Há 200 anos, oficial naval Thomas Cochrane anunciava bombardeio da cidade. Decisão procurava reprimir a Confederação do Equador, movimento autonomista que pretendia um Estado independente no Nordeste.Trata-se de um episódio não muito conhecido, como admitem os próprios historiadores. Mas no dia 19 de agosto de 1824, o oficial naval inglês Thomas Cochrane (1775-1860), encarregado pelo governo imperial de reprimir a Confederação do Equador, anunciou que bombardearia o Recife — se os separatistas não se rendessem até o dia 28 de agosto.
“Cochrane fez uma proclamação e deu o prazo para a rendição. Como não houve, à meia-noite do dia 27 para 28 ele iniciou um bombardeio que durou até as 2h30 da manhã”, relata o historiador George Cabral, professor na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Era um ultimato, uma forma de pressionar os líderes da Confederação do Equador.
Cabral lembra que um dos poucos relatos a respeito do ocorrido é do historiador Francisco Augusto Pereira da Costa (1851-1923). Segundo ele, uma escuna disparou 40 tiros e lançou algumas bombas sobre a cidade. “Sete delas atingiram algumas casas e edifícios, mas sem muito prejuízo”, diz o professor da UFPE.
“Isso provocou um terror. As pessoas começaram a fugir do Recife, embora os prejuízos materiais tivessem sido pequenos e Pereira da Costa não tenha registrado vítimas”, pondera Cabral.
No livro A Outra Independência: Pernambuco, 1817-1824, o historiador Evaldo Cabral de Mello comenta que Cochrane “limitou o bombardeiro do Recife […], infligindo danos menores”. Ele aponta que o objetivo era “provocar o ‘mata mata marinheiro’” — como eram chamados motins entre oficiais nessa época — e que a ação “deixou mais de uma dezena de vítimas”, terminando com saque de estabelecimentos comerciais.
Mello acrescenta que essa “moderação” de Cochrane não foi bem-vista pelo governo imperial, pois houve quem interpretasse que o oficial poderia ter feito algum conchavo com o movimento separatista. Fato é que, após o bombardeio, o inglês deixou o comando da operação e foi sucedido pelo militar brasileiro Francisco de Lima e Silva (1785-1853).
Na avaliação do historiador e diplomata Vasco Mariz (1921-1917), em Lord Cochrane, O Turbulento Marquês do Maranhão, o bombardeio do Recife foi um ato “simbólico”, para “forçar as autoridades rebeldes a negociar”. “Os poucos obuses que lá caíram foram suficientes para desanimar os revolucionários”, afirma.
O fim do movimento
Mas se faltam pesquisas que indicam detalhes sobre o bombardeio, é fato que o episódio marcou o início da derrocada da Confederação do Equador.
“Não há uma documentação minuciosa sobre como foi esse bombardeio, onde miraram, quantas pessoas morreram… Quando eles bombardearam a Confederação estava se desmanchando”, afirma o historiador Marcus de Carvalho, também professor na UFPE. De acordo com o historiador, o Recife tinha, na época, de 25 mil a 30 mil habitantes — incluindo na cifra os escravizados.
De inspiração liberal, buscando um modelo semelhante ao dos Estados Unidos, a Confederação do Equador havia sido proclamada em 2 de julho e pretendia criar uma nação autônoma constituída pelas então províncias de Pernambuco, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe e Alagoas.
Seus líderes — os principais eram o escritor, religioso e político Frei Caneca (1779-1825) e o político Manoel de Carvalho (1774-1855) — estavam descontentes com os rumos do Brasil independente sob as rédeas do imperador dom Pedro 1º (1798-1834).
A retaliação foi intensa. O imperador reduziu para menos da metade a província de Pernambuco e contratou uma tropa de mercenários para sufocar o movimento. Foi quando o britânico Cochrane entrou em cena.
Ele partiu do Rio de Janeiro em 1º de agosto, com Lima e Silva e uma tropa de 1,2 mil soldados. Conforme conta o historiador Bruno Augusto Dornelas Câmara, professor na Universidade de Pernambuco (UPE) e autor do livro A Confederação do Equador: Uma Breve História de Um Movimento Revolucionário, a divisão naval era formada por cinco embarcações: a nau Dom Pedro, o brigue Maranhão, a corveta Carioca e os dois transportes Harmonia e Caridade.
Desembarcaram em Alagoas entre os dias 14 e 16 de agosto e de lá partiram, por terra, até o Recife. “Formou-se um exército, pois eles foram arregimentando outros indivíduos [pelo caminho] para lutar [contra os separatistas] “, diz Câmara. No total, calcula-se que as tropas de defesa do império tenham somado 3,5 mil homens.
31 condenados à morte
“Sobre o bombardeio em si, as escaramuças que houve na cidade, não há muita informação”, lamenta o historiador. Ele pontua que os confederados usaram fortalezas que já existiam na cidade para tentar se defender das tropas do império.
Tanto o Forte de São Tiago das Cinco Pontas, feito em 1630, quanto a Fortaleza do Buraco, erguida em 1631 no istmo que liga Recife à Olinda, serviram para a ocasião. Ambas as construções são obra dos holandeses, quando estes ocuparam parte do nordeste brasileiro. “Foram lugares importantes para a resistência”, afirma Câmara.
Além do bombardeio, Recife ficou cercada pelo exército. Como nem assim os confederados se renderam, uma série de ataques passou a ocorrer a partir de 12 de setembro. A Confederação do Equador chegou ao fim no dia 29 de novembro.
Pesquisadores contemporâneos concordam que a repressão a esse movimento foi a mais violenta do período imperial brasileiro, com 31 dos revoltosos tendo sido condenados à morte — nove conseguiram fugir — e centenas deles, presos. Não se sabe quantos morreram em combate.