E não foi diferente desta vez: Marco Rubio, o primeiro latino a ocupar o cargo, embarcou em um tour de seis dias por Panamá, El Salvador, Costa Rica, Guatemala e República Dominicana.
Ele fez isso para comunicar aos líderes desses países quais são as prioridades do governo de Donald Trump — deportar imigrantes em massa, fazer frente à crescente influência da China na região e combater o tráfico de fentanil para o país — e pedir que eles cooperem com esses projetos.
“Não há região do mundo que afete mais a vida individual dos americanos do que a América Latina”, disse Mauricio Claver-Carone, a pessoa escolhida pelo presidente Trump como enviado especial do Departamento de Estado para a América Latina, na véspera do início da viagem.
Rubio também levou consigo uma mensagem muito clara, que ele não verbalizou até a terceira etapa da viagem — embora tenha deixado sinais claros dela desde o início.
“Uma das minhas prioridades é garantir que a política externa dos EUA seja uma política em que é melhor ser amigo do que inimigo; é melhor ser aliado do que alguém que cria problemas”, enfatizou ele na terça-feira (4/2), durante uma entrevista coletiva conjunta com Rodrigo Chaves, presidente da Costa Rica, um dos parceiros históricos dos EUA.
Ele fez essa declaração ciente de que a América Central é uma região muito fragmentada, na qual prevalece a ideia do “cada um por si”, segundo a avaliação de analistas consultados pela BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
Abaixo, contamos os acordos feitos durante a viagem de Rubio e o que os países da América Central e a República Dominicana (que fica no Caribe) ganharam e perderam.
Panamá
Há algumas semanas, o presidente Trump alega, sem apresentar evidências, que a China opera o Canal do Panamá, que foi construído pelos Estados Unidos e transferido para o país centro-americano em 1999.
Trump chegou a dizer que deseja recuperar o controle do Canal.
E essa foi a principal mensagem que o chefe da diplomacia norte-americana levou ao presidente panamenho, José Raúl Mulino — com um aviso adicional: “Na ausência de mudanças imediatas, os EUA tomarão as medidas necessárias para proteger seus direitos.”
“A soberania do Panamá não está em questão. O Canal é operado pelo nosso país e continuará a ser”, afirmou o presidente panamenho em uma entrevista coletiva.
Embora Mulino tenha conseguido manter sua posição, ele o fez às custas de uma série de concessões.
Por um lado, concordou em encontrar uma maneira de “priorizar” os navios americanos que transitam pela rota interoceânica.
As tensões sobre esse ponto aumentaram três dias depois, quando o Departamento de Estado dos EUA anunciou que o Panamá havia concordado em não cobrar os navios americanos pela travessia do Canal, algo que foi negado por Mulino, que chamou a informação de “mentira intolerável”.
O líder panamenho também prometeu não renovar o memorando de entendimento que assinou com a China em 2017 no âmbito da Rota da Seda, um plano estratégico de Pequim com ramificações geopolíticas e econômicas.
A agência também deixou a porta aberta para a revisão da concessão dos dois portos que são operados há décadas em ambos os lados do Canal por uma empresa sediada em Hong Kong, a CJ Hutchison Holdings.
Christopher Sabatini, pesquisador do Programa América Latina, Estados Unidos e Américas do think tank Chatham House, sediado no Reino Unido, acredita que os avisos de Washington sobre retomar o controle do Canal foram uma estratégia para obter outros resultados.
“Porém, considerando tudo o que parecia estar em jogo, as concessões não são um grande problema”, disse o analista à BBC Mundo.
“O que está claro é que o termo ‘aliado’ é um tanto vazio se não coincide com os interesses dos EUA”, avalia o especialista.
Washington também atingiu os objetivos traçados para a visita em termos de imigração, pois o Panamá se comprometeu a ampliar o acordo alcançado com o governo Joe Biden para reforçar a segurança na região de Darién, a perigosa rota de selva que centenas de milhares de migrantes seguiram nos últimos anos para chegar aos Estados Unidos.
O Panamá também prometeu aumentar o serviço de deportações a partir de seu território.
Como resultado, Rubio testemunhou na segunda-feira (3/2) um voo de repatriação que foi financiado pelos EUA e partiu do Aeroporto Internacional Albrook, no Panamá, que levou 43 colombianos de volta ao país de origem deles.
Mas Mulino também não saiu de mãos vazias da visita de Rubio.
“O nacionalismo se reforçou e a figura [de Mulino] cresceu”, diz Sabatini, que destaca as bandeiras panamenhas que se multiplicaram pelas ruas do país.
“Agora, ele pode dizer que a maioria dos ex-presidentes era corrupta e que ele é diferente. Isso desvia a atenção de sua própria figura e de seus problemas domésticos”, complementa o analista.
El Salvador
A segunda parada da viagem de Rubio foi El Salvador, onde o presidente Nayib Bukele concordou com todas as exigências do poderoso vizinho do norte.
E o acordo não envolve apenas aceitar deportados de outras nacionalidades.
Bukele também teria oferecido receber criminosos perigosos que estão atualmente sob custódia e cumprem penas nos Estados Unidos, mesmo que sejam cidadãos americanos ou residentes legais.
“É um acordo sem precedentes, o mais extraordinário do mundo”, comemorou Rubio.
Bukele explicou mais tarde no X (o antigo Twitter) que ele ofereceu ao governo Trump a possibilidade de “terceirizar partes do sistema prisional”, e receber “criminosos condenados” na megaprisão que ele mandou construir há dois anos para abrigar membros de “alto escalão” de grupos como o MS-13 e o Barrio 18, em troca de uma taxa “relativamente baixa”.
Tanto Rubio quanto Trump reconheceram que existem questões legais que precisam ser resolvidas antes de aceitar uma oferta dessas.
“Mas se tivéssemos o direito legal de fazer isso, eu faria sem hesitação”, afirmou o presidente dos EUA.
Por sua vez, Washington prometeu ajudar El Salvador a desenvolver o setor de energia nuclear do país.
Mas esse não foi o único ganho do encontro para o líder salvadorenho.
“Bukele consolidou uma aliança com Trump, que o pintou como seu filho favorito, um modelo a ser seguido na região”, observa Sabatini, analista da Chatham House.
Segundo o especialista, o presidente salvadorenho também “ganhou o silêncio” do governo dos EUA em relação às polêmicas políticas de segurança, com as quais reduziu drasticamente os homicídios às custas de transformar El Salvador em uma das nações com maiores taxas de encarceramento do mundo, num estado de emergência que dura mais de dois anos.
“Haverá poucas críticas ao modelo de Bukele por parte dos EUA; não haverá nenhuma discussão sobre democracia ou direitos humanos em El Salvador, questões que deixavam o governo Biden desconfortável”, acrescenta Benjamin Gedan, diretor do Programa para a América Latina do Wilson Center.
O que resta saber da reunião de três horas entre Bukele e Rubio é se a estreita relação entre o governo salvadorenho e o da China foi abordada.
Bukele tem fortalecido laços com o presidente Xi Jinping desde uma visita de Estado a Pequim em 2019, quando a China prometeu investir em projetos de infraestrutura em El Salvador.
Em abril de 2024, as duas nações iniciaram negociações sobre um acordo de livre comércio, embora os EUA continuem como o principal parceiro comercial do país centro-americano.
“O fato de isso não ter sido mencionado publicamente enquanto o escândalo sobre a suposta influência chinesa no Canal do Panamá se formava deixa claro que os EUA têm padrões diferentes para cada país, de acordo com seus objetivos”, diz Sabatini.
Costa Rica
“Há mais cidadãos americanos que vivem aqui do que costarriquenhos nos EUA, e isso é um sinal de que algo está certo”, discursou Rubio durante a terceira parada de sua turnê.
Ele descreveu o antigo aliado como uma nação “exemplar” que, devido à segurança e à estabilidade, mais recebe do que gera imigrantes.
Milhares chegaram à Costa Rica para fugir do governo de Daniel Ortega na Nicarágua, que o Secretário de Estado dos EUA descreveu como “inimigo da humanidade”, junto com Cuba e Venezuela.
Mas o governo liderado por Rodrigo Chaves não recebeu apenas elogios.
O chefe da diplomacia dos EUA reconheceu a deterioração da segurança no país e associou o fato ao crime organizado.
Ele prometeu apoiar investigações sobre redes internacionais de tráfico de drogas e expandir a cooperação com a Costa Rica.
“Vamos ver como podemos envolver agências como o DEA e o FBI para trabalhar com as equipes de segurança daqui”, prometeu Rubio.
Com o objetivo de reduzir a influência de Pequim na região, os EUA ofereceram apoio à Costa Rica para enfrentar o que Rubio descreveu como “chantagem” e “ameaça” de empresas chinesas no país, “que usam coerção econômica para punir”.
“Vocês foram muito firmes e continuaremos a ajudá-los nisso”, enfatizou ele durante uma entrevista coletiva conjunta realizada na Casa Presidencial em San José, a capital da Costa Rica.
Em 2023, Chaves fechou a porta para a gigante chinesa de tecnologia Huawei, que tentou adquirir a rede 5G do país, em resposta à recusa de Pequim em assinar um acordo internacional sobre crimes cibernéticos.
“Foi talvez o encontro mais cordial, uma visita para reconhecer um aliado histórico”, pontua Sabatini sobre a visita de Rubio à Costa Rica.
Guatemala
Mesmo antes da visita oficial de Rubio, a Guatemala se mostrou aberta a cooperar com o governo Trump, especialmente em questões de imigração.
O governo de Bernardo Arévalo foi o primeiro a receber voos militares dos EUA com deportados, em contraste com a rejeição inicial do presidente colombiano Gustavo Petro.
Em vez de falar sobre deportações, ele lançou o plano “Retorno ao Lar” para acolher e reintegrar os guatemaltecos expulsos pelos EUA.
Arévalo concordou em ir além e aumentar em 40% o número de voos com deportados, o que incluiria imigrantes que não são de origem guatemalteca.
“Quanto aos cidadãos de outras nacionalidades, haverá um repatriamento contínuo”, explicou Arévalo, acrescentando que ainda não sabe como isso será feito.
Ele também negou a existência de qualquer discussão sobre receber supostos membros do Tren de Aragua e outras gangues dos Estados Unidos — ou mesmo “criminosos condenados”, como o presidente salvadorenho ofereceu anteriormente.
Ele também concordou em reforçar a segurança ao longo da fronteira de 300 quilômetros que o país compartilha com o México, usada por imigrantes que vão em direção aos EUA.
Outra área em que a Guatemala ganhou terreno quando se trata de construir um bom relacionamento com os EUA é no reconhecimento de Taiwan, uma ilha com governo autônomo que a China reivindica como território.
A Guatemala é um dos três países latino-americanos que tomaram essa decisão, ao lado de Belize e Paraguai.
O enviado especial de Washington para a América Latina, Mauricio Claver-Carone, já anunciou que os EUA são “gratos” ao presidente Arévalo pela decisão.
Claver-Carone disse recentemente que a Guatemala “entende a ameaça chinesa”.
Os EUA responderam a essas concessões com uma “disposição de estabelecer uma aliança para o desenvolvimento de infraestrutura prioritária”.
As discussões sobre esses possíveis acordos econômicos começarão “nas próximas semanas”, segundo Arévalo, quando uma delegação do governo guatemalteco vai visitar Washington.
“A resposta permanente à imigração é trazer desenvolvimento para que as pessoas não tenham que deixar o país”, afirmou o presidente.
“Arévalo reconhece que precisa do apoio dos Estados Unidos, até mesmo para sua sobrevivência política, e está jogando as cartas que tem na mão com muita habilidade”, avalia Sabatini.
República Dominicana
“Não pediremos à República Dominicana que aceite uma onda descontrolada de imigração. Ninguém pode pedir isso”, afrmou Rubio em uma coletiva de imprensa conjunta com o presidente dominicano Luis Abinader na quinta-feira (6/2), durante o último dia da turnê pela América Latina.
Com isso, o enviado dos EUA ofereceu apoio ao polêmico endurecimento das políticas contra a imigração haitiana que Abinader vem promovendo praticamente desde que chegou ao poder em 2020. Uma abordagem, aliás, muito alinhada com as políticas de Trump.
A medida mais recente do governo Abinader, anunciada em outubro de 2024, é a deportação “em larga escala” de 10 mil haitianos por semana.
“O que o governo dominicano conseguiu [a partir do encontro com Rubio] é o silêncio permissivo dos EUA em relação às políticas migratórias do país”, que incluem também o aumento de operações, a militarização da fronteira comum e a construção de um muro de 165 km entre os dois países, lista Sabatini.
A República Dominicana compartilha a mesma ilha com o Haiti, uma nação mergulhada no caos desde o assassinato de seu último presidente eleito, Jovenel Moïse, em julho de 2021.
Segundo dados oficiais, mais de meio milhão de haitianos vivem atualmente no país vizinho, que tem uma população de 11,2 milhões de pessoas.
Gangues violentas controlam partes do território e quase 80% da capital do Haiti, o que forçou centenas de milhares de cidadãos a fugir.
“Não há solução dominicana para o problema haitiano e o apoio americano é insubstituível”, reforçou Abinader durante a entrevista coletiva.
Rubio também confirmou que os EUA continuarão a apoiar a Missão Multinacional de Apoio à Segurança no Haiti, o que abre uma exceção à suspensão dos programas de assistência externa decretada pelo governo Trump.
A iniciativa, criada em resposta a um apelo feito em 2022 pelo governo haitiano, é apoiada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e recebe financiamento principalmente dos Estados Unidos.
Ela é composta por 400 soldados quenianos, que trabalham desde junho com a polícia local para combater estruturas criminosas e tentar restaurar a segurança no país.
Em troca, o governo dominicano concordou em continuar a cooperar na luta contra o narcotráfico, que teriam “os Estados Unidos como destino final”.
Abinader também concordou em explorar o potencial da mineração de terras raras e disse que anunciaria os planos sobre isso “nos próximos meses”.
Este foi o fim de uma viagem histórica que levou Rubio, apenas uma semana depois de assumir o cargo de Secretário de Estado, a quatro países da América Central e um país do Caribe em apenas seis dias.
Para analistas, a visita foi mais um exemplo da mudança significativa na política dos EUA em relação à América Latina.
Pamela Starr, professora de relações internacionais da Universidade do Sul da Califórnia (USC), nos EUA, explica que a mudança consiste em retornar à lógica da Doutrina Monroe — que fazia oposição ao colonialismo nas Américas — e à ideia de que os EUA devem ser o líder hegemônico seguido por toda a América Latina, a partir das “tentativas de expulsar a China” da região.
Mas também há “um retorno à atitude da Guerra Fria, em que a política interna dos países latino-americanos não importa, desde que eles sejam aliados dos EUA”
“E eles podem ser regimes autoritários ou democráticos”, conclui a especialista.