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Rodovias após a passagem do furacão Katrina em 2005 - Foto: CBS/USA
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domingo 12 de maio de 2024 às 12:04h

Que lições tem o furacão Katrina para o Rio Grande do Sul?

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Segundo planejador urbano Robert Olshansky, atuante na recuperação de tragédias climáticas como a do Katrina, ouvir os moradores atingidos é fundamental para reconstruir o Rio Grande do Sul. O geólogo e planejador urbano americano Robert B. Olshansky já testemunhou muitas cenas de destruição ao longo de sua carreira: em 1995 viu as ruínas da cidade de Kobe, no Japão, devastada por um terremoto; participou dos esforços para o plano unificado de recuperação de Nova Orleans, nos Estados Unidos, após a passagem do furacão Katrina em 2005; e esteve presente nos dias seguintes aos terremotos de 2010 no Haiti, e ao tsunami que arrasou a Indonésia em 2004.

A curiosidade por desastres e por descobrir maneiras de preparar melhor as cidades contra eles começou em 1994, quando um terremoto atingiu a cidade de Los Angeles, na Califórnia, estado onde ele cresceu. “Não foi uma catástrofe, mas foi grande. Fiquei interessado em acompanhar o processo de recuperação da cidade.”

Um ano depois, viajou com colegas pesquisadores para acompanhar de perto a tragédia em Kobe, importante centro econômico japonês onde, em menos de 20 segundos, um forte terremoto devastou casas, prédios, estradas, estações de metrô e canalizações de água, gás e energia elétrica.

“Foi uma grande jornada. Sofremos para encontrar lições comuns aos dois eventos”, afirma o professor emérito de planejamento urbano e regional da Universidade de Illinois at Urbana-Champaign, onde lecionou por 28 anos. “Quando eu voltei, foi exatamente quando aconteceu o furacão Katrina”.

Que lições tem o furacão Katrina para o Rio Grande do Sul?

Na devastação do Katrina, já mais experiente em situações análogas, Olshansky atuou como observador e participante no difícil processo de criar um plano unificado de reconstrução para a cidade de Nova Orleans após o furacão que deixou mais de 1 milhão de desabrigados.

“A recuperação após um desastre é sempre complexa, demora muito e nunca é rápida o bastante para os moradores atingidos”, diz o coautor do livro After great disasters: an in-depth analysis of how six countries managed community recovery (Após grandes desastres: uma análise profunda de como seis países geriram a recuperação de comunidades) ao lado da colega Laurie A. Johnson, planejadora urbana reconhecida, especializada em recuperação de desastres.

Dois anos após o Katrina, Nova Orleans ainda esperava pelos recursos para a sua reconstrução, que só foi concluída anos depois. “A recuperação após um grande desastre é sempre complexa, leva muito tempo e nunca ocorre rápido o suficiente para os residentes afetados”, diz. “Mas o processo pode ser melhorado de várias maneiras”.

Em entrevista à DW Brasil, o pesquisador compartilha lições e alertas que podem ser úteis para orientar o difícil e longo processo de reconstrução que o Rio Grande do Sul tem pela frente: até o momento, 441 cidades das 497 do Estado foram atingidas pelas chuvas, que afetaram 1,9 milhão de cidadãos e 300 mil imóveis, segundo a Defesa Civil e o IBGE.

“Sensação de que o tempo foi comprimido é um dos maiores obstáculos”

Quando ocorre um desastre como o que enfrenta o Rio Grande do Sul, a primeira reação do poder público é enviar socorro o mais rápido possível. Mas logo surge uma série de perguntas que exigem respostas rápidas: quanta verba se destinará à reconstrução? Todos os proprietários de terra poderão reconstruir suas casas? Haverá moradia suficiente para os locatários? Onde todos se alojarão, até que as casas definitivas sejam construídas? Quem coordenará a reconstrução?

Olshansky explica que um dos maiores obstáculos após um desastre é a sensação real de que o tempo foi comprimido: tudo foi destruído de uma vez, todos precisam ser resgatados ao mesmo tempo, inúmeras demandas surgem simultaneamente, e todas as demandas são realmente urgentes. “É isso o que torna tudo mais difícil de operar, tudo sai de sincronia e é muito confuso; há uma espécie de névoa de guerra quando isso acontece.”

Obter grande volume de verbas é a chave da recuperação bem-sucedida, diz o pesquisador. A prioridade do poder público, nesse caso, é se mover para garantir recursos.

Nos EUA por exemplo, os estados atingidos pelo Katrina apelaram ao Congresso por fundos para a reconstrução definitiva; na China, o governo determinou às províncias do leste que alocassem parte de seus orçamentos para auxiliar os municípios atingidos do oeste; a Indonésia, por outro lado, pediu a ajuda de doadores internacionais após o tsunami de 2004, capacitando lideranças que inspirassem a confiança da comunidade doadora.

“Grande parte do sucesso de uma região devastada que se recupera depende da capacidade do governo em gerenciar, distribuir e auditar os recursos, corrigindo erros ao longo do processo”, resume Olshansky.

Ajuda da sociedade não é fracasso do governo

“Para mim, a atuação das ONGs e a participação da sociedade civil [nos resgates e socorro em meio à tragédias] são indicadores de um ecossistema saudável de reconstrução. Significa que há gente engajada e que a recuperação está acontecendo de baixo para cima, sem depender só do governo”

O geólogo cita casos em que a participação de voluntários é tratada pela imprensa como fracasso do governo, “mas a realidade é essa, e é uma boa coisa que os cidadãos decidiram fazer por si, pois é o que precisam fazer”.

Cabe ao governo liderar em duas frentes: investir parte do dinheiro em comunicação, para garantir o fluxo de informações entre todos os segmentos envolvidos no socorro pós-desastre: apoiar e subsidiar ONGs, moradores, voluntários e empresas, para que ninguém trabalhe “no escuro” e todos saibam o que cada um está fazendo. Os recursos podem ser boletins informativos, websites, centros de dados e reuniões regulares entre todos os envolvidos.

Moradores têm que ser ouvidos nas decisões

Sensíveis à corrida contra o tempo, muitos gestores podem pensar que é mais rápido reconstruir a cidade sem muito debate: em decisões definidas de “cima para baixo”, anunciadas e elaboradas pelas autoridades, sem envolvimento popular.

Uma decisão equivocada, a qual Olshansky mostrou, em seus estudos, que pode resultar em insatisfação popular, baixo engajamento da população na reconstrução e imóveis concluídos às pressas, para depois ficarem vazios, com muitos moradores preferindo morar em ocupações informais – como ocorreu na China, no terremoto em 2008.

Um caso bem-sucedido, com grande participação popular, foi o da Indonésia: após a sequência de desastres climáticos a partir do forte tsunami que deixou 226 mil mortos em 2004, em meio a uma guerra civil, o governo reagiu rapidamente, criando organizações de recuperação eficazes, sempre com alta participação da comunidade.

O país fundou uma agência nacional de planejamento que avaliou as perdas antes de reunir-se com potenciais doadores internacionais, em janeiro de 2005. “Tanto a avaliação preliminar como o plano diretor foram feitos com a participação da comunidade, e transparentes em todos os níveis.”

“Os autores do plano reconheceram que, embora os processos participativos costumem ser mais lentos do que as alternativas top down, de cima para baixo, eles são mais eficazes a longo prazo porque os planos têm total apoio comunitário”, afirma o pesquisador. “Sob a liderança do novo presidente, pouco depois do tsunami foi anunciado um cessar-fogo, que permitiu o fluxo de ajuda internacional.”

Devem-se criar planos de recuperação para antecipar o próximo desastre, a fim de que cada comunidade esteja pronta a se adaptar e sobreviver, quando ocorrer o inevitável. Contudo “há sempre a tensão entre restaurar o que era antes ou reconstruir melhor”.

Não realocar moradores contra vontade

Após inundações como as do Rio Grande do Sul, que a tendência racional é sempre querer transferir os desabrigados para outras cidades e regiões, em áreas mais seguras, observa o geólogo, “mas concluí que, na maioria dos locais, essa não é a melhor alternativa”.

Caso a comunidade deseje permanecer, a prioridade deve ser adaptar a realidade dos moradores, no sentido de mais resiliência a um cenário de enchentes. “Talvez haja recursos para elevar as casas, torná-las mais resistentes à água. Há uma série de maneiras diferentes de se adaptar a essas situações.”

Mudar cidades inteiras de lugar poderia ser necessário em casos de eventos de alta probabilidade, com mortes instantâneas, ou quando cidades são soterradas e deixam de existir. Mas sempre em acordo com a comunidade.

“Os residentes estão apegados às suas casas, cada sabe por que mora ali, e a mudança afeta suas redes sociais e econômicas. Além disso, a relocação pode impedir o acesso dos residentes a seus empregos.”

Apesar de a reconstrução ser um período doloroso e lento, o acadêmico destaca que é durante ela que costumam ocorrer as maiores mudanças e avanços rumo a cidades mais preparadas e resilientes: “Todos os países estão tentando, mas a verdade é que ninguém pensa muito em desastres com antecedência. As maiores mudanças ocorrem quando os desastres ocorrem.”

Numa nota otimista, Robert B. Olshansky conclui: “Todos no Brasil sabem que o Rio Grande do Sul tem esse problema de inundações e, quando estiverem reconstruindo o Estado, todos os envolvidos estarão pensando em melhorias para o futuro. E algumas dessas melhorias serão feitas.”

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