-PE) cobrou publicamente uma posição do partido para “não ficar em cima do muro”.
Há três semanas, a tucana esteve em Brasília a convite do governo federal para participar da cerimônia de lançamento de um programa de enfrentamento e prevenção da violência contra as mulheres. Raquel sentou-se no palco da cerimônia no Palácio do Planalto, junto a Lula.
No discurso, a governadora proferiu falas em sintonia com os pensamentos do petista sobre segurança pública.
“Com trabalho integrado, é possível mudar a realidade. Olhar para o urbanismo social, prevenção, qualificação profissional, escolas que acolhem as crianças e dar um novo sonho. Não é fácil. É mais fácil armar um cidadão, o discurso fácil em vez do enfrentamento daquilo que é estrutural.”
O armamentismo é uma das principais bandeiras do bolsonarismo. Mesmo assim, Raquel selou uma aliança com o PL no Governo de Pernambuco. O partido é presidido no estado pelo ex-prefeito de Jaboatão dos Guararapes Anderson Ferreira.
Anderson foi candidato a governador em 2022 e acabou em terceiro lugar na disputa. Ele não apoiou Raquel publicamente no segundo turno, embora a tucana tenha tido adesão de parte dos correligionários do bolsonarista.
Anderson fez indicações de cargos cobiçados na administração estadual e emplacou aliados nas presidências do Detran (Departamento Estadual de Trânsito) e no comando da secretaria-executiva de Justiça e Promoção aos Direitos do Consumidor. A secretária de Educação do estado, Ivaneide Dantas, comandava o setor, antes, em Jaboatão, reduto do bolsonarismo.
O governo estadual também articulou a troca na liderança do PL na Assembleia Legislativa para garantir o controle na presidência de comissões na Casa. O deputado estadual Alberto Feitosa foi destituído do posto e substituído por Nino de Enoque, com aval da maioria dos cinco colegas.
Feitosa é da ala do PL crítica ao governo tucano. Ele faz parte do grupo político que conta com o ex-ministro do Turismo de Bolsonaro Gilson Machado Neto, que foi derrotado para o Senado em 2022.
Aliados de Gilson Machado preferem manter independência. O grupo quer emplacar uma candidatura do PL à Prefeitura do Recife, enquanto o entorno de Anderson Ferreira cogita firmar aliança com um nome moderado apoiado pela governadora para enfrentar o prefeito João Campos (PSB), aliado de Lula.
As indicações de Anderson Ferreira no governo Raquel geraram críticas da oposição.
“Raquel Lyra, que já tinha entregue a Secretaria de Educação ao bolsonarismo, agora deixa o Detran, de porteira fechada, nas mãos de representantes do genocida e seu partido. E surpreende um total de zero pessoas. É o velho e conhecido ‘toma lá, dá cá’. Neutro é sabonete de bebê”, escreveu a ex-deputada Marília Arraes (Solidariedade), derrotada por Raquel no segundo turno de 2022.
As nomeações políticas para o governo foram destravadas em março, após a governadora optar por montar o primeiro escalão do governo com praticamente todas as indicações da sua escolha, mas ainda há insatisfação de parte das bancadas na Assembleia, como União Brasil e PP, que querem mais espaço.
Fora do poder após 16 anos, o PSB está majoritariamente na oposição, mas ao menos 6 (de um total de 13 deputados) que se filiaram por cálculo eleitoral ou apoiaram Raquel no segundo turno pretendem ficar na base do governo.
O PSB cedeu a liderança da oposição ao PSOL, que tem apenas uma deputada. Os dois partidos formam juntos o bloco, apesar de o PSOL ter sido crítico aos governos do agora parceiro de oposição.
O ex-prefeito de Petrolina Miguel Coelho (União Brasil), que foi candidato a governador e apoiou Raquel Lyra no segundo turno, não foi contemplado no Governo de Pernambuco. Ele é filho do ex-senador Fernando Bezerra Coelho (MDB), líder do grupo político.
Miguel Coelho tem dito a aliados, no entanto, que apoiou a governadora sem contrapartida.