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Logotipo das big techs, alvo de tentativa de regulamentação - Lionel Bonaventure/AFP
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segunda-feira 3 de abril de 2023 às 08:57h

Queda de braço entre Globo, Meta e Google é entrave para lei da internet

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Uma queda de braço entre Globo, Google e Meta sobre o financiamento do jornalismo é o principal entrave para o projeto de lei 2630, conhecido como PL das Fake News, uma prioridade do governo Lula.

O Executivo enviou na última quinta-feira (30) ao relator do PL, deputado Orlando Silva (PC do B-SP), uma proposta de substitutivo que flexibiliza o Marco Civil da Internet ao prever punição das plataformas por conteúdo antidemocrático.

Apesar de a punição das big techs ser o tema mais espinhoso da lei, a remuneração de conteúdos jornalísticos pelas plataformas é o que gera mais divisão.

A Globo e os grandes veículos de mídia defendem um modelo semelhante ao implementado na Austrália em 2021, de negociação direta com plataformas por pagamento de conteúdo.

A Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) e a Ajor (Associação de Jornalismo Digital), que reúne veículos independentes e checadores, propõem um fundo de incentivo ao jornalismo a partir da taxação das big techs. O texto do Executivo estabelece pagamento de direitos autorais a conteúdo jornalístico ao lado de música, vídeos e outros. E as big techs acham que o “fundo” é a a solução “menos pior”.

O financiamento ao jornalismo é prioridade da Globo, que pressionou para que o tema fosse incluído na legislação.

O News Media Bargaining Code australiano determina que veículos negociem de forma individual ou coletiva com as plataformas o pagamento pelo conteúdo jornalístico. Caso não cheguem a um acordo, está prevista a arbitragem.

A premissa é que as plataformas de internet lucram indevidamente com conteúdo jornalístico e deveriam pagar por isso. O pano de fundo é a crise do modelo de negócios da mídia tradicional. A ascensão da internet sufocou financeiramente os veículos, porque as plataformas ficam com a maior parte da receita com anúncios online.

Plataformas se opõem ao código de barganha. Quando foi adotado na Austrália, em 2021, o Facebook chegou a bloquear o compartilhamento de notícias na plataforma por uma semana. O Google tinha ameaçado acabar com o mecanismo de busca no país.

Fenaj e Ajor são contra essa negociação direta, que favoreceria veículos maiores, como a Globo, que têm mais poder de fogo.

“Vimos o que aconteceu na Austrália e na França, com o bargaining code: isso gerou acordos milionários com grandes grupos de mídia, e grupos menores, especializados ou locais ficaram de fora ou receberam um trocadinho ali”, diz Natália Viana, presidente da Ajor.

“Ninguém sabe quanto foi pago, porque tem acordos de confidencialidade e ninguém sabe se o valor está sendo usado para pagar os jornalistas. E se toda a grana está indo para os CEOs?.”

De fato, na Austrália, o maior beneficiário foi a gigante News Corp, do bilionário Rupert Murdoch, que fechou um acordo de três anos estimado em US$ 150 milhões.

Mas Rod Sims, ex-presidente da Comissão de Consumo e Concorrência da Austrália, publicou relatório mostrando que quase todos os veículos de mídia habilitados da Austrália fecharam acordos com o Facebook e o Google, inclusive os menores, com publicações que empregam 85% dos jornalistas australianos.

Segundo ele, a Country Press Australia, que reúne 160 publicações pequenas e regionais, recebeu um dos maiores valores por jornalista empregado. Ele calculou que o código gerou cerca de US$ 200 milhões por ano de pagamento das plataformas às publicações.

O Canadá debate uma lei semelhante no parlamento.

No Brasil, Fenaj e Ajor defendem um fundo para financiamento do jornalismo a partir da taxação das big techs, embora as duas divirjam nos detalhes.

A Fenaj preparou dois anteprojetos de lei propondo um fundo inspirado no Fundo Setorial do Audiovisual, com gestão multissetorial e políticas para beneficiar mídias de minorias, desertos de notícias, jornalismo inclusivo, educação midiática, jornalistas negros, quilombolas, indígenas, mulheres e LGBTQIA+.

“O artigo 38 [negociação direta] transfere o poder dos gigantes digitais para os gigantes da radiodifusão, e não beneficia os jornalistas, nem os pequenos veículos”, diz Samira de Castro, presidente da Fenaj.

O fundo conquistaria votos da ala mais à esquerda na Câmara, mas, segundo lideranças, dificilmente conseguiria o apoio suficiente.

Natália Viana, presidente da Ajor, diz que os fundos para apoio ao jornalismo têm sido criados em países como Áustria, Itália, Holanda, Noruega e Canadá e são parte de uma política pública que procura fomentar o jornalismo em busca de novas fontes, formatos e projetos de sustentabilidade.

Na visão das plataformas, o fundo seria a solução menos pior, porque ofereceria maior previsibilidade de quanto terão de pagar. Mas também porque os valores provavelmente seriam menores.

Enquanto Fenaj e Ajor defendem que os impostos sobre as big techs seriam sobre a receita, algumas plataformas querem que a taxação seja só sobre o faturamento dos anúncios em conteúdo jornalístico – que representam a minoria.

No caso das mídias menores, incluindo agências de checagem, há mais um fator –muitas delas dependem do financiamento do Google e Facebook e temem perder parte desses recursos caso seja aprovada a negociação direta ou o pagamento de direitos autorais.

As associações de jornalismo também são financiadas, majoritariamente, pelas big techs –70% do financiamento da Ajor vêm do Google, Meta e TikTok, e 80% dos recursos da Abraji.

A ANJ (Associação Nacional de Jornais) e a Globo se opõem à criação de um fundo para remunerar o jornalismo.

Para a ANJ, é temerário. “E se assume um governo autocrático? Mesmo com gestão multissetorial, é ingenuidade achar que esse fundo não seria instrumentalizado para fins ideológicos pelos governos”, diz Marcelo Rech, presidente-executivo da entidade.

“E o governo sempre pode contingenciar os recursos dos fundos.”

Além disso, um fundo provavelmente renderia um volume menor de recursos para os grandes veículos. Representantes da grande mídia acreditam que poderia ser criado um fundo para fazer políticas públicas específicas, mas isso não substituiria a remuneração por conteúdo.

Sob pressão do Ministério da Cultura e de entidades que representam artistas, a proposta do governo federal prevê pagamento de direitos autorais de forma geral, mas foi rejeitada por todos os setores e não tem apoio das lideranças na Câmara.

Seria algo na linha do que fez a Europa com a diretiva de direitos autorais digitais em 2021, que prevê as plataformas pagando por direitos autorais aos jornalistas autores e veículos em negociação coletiva. A crítica é que o modelo beneficia os grandes veículos, mas não os jornalistas e as mídias menores.

“Copyright abre uma discussão gigantesca que não leva a lugar nenhum, beneficia quem quer procrastinar”, diz Rech, da ANJ.

Mídias menores e parte da sociedade civil apontam que os dois modelos, copyright e negociação direta, privilegiam conteúdo que gera cliques e engajamento.

“Isso pode incentivar jornalismo de celebridades, caça cliques, e não jornalismo de interesse público, investigativo, com pluralismo”, afirma Francisco Brito Cruz, diretor-executivo do Internet Lab, que defende um fundo. “E, de fato, se a torneira das plataformas fechar, vários veículos pequenos vão ficar na chuva.”

Procurada, a Meta (dona do Facebook) indicou que a visão global da empresa sobre financiamento do jornalismo está em documento de título: “Novo estudo mostra que a indústria de notícias colhe vantagens econômicas consideráveis do Facebook”.

Em meio à disputa, ganha força a ideia de pôr na lei uma proposta genérica, de que o conteúdo jornalístico deve ser remunerado, e prever regulamentação posterior. Seria uma forma de garantir a aprovação da lei com as mudanças no Marco Civil e na propaganda online, prioridades da Globo e das agências de publicidade.

A Ajor também acha que a prioridade é incluir no projeto a remuneração.

“O fundamental, agora, é que se consolide na lei a obrigatoriedade de pagamento das plataformas ao jornalismo”, diz Viana.

As plataformas, no entanto, enxergam aí uma “pegadinha” —na regulamentação, por decreto, poderiam surgir vários “jabutis”, como são conhecidos os temas não relacionados ao projeto original.


ENTENDA O QUE ESTÁ EM DEBATE:

Qual o debate sobre a regulação das redes sociais? Sob o impacto dos atos golpistas do 8 de janeiro, o governo Lula elaborou proposta que obriga as redes a removerem conteúdo que viole a Lei do Estado Democrático, com incitação a golpe, e multa caso haja o descumprimento generalizado das obrigações. O Executivo encaminhou a proposta para o deputado Orlando Silva (PC do B-SP), relator do PL 2630, o chamado PL das Fake News, que irá discutir o texto com lideranças na Câmara.

O que é o Marco Civil da Internet? É uma lei com direitos e deveres para o uso da internet no país. O artigo 19 do marco isenta as plataformas de responsabilidade por danos gerados pelo conteúdo de terceiros, ou seja, elas só estão sujeitas a pagar uma indenização, por exemplo, se não atenderem uma ordem judicial de remoção. A constitucionalidade do artigo 19 é questionada no STF.

Qual a discussão sobre o artigo 19?  A regra foi aprovada com a preocupação de assegurar a liberdade de expressão. Uma das justificativas é que as redes seriam estimuladas a remover conteúdos legítimos com o receio de serem responsabilizadas. Por outro lado, críticos dizem que a regra desincentiva as empresas e combater conteúdo nocivo.

A proposta do governo impacta o Marco Civil? O entendimento é que o projeto a ser incluído do PL das fake news abra mais uma exceção no Marco Civil. Hoje, as empresas são obrigadas a remover imagens de nudez não consentidas mesmo antes de ordem judicial e violações de direitos autorais. O governo quer que conteúdo golpista também se torne uma exceção à imunidade concedida pela lei, mas as empresas não estariam sujeitas à multa caso um ou outro conteúdo violador fosse encontrado na plataforma, só se houver descumprimento generalizado.

Como funciona em outros países?

  • EUA: A legislação imuniza as plataformas por conteúdos de terceiros, e não responsabiliza as empresas caso o conteúdo seja removido em boa-fé. Projetos e ações na Justiça discutem ampliar a responsabilidade das plataformas
  • União Europeia: Diretiva do bloco estabelece que as redes só podem ser responsabilizadas se não agirem após denúncia. A lei de serviços digitais, vigente a partir deste mês, mantém essa imunidade, mas estabelece obrigações às plataformas, como relatórios de transparência, e demonstração de conteúdos removidos
  • Reino Unido: Empresas não podem ser punidas por danos causados por conteúdo de terceiros. Uma proposta estatui que as plataformas deverão garantir a aplicação de seus próprios termos de uso, e o direito dos usuários de recorrer das decisões de moderação

E onde entra o financiamento ao jornalismo?
O PL das fake news previa negociação direta dos veículos de mídia com as big techs para remuneração de conteúdo jornalístico, em mecanismo semelhante ao implementado na Austrália em 2021. A medida é defendida pela Globo e grandes empresas de mídia. Mas a proposta do Executivo estipula que o conteúdo jornalístico entraria em um esquema de pagamento de direitos autorais como músicas, vídeos e filmes.

A Fenaj e os veículos menores de mídia rejeitam as duas ideias e propõem a criação de um fundo, a partir de taxação das big techs, para incentivar principalmente o jornalismo de interesse público, plural, de grupos minoritários. A ideia não é encampada pela grande mídia. As plataformas se opõem à negociação direta e aos direitos autorais, e parte das empresas admite a criação de um fundo.

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