Rosana Padrim, uma dona de casa de 44 anos que frequenta a Congregação Cristã do Brasil, apareceu a caráter. Combinou sapato de salto alto e saia até o tornozelo, ambos verdes, com uma blusa coberta pela imagem de Jair Bolsonaro (PL). De toque final, um colar da bandeira do Brasil que comprou no Mercado Livre.
Em poucos instantes, Rosana ouvirá Michelle Bolsonaro chamar o PT de câncer e evocar uma batalha entre o bem e o mal.
A primeira-dama entrará rodeada por um time que abarca Sônia e Estevam Hernandes, casal por trás da igreja Renascer e da Marcha para Jesus, a senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF) e Padre Kelmon (PTB), um “patriota” que “caiu nas graças” dos brasileiros, nas palavras de Michelle.
Mãe de quatro filhos e mulher “do lar”, como se define, Rosana viajou de Sorocaba (SP) até o espaço de eventos na zona norte paulistana onde centenas de mulheres se reuniram na semana passada para expressar seu apreço ao presidente. “Ele tá livrando a gente do comunismo”, ela diz.
Ali perto, uma mulher segura o cartaz de sua causa, “vegana conservadora”, enquanto outra canta o jingle sertanejo da campanha: “É o capitão do povo/ Que vai vencer de novo/ Ele é de Deus, ‘cê’ pode confiar/ Defende a família, e não vai te enganar”.
Os chavões bolsonaristas contra uma eventual vitória do petista Luiz Inácio Lula da Silva se replicam pelo salão. Um dos mais populares é essa ideia de que o PT vai implantar um regime comunista que menospreza Deus, e se isso acontecer as igrejas evangélicas estão a perigo.
O partido passou 14 anos no poder seguindo as regras do jogo democrático, sem dar sinais de que poderia ser diferente agora, mas isso não as convence.
Também seria questão de tempo até que escolas ensinem suas crianças a ser LGBTQI+, farmácias vendam pílula abortiva como se fossem remédio para gripe e estabelecimentos sejam obrigados a ter banheiros unissex. São teses sem fundamento que correm soltas no Mulheres com Bolsonaro, nome dado a esses atos promovidos para tentar encurtar a vantagem de Lula no segmento.
No atacado, as bandeiras se repetem. No varejo, o apoio feminino ao bolsonarismo tem nuances que nem sempre emergem num cenário tão polarizado quanto o 2022 brasileiro.
Rayanne e Beatriz Leal, a filha de 29 anos e a mãe de 56, estão com a camisa nacional na Assembleia de Deus Vitória em Cristo, onde Michelle discursará a convite de Elizete Malafaia, a pastora aniversariante.
Bolsonaro a atrai por lutar “pela nossa base de fé”, diz Rayanne, uma empresária que trabalha com material de construção do ramo alimentício e também cursa letras em inglês.
Ela acredita que sua classe, a empresarial, está sob ameaça sob um governo de esquerda. Conta que, em 2017, esteve no Chile e esbarrou com muitos venezuelanos fugidos da ditadura de Nicolás Maduro. “A gente vê nossos vizinhos sofrendo, as pessoas passando fome.”
Bolsonaro e asseclas vivem dizendo que PT e Maduro são farinha do mesmo saco, e Rayanne comprou essa versão. Mas a questão moral também a empurra para a direita bolsonarista.
De todas, o aborto é a mais citada pelas eleitoras com que a Folha conversou para esta reportagem. Elas não têm resposta pronta para o que fazer com alguém que interrompa uma gestação ao arrepio da lei.
Cadeia para essa mulher já tão fragilizada? Difícil sustentar isso. Mas também não conseguem conceber a hipótese de descriminalizar a prática, que equivale ao assassinato de uma vida indefesa, na visão delas.
Ora, argumentam: até embriões com seis semanas já têm um coração batendo. Em algumas semanas, braços e pernas ficarão visíveis no ultrassom.
A nutricionista Nicolle Ximenes, 27, lembra de um vídeo que mostrou um aborto capturado pela ultrassonografia. “Foi horrível. O médico quebra os ossos [do feto], a criança fica tentando fugir, e o tubo suga ela.”
Mãe de Luiza, 4, Rayanne tem ressalvas com a liberação do procedimento em caso de estupro, o que a legislação permite. É a favor que essa mulher tome um coquetel abortivo logo após a violação. “Mas depois disso tem vida [no ventre]. Não tenho direito de tirar uma vida.” Se não gerar amor pelo filho, diz, que essa mãe o coloque para adoção.
É aí que Nicolle, que escutava a conversa, se apresenta. Deve ser doloroso gerar uma criança assim, palpita. “Comprar roupinhas e reviver aquele momento… Não foi uma gestação fruto de relacionamento saudável.”
Há outras camadas a se considerar, como reconhecer que a maioria dos estupradores é próxima da vítima, que pode não conseguir reagir de bate-pronto. Muitas delas são crianças e adolescentes.
Nicolle está disposta a aceitar as exceções previstas na lei. Mas ela, que nunca engravidou porque sempre tomou “todos os cuidados”, acha que muita mulher ganha barriga por ser “super negligente”.
Se postos de saúde oferecem camisinha e até anticoncepcional, elas “não previnem porque não querem”, diz. Daí ser contra expandir as possibilidades de aborto.
Rayanne diz que já votou no Lula por ser “Maria vai com as outras”, influenciada por coisas que ouviu em sala de aula. Nicolle, nunca. Vem de uma família de militares que sempre se opôs ao PT. Serem constantemente achincalhadas pela preferência por Bolsonaro fez a birra com o outro lado crescer, segundo elas.
As duas sempre escutam que o presidente odeia mulher e que sua conduta na pandemia matou milhares de pessoas. Nicolle excluiu professoras da faculdade de nutrição de suas redes sociais “porque o tempo todo era ‘Bolsonaro genocida’”, o que cansou. “Eles não têm outro discurso, não têm”, concorda Rayanne.
A empresária diz não enxergar um Bolsonaro machista. Acha que ele fala como um “fazendeiro raiz” e que “é o jeito dele e pronto, não muda a forma que conduzirá a nação”. E diz que ficaria brava se o marido não pagasse a conta no começo do namoro. Se isso é ser machista, então ela é —detalhe, Rayanne tinha uma condição financeira melhor na época. Traz a Bíblia para o papo: “À luz da palavra, o homem é o provedor”.
Nicolle se considera “uma mulher muito machista por conta da criação”. Achava que a mulher de roupa curta que recebesse provocação na rua tinha culpa no cartório. “Isso é o que era imposto na minha cabeça.”
Diz que hoje tenta “desconstruir o machismo” dentro dela, mas confessa que não consegue se aborrecer com falas machistas do capitão reformado Bolsonaro. Pela convivência com militares, o marido incluso, acostumou-se. “Eu rio das coisas que [o presidente] fala.”
A faxineira Bruna Resende, 22, não sorri quando explica porque o bolsonarismo a conquistou. Conta que sua irmã caçula, de 19 anos, foi estuprada por um professor de dança. Elas moram numa favela carioca e nem se deram ao trabalho de fazer boletim de ocorrência. “Todo mundo lá venera o cara, daria ruim pra gente.”
Bruna não aprova muita coisa em Bolsonaro. Em 2021, ela perdeu para a Covid-19 uma avó que não teve tempo de se vacinar. Culpa o presidente pelo atraso na imunização.
Por que apertará o 22 nas urnas no domingo (30) então? Já escutou Bolsonaro defender a castração química de estupradores e isso lhe bastou para abraçar sua candidatura, afirma. Enquanto isso, no telão da igreja, a palavra “Jesus” vai se dissipando até entrar uma borboleta verde-amarela.
Diz que, para ela, “Bolsonaro é o mal menor nesta eleição”. Mito mesmo, contudo, “só Jesus”.