O Brasil tem um dos Judiciários mais caros do mundo.
O gasto em 2023 foi segundo reportagem de Natália Portinari e Graciliano Rocha, do Uol, de R$ 132,8 bilhões —1,2% do PIB daquele ano—, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A média mundial é de 0,4% do PIB, segundo um relatório do Tesouro Nacional de 2021.
Cerca de 90% do orçamento dos tribunais brasileiros é usado para pagar servidores, conforme o CNJ.
Mas essa não é a única razão que explica esses custos altos. É preciso considerar ao menos três fatores:
- Penduricalhos: servidores da elite do Judiciário têm direito a uma série de benefícios e indenizações além dos salários, fazendo os vencimentos superarem o teto constitucional;
- Acúmulo de processos: há 80 milhões deles em curso no país, 40% dos quais envolvem o próprio Estado, tentando cobrar ou contestar pagamento de impostos;
- Morosidade: enquanto a Justiça se ocupa de grandes litigantes, como o Estado e corporações, cidadãos comuns enfrentam dificuldades para obter decisões rápidas e efetivas.
A maior parte da conta do Judiciário brasileiro é paga com impostos cobrados de cidadãos e empresas, repassados pelos governos federal e estaduais.
Uma parcela menor é arrecadada diretamente pelos tribunais. O Judiciário tem fontes de renda próprias, de menor valor. Mas não há informações sobre o montante total.
Gastos com tribunais e com Ministério Público representaram, em 2022, quase 4% de todos os gastos dos governos —mais do que foi destinado para a polícia, por exemplo.
Juiz é a mão de obra mais cara
Os gastos com o Judiciário no Brasil cresceram 61% acima da inflação desde 2003, primeiro ano em que os dados foram compilados pelo CNJ.
Juízes são a mão de obra mais cara: em média, custaram R$ 68 mil por mês no ano de 2023 (o último com dados disponíveis), segundo o relatório Justiça em Números.
Já os demais funcionários custaram, na média, R$ 20,1 mil.
Esses custos incluem, além da remuneração, gastos com encargos, diárias e outras despesas relacionadas a pessoal.
Há um juiz para cada quinze servidores no país, proporção considerada alta para quem trabalha no sistema judicial, já que gabinetes com mais funcionários têm, em tese, mais capacidade de darem vazão aos processos em menos tempo.
O que faz com que os juízes ganhem mais do que o teto salarial imposto pela Constituição federal (R$ 46 mil) são os penduricalhos.
São auxílios e verbas indenizatórias que não estão sujeitas ao teto constitucional.
No Brasil, o auxílio-moradia, criado originalmente para custear gastos de magistrados que tinham de se mudar para outras comarcas, foi incorporado aos contracheques mensais de praticamente todos os magistrados.
Isso ocorre mesmo com os que têm casa própria na cidade onde atuam.
Esses benefícios são desiguais e dependem das regras de cada corte. Há Tribunais de Justiça em que o gasto mensal com magistrado em 2023 foi de R$ 120 mil (TJ-MS), e outros em que foi de R$ 40,6 mil (TJ-AL).
Venda de férias e licenças influenciam esses montantes.
Juízes no Brasil progridem mais rápido
A carreira de juiz no Brasil é muito mais generosa do que em outros países.
Na Alemanha, um país cujo sistema jurisdicional costuma ser citado como exemplo de eficiência, um juiz leva, em média, 20 anos para atingir o salário máximo da carreira, dependendo do tempo de serviço e de indicadores de desempenho.
Lá, o ingresso na magistratura paga vencimentos de 4.800 euros (duas vezes a média da renda da população). Após vinte anos, o salário médio dos juízes é de 8.000 euros.
Por aqui as coisas são diferentes. Reportagem publicada esta semana no UOL mostra que, dois anos após assumirem o cargo, juízes de primeira instância do TJ-SP já recebiam mais que os ministros da Suprema Corte do país.
E isso não ocorre só com eles. Justamente por conta dos penduricalhos, nove em cada dez juízes nos diversos tribunais do país receberam pagamentos líquidos acima da média do STF em 2024.
Estado é quem mais sobrecarrega o Judiciário
A Constituição estabelece, em seu artigo 5º, que ninguém será deixado sem defesa por não poder pagar um advogado, diz a reportagem do Uol.
No seu discurso de abertura do ano judiciário de 2024, o presidente do STF, Luis Roberto Barroso, afirmou que o sistema do Brasil era mais caro em relação a outros países porque o orçamento da Justiça também pagava o Ministério Público e a Defensoria Pública.
Trata-se de uma meia-verdade. As cifras citadas acima, que colocam o Brasil no topo do ranking de gastos mundiais com o Judiciário, incluem apenas os tribunais.
Mas a fala do presidente do STF poupou o Estado, ente que mais sobrecarrega o Judiciário para cobrar impostos ou para contestar ou protelar suas obrigações, sendo parte em 40% dos mais de 80 milhões de processos em curso no país.
Considerando outros órgãos, como a AGU (Advocacia-Geral da União), promotorias estaduais, estados e municípios, são 28% dos processos cujo pólo ativo (o ente que está processando) é da administração pública, defesa e seguridade social, e 13,8% em que essas entidades estão sendo processadas por cidadãos ou empresas.
O grande gargalo da ineficácia do Judiciário no Brasil, segundo o próprio CNJ, são os processos de execução —aqueles que cobram que uma obrigação seja cumprida.
A cada ano, há praticamente o dobro de processos novos, que servem para definir o mérito das causas, do que de execução. Mas são os últimos que ficam pendentes, aumentando o estoque do Judiciário.
O primeiro grau do Judiciário tinha um acervo de 78 milhões de processos pendentes no final de 2023, sendo que mais da metade (56,5%) se referia à fase de execução.
O advogado Sérgio Renault, que ocupou o cargo de secretário da reforma do Judiciário no Ministério da Justiça de 2003 a 2005, diz que esses números demonstram um problema: a sobrecarga dificulta o acesso à Justiça por quem necessita.
“A maioria dos processos é relacionada a questões tributárias ou de previdência. Isso causa um congestionamento e beneficia alguém, ou o governo ou os grandes prestadores de serviço.”
Segundo Renault, isso “faz com que o Judiciário não atenda aos objetivos para o qual ele existe, prestar serviço para a população”.
Quando um pedido é negado no INSS, há a possibilidade de entrar com um recurso administrativo, ou seja, solicitar que o próprio órgão reconsidere sua posição sem ter que ir até o Judiciário.
Mas esse sistema de recursos tem falhas graves.
Em 2023, o Tribunal de Contas da União (TCU) publicou uma auditoria apontando que a demora desses recursos é quatro vezes superior ao prazo máximo, e que é comum que pedidos sejam negados mesmo quando há jurisprudência pacificada nos tribunais para ceder um determinado benefício.
Não há uniformização nas respostas.
O TCU recomendou que o governo adote ações para uniformizar o entendimento em relação a jurisprudências já pacificadas, entre outras medidas para agilizar o serviço.