Apoiadores do ex-presidente marcham em direção a La Paz, num movimento que representa uma medição de forças com o atual mandatário, Luis Arce, e escancara conflito na sigla de ambos. Com ou sem Evo Morales à frente, uma marcha de apoiadores do ex-presidente boliviano iniciada nesta terça-feira (17), partindo de Caracollo com destino à capital La Paz, representa uma medição de forças com o atual mandatário, Luis Arce, que também faz parte do Movimento ao Socialismo (MAS), legenda de Morales.
“A questão é quem leva mais gente para as ruas. Mas não podemos descartar que haja um potencial de violência”, considera a cientista política boliviana Moira Zuazo, pesquisadora associada da Universidade Livre de Berlim.
“A situação na Bolívia é muito delicada, porque a crise econômica é forte, há falta de combustível e um descontentamento enorme por causa dos incêndios”, aponta. “O que está claro é que o governo atual não está enfrentando a crise.”
Em sua opinião, Morales decidiu “pressionar a partir das ruas num momento em que vê essa profunda fraqueza por parte do governo”.
A marcha começou liderada por Morales e agora continua sem o ex-presidente, que a abandonou para, segundo ele mesmo indicou, demonstrar que o objetivo não é defender sua candidatura presidencial para as eleições de 2025. Algo que o cientista político Marcelo Arequipa, docente da Universidade Mayor de San Andrés, na Bolívia, contesta.
Segundo Arequipa, uma reunião do Movimento ao Socialismo (MAS) convocada pelo ex-presidente e na qual se falou sobre a realização da marcha atual, já apontava para objetivos políticos, entre eles habilitá-lo como candidato. MAS é o partido tanto de Arce quanto de seu padrinho político, Morales, e o controle da legenda é agora disputado por ambos.
“Evo Morales e seus aliados tentaram dizer que sua marcha tem a ver com reivindicações econômicas, pela falta de combustíveis e pelos preços dos produtos na Bolívia. Mas a população já identificou claramente que sua marcha é política”, aponta.
A candidatura de Evo Morales
Em um congresso realizado em 2023 na localidade de Lauca Ñ — não reconhecido pelas autoridades eleitorais —, Morales foi ratificado como líder do MAS por seus apoiadores, que também o escolheram como candidato para 2025. Isso, apesar dos impedimentos legais, que seus partidários não consideram válidos.
“Morales não pode ser candidato por várias razões. Entre outras, porque ele perdeu o referendo de 2016, no qual a população rejeitou a ideia de mudar a Constituição para que ele pudesse voltar a se candidatar. Esse precedente é muito importante e dá confiança a Luis Arce para provavelmente tentar a reeleição”, afirma José Blanes, fundador e pesquisador do Centro Boliviano de Estudos Multidisciplinares (CEBEM).
Arequipa aponta para outro elemento-chave: “A sentença do Tribunal Constitucional de dezembro do ano passado diz que não pode haver reeleição de maneira contínua ou descontínua na Bolívia. Isso acaba fechando a possibilidade de que, em termos legais, Evo Morales possa ser candidato.”
O racha no MAS
Mesmo assim, a disputa política ainda não foi resolvida. “Há um MAS de Evo Morales e um MAS de Luis Arce. Nenhum dos dois conseguiu receber o apoio do Tribunal Constitucional e menos ainda do Tribunal Eleitoral”, diz Blanes, para quem o nome mais forte será definido nas ruas.
Arequipa concorda: “Tudo foi transferido hoje para o cenário das ruas. As ruas vão acabar resolvendo o problema político”.
Atualmente, não está claro quem controla o partido. “Evo Morales controla o Senado. A Câmara dos Deputados é controlada por Luis Arce”, explica Arequipa.
“Estamos vendo um processo de implosão dentro do partido mais importante que a Bolívia já produziu”, considera Zuazo.
A especialista também fala de uma crise de base. “As organizações sociais que deram origem ao partido também estão profundamente divididas, e isso é o que estamos vendo nas ruas. E isso é algo perigoso”, afirma.
Na opinião da pesquisadora da Universidade Livre de Berlim, o que está em discussão hoje na Bolívia é a possibilidade de o Movimento ao Socialismo ser ou não um partido democrático. Questionada sobre qual das duas alas do MAS representa a opção democrática, ela responde: “É triste dizer, mas acredito que nenhuma. Mas também nenhuma das duas apresenta um discurso abertamente contrário à democracia.”
A estabilidade democrática está em risco?
Na última segunda-feira, um grupo indígena conhecido como Ponchos Rojos acrescentou mais um ingrediente à tensão política, bloqueando estradas e exigindo a renúncia do atual governo e a convocação de novas eleições.
“Quando setores mobilizados já propõem o encurtamento do mandato constitucional, acho que a estabilidade democrática está em perigo, há o risco de se subverter a ordem democrática. Acho que a democracia está em perigo na Bolívia também porque há uma agenda que não é necessariamente democrática”, diz Arequipa.
Blanes não acredita que a democracia esteja em perigo “formalmente”, mas sim “na prática”. Ele aponta que já se fala de uma situação que obrigue Arce a renunciar e na qual o presidente do Senado assume o poder. Mas ele não se atreve a prever um desfecho para a disputa. “Neste momento, está por se definir qual das alas do MAS vai prevalecer. Até o momento, nenhuma das duas. Um dos resultados possíveis da atual confrontação talvez seja o fim do partido”, opina.