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sábado 9 de dezembro de 2023 às 18:01h

Qual será peso político de Javier Milei na América Latina

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O economista libertário Javier Milei toma posse neste domingo (10) como presidente argentino sem a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem fez duras críticas durante sua campanha.

Apesar de o argentino ter suavizado o tom contra o petista após sua eleição, o governo brasileiro será representado pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, algo raro, dada a importância da relação dos dois países.

A cerimônia, ao mesmo tempo, será prestigiada por uma comitiva de representantes da direita brasileira, liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, de quem Milei é declarado admirador. Ambos já se reuniram em Buenos Aires na sexta-feira.

A vitória de Milei nas urnas tem sido comparada com a eleição de Bolsonaro em 2018, já que ambos se projetaram como líderes controversos do campo conservador, com propostas radicais e uma postura “antissistema”, embora o brasileiro tenha sido parlamentar por três décadas antes de conquistar o Palácio do Planalto, enquanto Milei exerceu um mandato de deputado federal.

Para analistas políticos ouvidos pelo canal BBC News, porém, a eleição do novo presidente argentino não deve ser lida apenas como uma “repetição” da política brasileira de cinco anos antes, mas traz reflexões sobre os desafios que se colocam à frente para o governo Lula e o campo bolsonarista.

Por um lado, o resultado da eleição argentina é visto como um recado para o Palácio do Planalto ao evidenciar a dificuldade que governos têm tido para se manter no poder na América Latina. Na grande maioria das disputas presidenciais dos últimos cinco anos, foi a oposição que se saiu vitoriosa.

Por outro lado, a vitória de Milei também é lida como um risco para o campo da direita. Embora sua eleição seja mais um sinal da força da ultradireita no continente, suas chances de êxito ainda seguem muito incertas, dado o tamanho da crise econômica argentina e a complexidade das propostas que o elegeram, como a ideia de dolarizar a economia e acabar com o Banco Central.

Reeleição em queda na América Latina

Para o diretor do instituto de pesquisas Quaest, o cientista político Felipe Nunes, a vitória de Milei traz uma importante mensagem para Lula, não tanto no sentido de evidenciar a força do campo conservador, que não é novidade no Brasil, mas de ser mais um exemplo da dificuldade que mandatários têm tido em diferentes países para se reeleger ou eleger um sucessor, independentemente do campo que representam.

Um levantamento do cientista político argentino Gerardo Munck, professor da University of Southern California (Estados Unidos) corrobora essa tese: de 18 eleições disputadas na América Latina desde 2019, o candidato governista venceu apenas no pleito realizado neste ano no Paraguai – o país é um caso particular da falta de alternância de poder, já que o Colorado, partido de centro-direita, perdeu apenas uma disputa presidencial em 76 anos, quando Fernando Lugo venceu em 2008.

O caso argentino ilustra bem a dificuldade governista nos últimos anos, especialmente impactada pela duradoura crise econômica. O presidente de direita Mauricio Macri não conseguiu renovar seu mandato em 2019, quando foi derrotado pelo candidato de esquerda, Alberto Fernández. Este, por sua vez, não foi capaz nem mesmo de viabilizar sua candidatura à reeleição, lançando seu ministro da Fazenda, Sergio Massa, para disputar a sucessão, no pleito vencido por Milei.

Já no Brasil, Bolsonaro foi o primeiro presidente a não conseguir se reeleger desde a redemocratização, ao perder a disputa de 2022 por margem apertada para Lula.

“A América Latina tem sido marcada nos últimos anos por um processo muito claro de rejeição aos governos, mais do que uma tendência pró-direita ou antiesquerda. As pessoas estão cada vez mais insatisfeitas com a maneira como os governos estão operando, o que para mim é uma demonstração da crise da representação política que a gente vive no mundo todo, mas especialmente na América Latina”, afirma o diretor da Quaest.

Para Nunes, esse cenário vem com um desafio a mais no caso de Lula, devido à resiliência do campo bolsonarista. Na sua visão, a polarização da política brasileira está tão forte que se calcificou na sociedade, processo que ele analisa com o jornalista Thomas Traumann no livro recém-lançado Biografia do Abismo, como a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil.

“As pessoas estão mais exigentes, estão cobrando mais dos seus governantes. E o alerta que fica para o Lula é de que, por um lado, essa cobrança, que é generalizada, também é brasileira, mas com uma nuance muito nossa que tem a ver com a tese da calcificação política que defendemos no livro”, disse à reportagem.

“Se a gente está vendo na América Latina os governos sendo consistentemente não aprovados, por outro lado a gente vê no Brasil uma força muito grande do eleitor bolsonarista, há uma resiliência nesse sentimento antipetista que vai merecer muita atenção por parte do atual governo no Brasil”, acrescenta.

Na avaliação de Nunes, a vitória de Milei não é um elemento em si capaz de impulsionar a direita brasileira, mas o resultado da eleição americana de 2024 terá impacto relevante.

Nos Estados Unidos, o líder da direita conservadora Donald Trump, do partido Republicano, também não conseguiu a reeleição em 2020, quando foi derrotado pelo atual presidente, o democrata Joe Biden. O resultado, lembra o diretor da Quaest, foi fundamental para ditar uma postura mais dura do governo americano contra movimentações do campo bolsonarista de contestação ao sistema eleitoral brasileiro.

Uma nova vitória de Biden ou outro candidato democrata, porém, está longe de estar garantida, com Trump ganhando apoio popular para disputar novamente a Casa Branca. O republicano, porém, ainda enfrenta acusações na Justiça com potencial de impedir sua candidatura.

“Seja quais forem os candidatos, a eleição dos Estados Unidos vai ser decidida na margem. O resultado, sem dúvida alguma, tem efeitos e consequências sobre a política no Brasil”, acredita.

“Então, uma vitória do Trump nos Estados Unidos (em 2024) acho que alimenta o sentimento de revanche no Brasil, porque já teve Milei vencendo (na Argentina), tem outros candidatos de direita em países da América Latina. Por outro lado, uma vitória do Biden também acaba sendo um incentivo para a esquerda brasileira”, avalia.

Pesquisas de opinião têm mostrado que a gestão Lula enfrenta dificuldades para ampliar seu apoio, após a vitória apertada. Levantamento do Datafolha divulgado na quinta-feira (7/12) mostrou que o petista terminou 2023 com 38% de aprovação dos brasileiros. Outros 30% da população consideram seu trabalho regular, e o mesmo número avalia sua gestão como ruim ou péssima.

Para Nunes, as ações do governo Lula no primeiro ano focaram mais em consolidar sua base de eleitores do que em tentar conquistar o eleitor bolsonarista. Ele cita como exemplo o foco em políticas sociais como a ampliação do Bolsa Família e a retomada do Mais Médicos, que atendem a população de menor renda.

O cientista político acredita que o presidente tem pouco espaço para conquistar três grupos que apoiam Bolsonaro: o eleitorado evangélico, o segmento ruralista e aqueles bolsonaristas mais radicais com viés autoritário.

Um quarto grupo, porém, seria mais suscetível a apoiar Lula – é o que Nunes e Traumman no livro chamam de “empreendedores, uma classe média urbana que gera empregos”. Na sua avaliação, programas como o Desenrola – de renegociação de dívida – podem atrair a simpatia de parte desse grupo para o governo.

‘Milei pode ser espantalho para direita’

Apesar do furor do campo bolsonarista com a vitória de Milei, o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Dawisson Belém Lopes vê o risco de seu governo ter um resultado negativo, a ponto de distanciar parte do eleitor brasileiro da ultradireita.

O futuro presidente argentino assume com grandes desafio pela frente, dada a profunda crise econômica do país, e foi eleito com propostas radicais e de difícil implementação.

Entre suas promessas mais radicais e de difícil execução estão o fim do Banco Central e a dolarização da economia argentina. Durante a campanha, também sinalizou para um afastamento de Brasil e China, os dois maiores parceiros comerciais do país.

Após sua vitória, porém, Milei tem moderado o tom.

“É possível imaginar a relação oposta: em vez de a Argentina de Milei servir de vitrine para ser emulada pelo Brasil no futuro, pode ser o contrário: Milei pode ser um espantalho pra volta da ultradireita”, pondera Belém.

Para o professor da UFMG, os indicadores econômicos brasileiros serão o fator determinante para a eleição de 2026.

“Se o Brasil conseguir manter um bom rendimento da sua economia, boas condições socioeconômicas da sua população de modo geral, é difícil imaginar que a oposição no Brasil consiga se viabilizar e ganhar a eleição de 2026”, disse.

“É claro, a oposição está bem estruturada, vai conseguir vitórias parciais no nível municipal, no nível estadual. Mas no nível Federal teria que haver uma queda na performance do governo em relação ao que está acontecendo em 2023. Pode, mas nada indica que vai”, acredita.

‘Consolidação da ultradireita’

Professora no departamento de Política e Governo da Universidade Alberto Hurtado, em Santiago do Chile, a cientista política brasileira Talita São Thiago Tanscheit vê a vitória de Milei como um sinal de “consolidação” das forças de ultradireita na América Latina.

“Se a eleição de 2018 do Bolsonaro ocorreu sobre um processo de ascensão da ultradireita na América Latina com um futuro ainda incerto, eu acho que a eleição do Milei já não é sobre ascensão, é sobre consolidação, na medida em que já existiram experiências de governo de direita em outros países da região”, destaca.

“E, mesmo onde não foi governo, a ultradireita tem disputado a eleição e tem conseguido parcelas significativas do eleitorado”, reforça.

Ela cita como exemplos o caso do próprio Brasil, em que Bolsonaro governou e perdeu a reeleição por uma margem pequena, o de El Salvador, governado desde 2019 por Nayib Bukele, ou mesmo o do Chile, em que o presidente de esquerda Gabriel Boric, eleito em 2022, sofreu forte queda de popularidade e viu o campo conservador avançar.

Hoje, é a ultradireita, ressalta Tanscheit, que controla o Conselho Constitucional chileno, eleito para escrever a nova Constituição do país, depois que uma primeira assembleia de viés progressista teve seu texto final rejeitado em votação popular. A nova proposta de Constituição, agora em versão conservadora, será submetida à população em 17 de dezembro.

Na sua leitura, o campo da ultradireita tem crescido na região seguindo uma onda global de “frustração com as promessas não cumpridas da democracia ou com aquilo que as pessoas achavam que a democracia deveria cumprir”, o que resultou em desconfiança na política e nas instituições.

Para Tanscheit, cada vez mais as disputas eleitorais na América Latina terão como um dos polos de disputa a ultradireita, que vem mobilizando o campo conservador no lugar antes ocupado por uma direita mais moderada.

Na sua visão, o campo bolsonarista será competitivo na disputa presidencial de 2026, mesmo com Jair Bolsonaro impedido de se candidatar, após ter sido condenado pela Justiça Eleitoral.

Já o campo de Lula terá mais força caso seu governo entregue resultados efetivos, especialmente para a população mais pobre, avalia.

“A ultradireita segue viva com uma presença importante na Câmara de Deputados, no Senado Federal, e com os governo estaduais de São Paulo e de Minas Gerais, os dois maiores colégios eleitorais do Brasil. O que está em aberto é quem será o líder desse campo político (em 2026), mas que eles vão ser competitivos não tenho nenhuma dúvida”, prevê.

“Agora, a Lula e à esquerda cabe fazer um bom governo. Fazendo um bom governo, com benefícios especialmente para a população mais pobre, diminui as chances dessas aventuras acabaram sendo vitoriosas”, avalia.

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