Na semana passada, mais um crime de racismo chocou o Brasil, desta vez vindo de Taguatinga, DF. A vítima — o empresário Paulo Vitor Silva Figueiredo, de 22 anos, dono de um quiosque que vende açaí — gravou as ofensas racistas feitas por uma cliente. Na sequência, a mulher foi embora sem que algo a impedisse — e muitos comentaram que teria sido oportuno que alguma das pessoas que presenciaram a cena tivesse realizado sua prisão em flagrante. Mas isso é de fato possível?
“De acordo com o artigo 301 do Código de Processo Penal, em situação de flagrante, qualquer pessoa pode prender o autor da infração penal”, diz o advogado, professor e especialista em Direito Penal Leonardo Pantaleão. “O Código de Processo Civil prevê que os cidadãos podem — e a autoridade policial e seus agentes devem — prender quem estiver cometendo um crime; portanto, qualquer cidadão pode realizar uma prisão em flagrante”, reitera o também advogado e especialista em Direito Penal Matheus Falivene, destacando que “um cidadão comum pode prender em flagrante até um policial ou qualquer outro agente público que esteja cometendo um crime em flagrante”.
E como o cidadão deve proceder em um caso como este? Leonardo Pantaleão esclarece: “Deve anunciar que, a partir daquele momento, a pessoa que cometeu o delito deve ser considerada presa em flagrante pela prática de determinado crime e, em seguida, o acusado deve ser levado perante a autoridade policial, para que essa prisão seja ratificada pelo Delegado de Polícia”. Matheus Falivene oferece algumas considerações a mais. “Após dar a ‘voz de prisão’, o cidadão deve imediatamente acionar a Polícia ou conduzir o preso à Delegacia de Polícia, se possível. Além disso, ainda que a lei permita, por exemplo, o uso de força ou de algemas para prender uma pessoa, caso necessário, é importante frisar que o cidadão que dá voz de prisão não deve agredir, torturar ou matar a pessoa que é presa, salvo em situações de legítima defesa, sob pena de responder criminalmente por seus atos.”
Aparentemente, a situação dá margem a equívocos, então é preciso precaver-se. “O cidadão deve, primeiro, ter certeza de que aquele indivíduo está cometendo um crime — e conhecer, ainda que minimamente e de forma rudimentar, a legislação penal”, observa Falivene, acrescentando que, “além disso, deve ter em conta o bom senso e o respeito à legalidade, sempre com respeito e dignidade à pessoa que foi presa em flagrante.”
O advogado Leonardo Pantaleão também observa que, “para evitar abusos ou equívocos, recomenda-se que o cidadão verifique alguns aspectos importantes, a saber: 1. se o agente está cometendo a infração penal naquele momento; 2. se acaba de cometê-la; 3. se é perseguido, logo após, em situação que faça presumir que ele é o autor da infração; d. se é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração”. “Em situações assim, o cidadão comum está autorizado a efetuar a prisão em flagrante”, reitera o especialista.
E se não for levado a sério? “Essa é a orientação: sempre acionar as forças públicas de segurança, para que façam cumprir a ordem de prisão”, diz Pantaleão. Matheus Falivene é também taxativo. “É importante que o cidadão acione imediatamente a polícia em caso de prisão em flagrante. Ainda que o Código de Processo Penal preveja a utilização moderada de força para deter o preso, o seu eventual emprego, especialmente em excesso, pode resultar em problemas criminais para aquele que realizou a prisão. Sendo assim, é sempre recomendável que se acione imediatamente a polícia para que os agentes públicos, devidamente preparados e equipados, conduzam a situação.”
Leonardo Pantaleão explica também que a possibilidade de cidadãos fazerem a prisão em flagrante “existe em diversos países, até por ser uma forma de a sociedade contribuir com as forças policiais para inibir a delinquência na sociedade”. “Em regra, os países democráticos possuem legislações que permitem a realização de prisões em flagrante por cidadãos comuns”, diz Falivene, observando que, “o Código de Processo Penal alemão, por exemplo, prevê a possibilidade de que o cidadão prenda quem se encontra em flagrante delito e, da mesma forma, nos EUA existem regras sobre o denominado ‘citizen’s arrest’, permitindo a prisão em flagrante pelo cidadão, mas variando de estado em estado quanto ao crime em que isso pode ocorrer”.
Matheuis Falivene
Matheus Falivene, advogado nas áreas de Direito Penal e Direito Penal Econômico. Doutor e mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Especializado em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra/Portugal. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas. Professor na pós-graduação da PUC-Campinas.
Leonardo Pantaleão
Leonardo Pantaleão, advogado e professor, com mestrado em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), Doutorado na Universidad Del Museo Social Argentino, em Buenos Aires e Pós-graduado em Direito Penal Econômico Internacional pelo Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu (IDPEE) da Universidade de Coimbra, em Portugal, professor da Universidade Paulista. Autor de obras jurídicas, palestrante com ênfase em Direito Penal e Direito Processual.