A ofensiva de grupos rebeldes que derrubou o regime do presidente da Síria, Bashar al-Assad, foi liderada por Abu Mohammed al-Jolani, chefe do grupo islamista Organização para a Libertação do Levante (Hayat Tahrir al-Sham, ou HTS).
Derrubar Assad era o objetivo declarado de Jolani, como reiterou numa recente entrevista à emissora americana CNN. “Esse regime está morto”, disse.
O HTS é a maior das milícias insurgentes que lutam na guerra civil da Síria. Suas origens estão na organização terrorista Al Qaeda, e ela também é considerada um grupo terrorista pelos Estados Unidos, pela União Europeia e pela Turquia.
O grupo já teve outro nome. Em 2011, quando começaram as revoltas populares contra Assad no âmbito da chamada Primavera Árabe, era conhecido como Frente Al Nusra, então o braço da Al Qaeda na Síria.
Para alcançar seu objetivo de derrubar Assad, nos últimos anos Jolani tem procurado refazer a imagem da Organização para a Libertação do Levante, cortando os laços com a Al Qaeda em 2016, afastando-se dos linhas-duras e prometendo abraçar o pluralismo e a tolerância religiosa.
Dentro do esforço para suavizar sua imagem e parecer mais moderado, ele gradualmente abandonou o turbante jihadista que usava no início da guerra civil da Síria, em 2011, em favor de um uniforme militar.
“Os insurgentes abandonaram suas antigas táticas jihadistas. Jolani tirou seu manto islâmico e se apresenta ao mundo por meio de suas entrevistas. Ele fala mais suavemente e tenta usar o vocabulário de um estadista”, observa o especialista militar egípcio Mohamed Abdel Wahed.
Ceticismo quanto à sua moderação
Com a queda de Assad, Jolani está no centro das atenções, dando entrevistas e declarações para a imprensa internacional. Mas durante anos, ele atuou nas sombras.
Especialistas e os governos ocidentais não estão convencidos da moderação de Jolani. Para eles, o HTS continua sendo um grupo terrorista. O pesquisador francês Thomas Pierret, do instituto de pesquisas CNRS, o chama de “radical pragmático”.
Os Estados Unidos ainda oferecem uma recompensa de 10 milhões de dólares por informações que levem à captura de Jolani.
Um realista aos olhos de seus partidários e um oportunista na opinião de seus adversários, Jolani tem, segundo Pierret, procurado traçar um caminho para se tornar um estadista confiável.
Em janeiro de 2017, Jolani impôs uma fusão do HTS com grupos islâmicos rivais no noroeste da Síria, reivindicando assim o controle de áreas da província de Idlib que haviam saído das mãos do governo.
Nas áreas sob seu controle, o HTS criou um governo civil com aparência de Estado. Mas, ao mesmo tempo, não tolerou posições contrárias e reprimiu rivais rebeldes.
Por isso, o HTS enfrentou acusações de moradores e grupos de direitos humanos de abusos brutais contra aqueles que ousaram discordar, o que a ONU classificou de crimes de guerra. O HTS estaria por trás do desaparecimento de ativistas.
Talvez ciente do medo e do ódio que seu grupo provocou, Jolani assegurou aos moradores de Aleppo, onde vive uma minoria cristã considerável, que não sofreriam nenhum dano sob seu novo regime.
Em Damasco, o líder do HTS pediu aos insurgentes para não se aproximarem das instituições públicas, que, segundo ele, continuam sob controle do primeiro-ministro sírio até a uma “passagem oficial” do poder.
Ele também pediu a seus combatentes que preservassem a segurança nas áreas que haviam ocupado.
“Acho que, em primeiro lugar, trata-se apenas de boa política”, disse o especialista Aron Lund, do think tank Century International. “Quanto menos pânico local e internacional houver e quanto mais Jolani parecer um ator responsável em vez de um extremista jihadista tóxico, mais fácil será seu trabalho. Isso é totalmente sincero? Com certeza não”, disse ele. “Mas é a coisa mais inteligente a se dizer e fazer neste momento.”
Origens e conversão ao jihadismo
Jolani nasceu em 1982 em Ryad, na Arábia Saudita, dentro de uma família abastada. Em 1989 a família retornou à Síria, e Jolani foi criado em Mazzeh, um bairro nobre de Damasco.
O pai trabalhava em instalações de petróleo sauditas e era um opositor secular do regime de Assad. Ele passou muitos anos em prisões sírias antes de se exilar na Arábia Saudita.
Durante a recente ofensiva rebelde, Jolani deixou de lado o nome de guerra e começou a assinar suas declarações com seu nome verdadeiro, Ahmed Hussein al-Shara.
Em 2021, ele disse à emissora americana PBS que seu nome de guerra era uma referência às raízes de sua família nas Colinas de Golã, alegando que seu avô havia sido forçado a fugir após a anexação da área por Israel, em 1967.
De acordo com o site de notícias Middle East Eye, foi após os ataques de 11 de setembro de 2001 que Jolani foi atraído pelo pensamento jihadista, tendo demonstrado admiração pelos terroristas do 11 de Setembro. Foi então que ele começou a participar de sermões secretos e painéis de discussão nos subúrbios marginalizados de Damasco, afirmou o site.
Após a invasão do Iraque liderada pelos EUA, ele deixou a Síria para participar da luta. Ele se uniu à Al Qaeda no Iraque, liderada por Abu Musab al-Zarqawi, e foi posteriormente detido por cinco anos, o que o impediu de subir na hierarquia da organização jihadista.
Em março de 2011, quando a revolta contra o governo de Assad eclodiu na Síria, ele retornou com a tarefa de fundar a Frente Al Nusra, a filial síria da Al Qaeda.
Naquela época Jolani cooperava com Abu Bakr al-Baghdadi, chefe do grupo Estado Islâmico no Iraque, também ligado à Al Qaeda e que mais tarde viria a se tornar o grupo Estado Islâmico.
Em 2013, quando Baghdadi anunciou repentinamente que seu grupo estava cortando relações com a Al Qaeda, Jolani se recusou a segui-lo e, em vez disso, jurou lealdade a Ayman al-Zawahiri, da Al Qaeda.
Em 2015, Jolani disse que, ao contrário do Estado Islâmico, não tinha intenção de lançar ataques contra o Ocidente.
Em 2016, ele cortou os laços com a Al Qaeda, argumentando que isso tirava do Ocidente argumentos para atacar sua organização.
Ele também proclamou que, caso Assad fosse derrotado, não haveria ataques de vingança contra a minoria alauíta, da qual o clã do presidente é originário.