Segundo a coluna Poder do jornal Folha de S. Paulo, o racha no DEM, partido do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (RJ), expôs uma crise na candidatura do seu apadrinhado, Baleia Rossi (MDB-SP), ao comando da Casa. Enquanto isso, seu principal rival, o líder do centrão, Arthur Lira (PP-AL), amplia sua base de apoio após dissidências.
Em uma reunião fechada ocorrida nesta terça-feira (26), Maia manifestou insatisfação com o presidente nacional do DEM, o ex-prefeito de Salvador ACM Neto, em um reflexo da dificuldade interna da legenda de se unir em torno de Baleia.
Maia chegou a dizer que o DEM corre o risco de ganhar um apelido dado ao PT no passado, o de “partido da boquinha”.
A reunião ocorreu pela manhã, no Palácio da Cidade, sede da Prefeitura do Rio de Janeiro, e teve a presença do prefeito Eduardo Paes (DEM) e de deputados federais de vários partidos, da esquerda e da direita.
Maia tenta emplacar Baleia como seu sucessor, mas enfrenta o favoritismo, até agora, de Lira, candidato chancelado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e que vem conseguindo apoio público inclusive de deputados do DEM.
A eleição para a renovação do comando da Câmara ocorrerá na próxima segunda-feira (1º), às 22h.
De acordo com relatos obtidos pela Folha, Maia demonstrou em sua fala na reunião insatisfação por ACM Neto não ter usado sua influência para impedir as manifestações públicas de apoio a Lira por parte de integrantes do DEM da Bahia.
Na última segunda-feira (25), Lira foi a Salvador e se reuniu com ACM Neto e com um grupo de deputados do estado, entre eles cinco do DEM.
O presidente da Câmara disse aos parlamentares ter telefonado para ACM Neto e afirmado que se o partido se render a cargos e emendas ao orçamento oferecidos pelo governo Bolsonaro e por Lira pode virar o “partido da boquinha”.
Maia confirmou à Folha ter usado a expressão, mas disse que ela não foi uma crítica a ACM Neto.
“O que eu disse é que já tinha gente preocupada que o partido tivesse passando uma imagem de que estava negociando cargo e emenda por voto. Um amigo meu, que é admirador do DEM, falou isso. E eu alertei isso ao presidente do partido. E o Neto me garantiu que o partido vai ficar com o Baleia. E que vamos garantir o [apoio ao] bloco [de Baleia Rossi] e, depois do bloco, vamos garantir os votos do partido, mais de dois terços dos votos”, disse Maia.
A expressão foi usada em 1999 pelo então governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, (à época no PDT), que disse que o ex-aliado PT deveria mudar de nome no Rio, para PB (Partido da Boquinha). “Eles têm mais de 200 cargos no meu governo e estão querendo mais.”
ACM Neto afirmou que não iria responder as declarações do colega de partido.
“Eu não vou debater pela imprensa, nem com quem pensa de uma forma ou de outra. Não vou ficar alimentando questões internas de divisões de opiniões pela imprensa. Isso tem de ser tratado internamente com quem de direito, que são os parlamentares”, disse o ex-prefeito de Salvador.
Por ora o DEM está formalmente no bloco de apoio a Baleia, mas Lira tenta ampliar as dissidências. A ideia dos parlamentares infiéis é registrar no dia da eleição uma lista com a assinatura da maioria dos integrantes da bancada em apoio ao candidato de Bolsonaro.
Um dos principais líderes da rebelião interna pró-Lira é o deputado Elmar Nascimento (BA), que tem um indicado seu na Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) e que foi preterido por Maia na escolha do candidato à sua sucessão.
Pelos cálculos do bloco de Lira, devem votar no deputado do PP parlamentares como Arthur Maia (BA), Carlos Gaguim (TO), Luiz Miranda (DF) e Paulo Azi (BA). Segundo deputados do partido, caso ocorra a migração, foi sinalizado à legenda um posto na Mesa Diretora.
“O doutor Rodrigo Maia deveria ter mais respeito pelas pessoas que têm posição diferente das dele. Porque se ele está se referindo a ‘boquinha’ como cargo no governo, quero saber se foi boquinha quando ele indicou o sr. Rodrigo Sergio Dias no governo Bolsonaro”, afirmou Arthur Maia, se referindo a um aliado do presidente da Câmara indicado para o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), mas que acabou exonerado pelo então ministro da Educação, Abraham Weintraub, em janeiro de 2020.
“Nós estamos esperando que o partido tome a decisão orgânica de entender que eles [grupo de Maia] não possuem dois terços. Quem possui é o grupo que vai votar no Arthur Lira”, afirmou à Folha Luiz Miranda (DEM-DF).
Segundo ele, ACM Neto tem afirmado que não vai interferir na disputa. “Em nenhum momento, ele [ACM Neto] pediu para eu votar, por exemplo, no Baleia. Nunca. Ele deixou eu fazer o meu papel.”
O DEM tem 29 dos 513 deputados. Para vencer a eleição, que é secreta, é preciso de mais da metade dos votos dos presentes.
O grupo oficial de apoio a Baleia é formado por 11 partidos, que somam 238 deputados. Lira tem apoio formal de 11 siglas, que somam 259 parlamentares. O voto secreto abre espaço para traições.
Maia afirmou ainda na reunião na Prefeitura do Rio que o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ), cassado em 2016 e hoje em prisão domiciliar, está atuando em favor da candidatura de Lira.
O atual presidente da Câmara foi aliado de Cunha até 2016, mas se afastou após ser preterido pelo emedebista na indicação para o cargo de líder do governo na Casa. Lira também foi aliado próximo de Cunha no período em que o emedebista comandou a Câmara.
De acordo com a avaliação feita por Maia aos parlamentares, o apoio majoritário da esquerda está garantido ao emedebista. O problema, disse, está no próprio DEM e no PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Como mostrou o Painel, FHC disse em mensagem encaminhada para o grupo de WhatsApp da bancada que trair a decisão da legenda e votar em Lira é dar adeus às expectativas de ganhar a eleição presidencial de 2022. Isso porque, em sua análise, ninguém confiaria mais na palavra dos tucanos. O PSDB tem 33 deputados.
Nos bastidores, ACM Neto e seus aliados mais próximos têm dito que não interferiram explicitamente para barrar o anúncio público de traições no partido com o objetivo de não prejudicar a candidatura à presidência do Senado de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que tem o apoio do atual presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e de Bolsonaro.
Segundo essa tese, o governo e o PP poderiam retaliar Pacheco caso houvesse interferência de ACM.
Por outro lado, integrantes da campanha de Baleia ainda apostam que ACM entrará em campo na reta final para ao menos garantir que o partido fique formalmente no bloco do emedebista.
Para isso ocorrer, porém, o ideal seria que o MDB do Senado abrisse mão da candidatura de Simone Tebet (MDB-MS). Se fizesse isso, Pacheco não precisaria mais do apoio do PP e os dirigentes do DEM teriam mais liberdade para influenciar a bancada na Câmara.
Parlamentares apontam uma série de fatores para explicar o racha no partido de Maia.
O primeiro é o fato de Alcolumbre creditar a Maia o fracasso na tentativa de obter aval jurídico para sua reeleição ao comando do Senado.
No terceiro mandato consecutivo, enquanto Alcolumbre está no primeiro, Maia teria flertado com a possibilidade de ser reconduzido mais uma vez. A essa postura é atribuída parte da derrota dele e de Alcolumbre no Supremo Tribunal Federal, que barrou a hipótese de eles buscarem a reeleição.
Alcolumbre não fala com Maia desde dezembro. Pesa ainda o fato de os parlamentares terem cargos no governo e o Planalto ameaçar retaliação, exonerando seus indicados. Segundo cálculos do governo, o DEM tem hoje ao menos 16 indicados em postos federais.
“Espero ter a maioria do DEM e mais alguns partidos que não compõem ainda o nosso bloco”, disse Lira nesta terça-feira. Além do DEM, ele busca o Solidariedade.
A disputa pela presidência da Câmara tem movimentado intensamente o mundo político, pois o resultado do próximo dia 1º terá o poder de moldar de forma expressiva o cenário político futuro.
Além de definir qual é a pauta de votações, o presidente da Câmara é o segundo na linha sucessória da Presidência da República e, entre seus poderes, tem nas mãos a responsabilidade de definir monocraticamente se dá ou não sequência a um pedido de impeachment contra o chefe do Executivo —há, hoje, 56 peças aguardando análise.
Maia irá encerrar um período de quatro anos e meio como presidente da Câmara, tendo derrotado o centrão em duas das três eleições de que participou. Na última, em 2019, ele teve o apoio do grupo.
Atualmente, o deputado tem adotado uma linha de forte oposição a Bolsonaro. Caso Lira vença, o presidente da República terá, pelo menos nesse início, um aliado no comando da Câmara.
Ranier Bragon , Gustavo Uribe , Danielle Brant e Julia Chaib