Quando Xi Jinping chegou ao poder em 2012, alguns previram que ele seria o líder mais liberal do Partido Comunista Chinês por causa de seu perfil discreto e histórico familiar. Dez anos depois, a realidade é bem diferente.
Depois de assegurar neste domingo (23) o terceiro mandato à frente do partido, e portanto do país, e de estabelecer-se como o líder mais poderoso desde Mao Tsé Tung, Xi demonstrou uma ambição implacável, intolerância à dissidência e um desejo de controle que se infiltrou em quase todos os aspectos da vida cotidiana na China.
Conhecido a princípio como marido de uma cantora popular, ele emergiu como um líder de aparente carisma e uma narrativa política hábil que criou um culto pessoal não visto desde os dias de Mao.
Mas pouco se sabe sobre sua pessoa ou impulsos.
“Eu contesto a visão convencional de que Xi Jinping busca o poder pelo poder”, comentou à AFP Alfred L. Chan, autor de um livro sobre sua vida. “Eu diria que ele anseia pelo poder como instrumento para cumprir sua visão”.
“Ele realmente tem uma visão para a China. Quer ver a China como o país mais poderoso do mundo”, disse outro biógrafo, Adrian Geiges.
Nessa visão que ele chama de “sonho chinês” ou “o grande rejuvenescimento da nação chinesa”, o Partido Comunista (PCC) desempenha um papel central.
“Xi é um homem de fé. Para ele, Deus é o Partido Comunista”, escreveu Kerry Brown em seu livro “Xi: A Study in Power”. “O maior erro que o resto do mundo comete sobre Xi é não levar sua fé a sério”.
“Traumatizados”
Embora sua família integrasse a elite do partido, Xi não parecia destinado a esta posição. Seu pai, Xi Zhongxun, um herói revolucionário que se tornou vice-primeiro-ministro, foi alvo de expurgo durante a Revolução Cultural de Mao.
“Xi e sua família ficaram traumatizados”, diz Chan.
De um dia para o outro, o agora presidente perdeu seu status. Uma de suas meias-irmãs cometeu suicídio por causa das perseguições.
Xi foi condenado ao ostracismo por seus colegas de classe, uma experiência que, segundo o cientista político David Shambaugh, contribuiu para “um distanciamento emocional e psicológico e para sua autonomia desde muito jovem”.
Aos 15 anos, ele foi enviado para o centro da China, onde passou anos carregando grãos e dormindo em cavernas. “A intensidade do trabalho me impactou”, reconheceu.
Também participou de sessões em que teve que denunciar seu próprio pai, como explicou em 1992 ao The Washington Post. “Mesmo que você não entenda, eles te obrigam a entender (…) Isso faz você amadurecer mais cedo”, comentou.
Para o biógrafo Chan, essas experiências lhe deram “dureza”.
“Tem noção da arbitrariedade do poder, por isso enfatiza a governança baseada na lei”, aponta.
De baixo
A caverna onde Xi dormia foi transformada em atração turística para mostrar sua preocupação com os mais pobres.
Em uma visita da AFP em 2016, um morador local o descreveu como uma figura quase lendária, que lia muitos livros entre os intervalos do trabalho intenso. “Você podia ver que ele não era um homem comum”.
Mas o caminho não foi tranquilo para Xi. Antes de ingressar no PCC, seu pedido foi rejeitado várias vezes devido ao legado familiar.
E então ele começou em um “nível muito baixo” como líder do partido em um vilarejo em 1974, observa Geiges. “Ele trabalhou muito sistematicamente” e tornou-se governador regional de Fujian em 1999, líder provincial do partido em Zhejiang em 2002 e depois em Xangai em 2007.
Enquanto isso, seu pai foi reabilitado na década de 1970 após a morte de Mao, o que fortaleceu sua posição.
Na vida pessoal, Xi se divorciou de sua primeira esposa para se casar em 1987 com a popular soprano Peng Liyuan, então mais conhecida que ele.
Para Cai Xia, ex-líder do PCC e agora exilada nos Estados Unidos, Xi “sofre de um complexo de inferioridade, sabendo que teve pouca educação formal em comparação com outros líderes do partido”.
É por isso que ele é “teimoso e ditatorial”, escreveu em um artigo recente na Foreign Affairs.
Lições da URSS
Mas Xi sempre se considerou “herdeiro da revolução”, diz Chan.
Em 2007 ele foi nomeado para o Comitê Permanente do Politburo, o principal órgão de decisão da China. E cinco anos depois ele subiu ao topo, substituindo o presidente Hu Jintao.
Seu currículo não prenunciava o que viria a seguir: repressão a movimentos civis, mídia independente e liberdades acadêmicas, supostos abusos de direitos humanos na região de Xinjiang ou uma política externa muito mais agressiva que a de seu antecessor.
Sem acesso a Xi ou a seu círculo íntimo, os estudiosos procuram em seus primeiros textos pistas sobre suas motivações.
A importância central do partido e sua missão “de tornar a China um grande país é evidente desde os primeiros registros de Xi”, diz Brown.
A narrativa de uma China em ascensão teve um grande efeito sobre a população, usando o nacionalismo a seu favor para legitimar o partido entre a população.
Mas o medo de perder o poder também é evidente.
“A queda da União Soviética e do socialismo no Leste Europeu foi um grande choque” para Xi, opina Geiges.
E sua conclusão é que o colapso aconteceu por causa da abertura política. “Ele decidiu que algo assim não deve acontecer na China (…) Por isso defende uma liderança forte do Partido Comunista, com um líder forte”, acrescenta.