“O senhor tem contas no exterior?”, foi a pergunta que o deputado federal Delegado Waldir Soares, então no PSDB de Goiás, disparou contra o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), àquela altura no auge de seu poder, em março de 2015.
Ouviu uma negativa veemente de Cunha — mentira que mais tarde lhe custaria o mandato. Cunha até então respondia a perguntas mornas dos colegas na CPI da Petrobrás.
O clima era quase de bajulação na sessão, mas não foi surpresa para os demais deputados quando o Delegado Waldir decidiu quebrar a harmonia do ambiente.
Esse é a síntese do comportamento que o atual líder do PSL na Câmara demonstra desde 2011, quando iniciou seu primeiro mandato.
Delegado Waldir é descrito pelos pares como um deputado de postura independente, autônoma, isolada, imprevisível e até mesmo “sem noção”. Ainda na CPI da Petrobras, ele foi acusado de ter sido cúmplice da soltura de cinco roedores na sala durante o depoimento do ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, ato que ele nunca chegou a admitir abertamente.
Pelo estilo, sempre foi considerado um parlamentar isolado. Acabou deixando o PSDB em 2016, depois de ser preterido na disputa pela candidatura à Prefeitura de Goiânia.
Migrou para o PR, onde tampouco obteve muito espaço. A sigla era grande aliada de Michel Temer — já Waldir votava contra as principais medidas do governo, como a reforma da Previdência e a reforma trabalhista.
Por isso, não houve muito drama quando, em 2018, ele decidiu migrar para o PSL junto com o então pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro, durante a janela de transferências na Câmara.
Era improvável, na cabeça da maioria de seus pares, que Waldir se tornasse, em 2019, o líder da segunda maior bancada na Câmara, a do PSL, hoje com 53 deputados.
A escolha como líder
No início de seu terceiro mandato, o parlamentar de 56 anos não pode ser considerado um veterano absoluto na Casa, mas diante da bancada recheada de nomes em primeira legislatura, foi relativamente fácil que ele conseguisse se sobrepor aos colegas inexperientes na disputa política.
Além disso, de acordo com fontes ouvidas pela BBC News Brasil, presidente Bolsonaro chancelou a escolha do líder há alguns meses. Waldir cumpriria dupla função: preservaria o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, de exposição ao tiroteio político diário da Câmara e, ao mesmo tempo, seria um símbolo de que o mandatário não iria com “muita sede ao pote”.
Mais tarde, eles até poderiam se alternar na liderança, já que Waldir planejava tentar concorrer à prefeitura de Goiânia em 2020 e, nesse caso, acabaria por renunciar à cadeira na Câmara.
A crise dentro do PSL, no entanto, derrubou esses acordos e, diante da aproximação entre o atual presidente do partido, Luciano Bivar, e Waldir, Bolsonaro patrocinou uma tentativa de destituir o líder para tentar debelar movimentos de expulsão de deputados bolsonaristas da sigla. Em jogo, estão as cifras de centenas de milhões de reais a que o PSL tem direito em fundo eleitoral e partidário.
Diante da investida do próprio presidente para colocar o filho em seu lugar, Waldir se enfureceu e acabou sendo gravado em áudio chamando o presidente de “vagabundo” durante reunião com outros deputados da legenda. O áudio foi vazado à imprensa nesta quinta-feira (17/10).
“Eu vou implodir o presidente. Aí eu mostro a gravação dele. Não tem conversa. Eu implodo ele. Eu sou o cara mais fiel. Acabou, cara. Eu sou o cara mais fiel a esse vagabundo. Eu andei no sol em 246 cidades para defender o nome desse vagabundo”, gritava Waldir, em fúria.
Do romance ao litígio
O episódio marca o fim de um casamento não só por interesses políticos, mas por afinidade. A confluência de estilo e agenda de Waldir com Bolsonaro é inegável.
Além de ser delegado, a pauta policial e de segurança pública sempre foi uma prioridade pra ele. Waldir se elegeu com o slogan que adora repetir: “45 do calibre e zero zero da algema no bandido”, em referência ao seu número de urna. Pelos corredores e no plenário ele sempre aparece com um coldre vazio à vista, preso à cintura. Costuma deixar a arma no gabinete ou no carro.
É de autoria de Waldir o projeto de lei para obrigar presos a pagarem as próprias despesas no presídio durante o cumprimento da pena. Ou ainda um outro para proibir pagamento de fiança ao criminoso reincidente. Ele ainda foi um dos responsáveis pela aprovação de legislação que converteu em crime hediondo o assassinato de policiais.
Além disso, Waldir investiu cedo na comunicação com o eleitorado via redes sociais, uma das marcas da atuação política de Bolsonaro. Já em 2014, quando muitos deputados mal mantinham perfis de mandato no Facebook, ele se orgulhava de registrar 328 mil seguidores.
Cinco anos mais tarde, são quase 800 mil usuários que acompanham a página do delegado, cujas postagens se alternam entre vídeos de câmeras de segurança com assaltos e assassinatos e divulgação da agenda e das ações do parlamentar. Para engajar ainda mais a audiência, em 2015, ele chegou a abrir uma espécie de concurso em sua página de Facebook para saber como deveria usar os R$ 10 milhões de reais em emendas parlamentares a que teria direito.
Outra semelhança com o presidente Bolsonaro é a sua virulência em discursos contra o PT. Em diversas ocasiões ele chamou o ex-tesoureiro do partido, João Vaccari, de o “maior corrupto e ladrão da história do país” e acusou o PT de “patrocinar a corrupção” no Brasil.
Os embates eram tensos entre ele e os petistas. Em uma dessas ocasiões, a deputada Maria do Rosário chegou a debochar de Waldir: “O senhor passou no psicotécnico? Como passou no concurso para delegado?”
‘Tratado que nem cachorro’
A pecha de “maluco” que a oposição tentou pregar em Waldir pode sugerir que ele seja um mau articulador político. Não é o caso. Atento e rápido, ele foi capaz de desarmar a bomba plantada pelo Planalto rapidamente.
“Ele cumpre acordos e compromissos. É mais tarimbado que o pessoal do Bolsonaro, sabe fazer política e já vinha enfrentando maus bocados porque o presidente deixou o PSL à mingua”, diz um deputado que falou reservadamente à BBC News Brasil.
Waldir vinha enfrentando a insatisfação da bancada, a quem não foram destinados recursos ou cargos. À guisa de combater a velha política, Bolsonaro não destinou quase nenhum espaço à legenda no gabinete em comparação a concessões que fez a outros partidos, como o DEM. Além disso, se viu forçado a defender pautas contra as quais votou historicamente — como a reforma da Previdência.
No áudio vazado da reunião de Waldir e outros membros do PSL, o deputado Felipe Francischini, presidente da Comissão de Constituição e Justiça, resume a insatisfação: “A gente foi tratado que nem cachorro desde que ele ganhou a eleição. Nunca atendeu a gente em porra nenhuma. (…) Só liga na hora que precisa para foder com alguém”.
A interferência de Bolsonaro na escolha da liderança no partido gerou um forte ruído e acendeu o espírito de corpo dos deputados. Muitos lembravam que o início do calvário político de Dilma Rousseff aconteceu quando ela decidiu interferir na escolha do presidente da Câmara.
“Se meter na escolha da liderança da sigla… Bolsonaro tem tantos recursos de governabilidade, e vai querer descer pra bater boca com deputado? Ele se apequenou e aumentou o tamanho do delegado Waldir”, resume um deputado experiente à reportagem.