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terça-feira 21 de junho de 2022 às 16:47h

Quem manda na Petrobras e qual influência do governo nos preços de combustíveis?

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A renúncia de José Mauro Coelho à presidência da Petrobras, anunciada na segunda-feira (20/6), levantou muitas dúvidas sobre como funciona a gestão da empresa e até onde vai a influência do governo federal na política de preço dos combustíveis.

Em resumo, conforme a BBC News, a Petrobras possui um conselho de administração, cujos membros são eleitos pelos acionistas.

A União federal, por ser dona de 50,3% das ações da companhia (ou seja, é acionista majoritária), tem o poder de indicar a maior parte dos conselheiros — que, por sua vez, têm a prerrogativa de escolher quem será o presidente da Petrobras e os sete diretores executivos da companhia.

É justamente esse conjunto de profissionais — na maior parte indicados de forma direta ou indireta pelo próprio governo — que define a política de preços dos combustíveis e eventuais reajustes.

Vale lembrar que, desde 2016, a companhia segue uma série de regras e cálculos que vinculam o preço do combustível no país ao mercado internacional e levam em conta a cotação do dólar, o valor do diesel e da gasolina no exterior e até o custo de transportá-la ao país.

Entenda a seguir como é esse processo de escolha dos administradores da empresa e como isso pode afetar (ou não) o preço do combustível nos próximos meses.

Composição do tabuleiro

De acordo com o estatuto social da Petrobras, os acionistas são responsáveis por definir quem fará parte do conselho de administração da empresa.

A função desse conselho, segundo o documento que rege a companhia, é dar orientações e sugerir os caminhos para os negócios da empresa.

O órgão também é responsável por definir e aprovar o planejamento estratégico, eleger o presidente e a diretoria executiva, fiscalizar a gestão e as contas e aprovar qualquer operação que tenha um impacto de longo prazo.

“Como em toda a empresa, os conselhos têm a função de ratificar e monitorar as decisões”, resume Sérgio Lazzarini, professor do Insper, em São Paulo.

O conselho de administração é composto por no mínimo sete e no máximo 11 integrantes. Eles são eleitos para mandatos de até dois anos e podem se reeleger por três vezes.

O Estado brasileiro, que possui 50,3% das ações ordinárias da Petrobras (um tipo de ação que dá direito a voto nas assembleias), indica até sete conselheiros para o órgão.

Os acionistas minoritários que possuem ações ordinárias também indicam um membro.

Já os acionistas minoritários de ações preferenciais (que não dão direito a voto em assembleias, mas recebem os dividendos) podem escolher um representante para o conselho.

Por fim, o último participante é escolhido pelos próprios funcionários da Petrobras, por meio de uma eleição direta.

Esse sistema permite que o governo, como controlador da empresa, tenha sempre maioria e possa tomar as decisões mais importantes sobre os rumos do negócio — como a política de preço dos combustíveis.

O conselho de administração, que se reúne ao menos uma vez por mês, é quem escolhe o presidente da empresa.

O órgão também nomeia os diretores executivos, que são responsáveis por gerir as sete áreas-chave do negócio: desenvolvimento da produção, exploração e produção, refino e gás natural, comercialização e logística, financeiro e relacionamento com investidores, governança e conformidade, relacionamento institucional e sustentabilidade e, por fim, transformação digital e inovação.

“Esses indivíduos, que fazem parte da gestão, têm o papel de propor e implementar iniciativas para o andamento do negócio”, complementa Lazzarini.

Constituição como guia maior

Alessandro Octaviani, professor de direito econômico da Universidade de São Paulo (USP), chama a atenção para o fato de que, acima de investidores, acionistas e estatutos sociais, as empresas estatais como a Petrobras são guiadas pelo que está escrito na Constituição Federal.

“A empresa estatal é um órgão da administração pública. Mesmo em casos como o da Petrobras, que é de economia mista, o Estado é o controlador, e apenas uma parte menor das ações está nas mãos de atores privados”, diferencia.

“E assim como qualquer outro ente da administração pública, essas empresas só têm uma função: cumprir a constituição.”

“E nossa Constituição organiza a ordem econômica e traz alguns objetivos principais, como superar o subdesenvolvimento, criar condições dignas e adequadas para desenvolver as forças produtivas, dominar as mais altas tecnologias, e promover o bem-estar socioeconômico e cultural”, lista.

Crise de transição

Esse conjunto de regras e instâncias de gestão, aliás, ajuda a entender o atual contexto: José Mauro Coelho assumiu a presidência da Petrobras no dia 14 de abril deste ano.

Cerca de 40 dias depois, em 23 de maio, o governo federal anunciou a intenção de mudar o comando da empresa, por causa do crescente descontentamento com a política de preços e o aumento do valor do diesel e da gasolina em ano de eleições.

A intenção era substituir Coelho por Caio Paes de Andrade, atual secretário de desburocratização do Ministério da Economia.

Uma troca mais rápida também esbarrou em questões burocráticas: Andrade precisaria ser incluído no conselho de administração da Petrobras para, aí sim, ser indicado à presidência.

Seu nome também necessita passar por uma série de checagens de antecedentes, conforme as leis e as regras da companhia, o que costuma demorar algumas semanas.

“Esses mecanismos foram criados para avaliar as qualificações das pessoas indicadas pelo governo. Isso, inclusive, ajuda a evitar indicações de apadrinhados políticos que não têm a formação necessária para cumprir aquela função”, explica Lazzarini.

A pressão sobre Coelho, porém, aumentou bastante a partir de sexta-feira (17/6), quando a Petrobras anunciou um novo reajuste no preço dos combustíveis.

A notícia gerou reações contundentes de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, e do próprio presidente Jair Bolsonaro (PL).

Bolsonaro chegou a classificar o aumento da gasolina e do diesel como “uma traição ao povo brasileiro” e sugeriu a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o lucro da empresa.

Já Lira pediu diretamente a saída de Coelho da presidência da Petrobras. “Não por vontade pessoal minha, mas porque [ele] não representa o acionista majoritário da empresa — o Brasil —, e, pior, trabalha sistematicamente contra o povo brasileiro na pior crise do país”, escreveu o deputado federal no Twitter.

O presidente da Câmara dos Deputados classificou as decisões do CEO da companhia como “um ato de terrorismo corporativo”.

Pressionado, Coelho pediu demissão na segunda-feira, 20 de junho.

Trocas constantes

Coelho é o terceiro a ocupar a presidência da Petrobrás desde o início do governo Bolsonaro.

Entre janeiro de 2019 e fevereiro de 2021, a empresa foi capitaneada por Roberto Castello Branco.

Ele foi substituído pelo general Joaquim Silva e Luna, que permaneceu no cargo até março deste ano.

Os dois também acabaram trocados após a insatisfação do governo com anúncios seguidos de reajustes nos valores dos combustíveis.

Para Octaviani, o governo, como controlador da Petrobras, não tem apenas o direito, mas o dever de trocar o presidente da empresa “para corrigir os rumos que não se adequam ao que está estabelecido na Constituição”.

“Quando a política praticada por uma empresa estatal atrela a decisão sobre preços a um cartel internacional e cujo resultado prático é a inflação, algo precisa ser modificado na gestão de modo que ela se readeque aos termos da Constituição”, aponta.

Para definir o valor do combustível, a Petrobrás utiliza um cálculo instituído desde 2016, na presidência de Michel Temer (MBD), chamado Preço de Paridade de Importação (PPI).

Em suma, ele vincula o valor do combustível no Brasil aos preços no exterior, ao custo de transporte do produto até o país e à cotação do dólar.

Octaviani deixa claro que a Petrobras tem liberdade para colocar o preço do combustível para baixo ou para cima, a depender do contexto econômico e geopolítico. Na visão do especialista, essas alterações de políticas são necessárias para responder aos desafios de cada momento.

A questão, no ponto de vista dele, são as consequências dessas políticas atuais ao longo de um tempo prolongado — como o aumento da inflação e todos os desdobramentos disso na economia do país e no bolso do brasileiro.

“No contexto específico, porém, chama a atenção o fato de o presidente Bolsonaro ter defendido a política de preços atual durante muito tempo, dizendo inclusive que ela seria aprofundada”, observa o professor.

“E a mudança só acontece quando se percebe os danos eleitorais que ela pode trazer. Então essa alteração de postura parece não acontecer apenas com o objetivo de readequar a empresa às finalidades constitucionais, mas à busca da própria reeleição”, complementa.

Preço vai cair ou subir?

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil entendem que o novo comando da Petrobrás não modificará significativamente a política de preços da empresa: essa alteração seria arriscada e extremamente custosa para o presidente da companhia em termos legais.

“Na eventualidade da troca do presidente da Petrobras, o novo indicado pode até adotar uma política de preços diferente da atual, mas estará sujeito a questionamentos jurídicos por deixar de atender ao interesse dos acionistas em detrimento de atender questões políticas”, avaliou Rafael Schiozer, professor da FGV-EAESP, numa reportagem publicada pela BBC News Brasil em 17 de junho.

“Vimos que o presidente Bolsonaro tentou usar uma estratégia semelhante em duas ocasiões no passado, ao colocar Roberto Castello Branco e [posteriormente] o general Joaquim Silva no comando, mas não deu certo.”

“O presidente da República corre grande risco de fazer uma nova troca e, quando o CEO estiver de fato no poder, se recusar a fazer qualquer grande mudança por medo de ferir os interesses dos acionistas”, completa Schiozer.

Os conselheiros da empresa podem ser questionados legalmente pelos acionistas minoritários sobre mudanças na política de preços que prejudiquem as contas da estatal. Eles estão protegidos por duas leis que regem esse tema: a Lei das SAs (Lei das Sociedades por Ações), de 1976, e a Lei de Responsabilidade das Estatais, de 2016.

As leis determinam que as estatais sejam operadas obedecendo a critérios de governança e estabelecem uma série de obrigações aos sócios, à distribuição de dividendos e aos sócios minoritários.

A Lei das Estatais também veda a participação de integrantes do governo ou de partidos políticos no conselho. E exige experiência em empresas da mesma área de atuação ou porte semelhante, como docência na área de atuação da empresa ou em cargo de confiança na administração pública.

Já o estatuto da Petrobras determina compensação pela União caso a estatal seja instada a cumprir seu interesse público e haja diferenças “entre as condições de mercado definidas e o resultado operacional ou retorno econômico da obrigação assumida”.

“É conhecido que a extensão dos instrumentos internos de governança para atribuir responsabilidade é muito bem feita. E o que decorre daí é que qualquer um que tente ‘dar um jeitinho’ para burlar as leis certamente será processado fora da empresa”, diz o economista-chefe do banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.

Octaviani contrapõe dizendo que, como estatal, a Petrobras pode promover políticas públicas que envolvam o valor dos combustíveis.

“A força do mercado financeiro é tão potente para tomar para si os rendimentos das estatais brasileiras que se produz uma ideia de que a empresa precisa prover apenas segurança ao acionista minoritário e não pode promover políticas públicas. Isso é estapafúrdio”, comenta.

“A Petrobras não pode realizar ato lesivo à economia nacional. E não há nada mais lesivo do que a inflação”, finaliza o especialista.

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