Após deixar a sede da Polícia Federal, em Curitiba, onde esteve preso 580 dias, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da silva discursou para os militantes e anunciou que vai percorrer o país. Ele também centrou fogo na força-tarefa da Lava-Jato e acentuou a sua oposição ao governo do presidente Jair Bolsonaro. Poucas horas depois, o petista adotou tom mais leve em vídeo publicado nas redes sociais. Disse que quer “construir um país melhor” e que não vai “ficar falando mal” do presidente Jair Bolsonaro.
Qual será a estratégia de Lula? Qual o impacto da volta do ex-presidente ao cenário político? Os colunistas do jornal O Globo Míriam Leitão, Merval Pereira e Ascânio Seleme analisam qual será o papel de Lula.
Míriam Leitão
Festa e fúria no solo do Brasil
O bonito da democracia é que ela nunca está terminada, como a vida, na linda definição de Guimarães Rosa. Os petistas que choraram de tristeza no dia 7 de abril de 2018 na sexta-feira choravam de alegria com a saída de Lula da prisão, depois de longos 580 dias. Os antipetistas que gritaram “mito” para o atual presidente tiveram ontem um dia de fúria. Mas não há só dois lados na política. E o correr da vida é que vai definir a dimensão dos acontecimentos intensos desta semana.
A expectativa é exatamente qual será o caminho que Lula vai escolher. A parte enraivecida da militância quer que ele continue naquele tom da fala inicial, atacando “o lado podre da Justiça, o lado podre do Ministério Público, o lado podre da Polícia Federal e o lado podre da Receita Federal” que, segundo ele, “trabalharam para tentar criminalizar a esquerda, criminalizar o PT, criminalizar o Lula.” O desabafo era previsível. Mas, em uma conversa longa que tive com um dos políticos petistas esta semana ouvi frequentemente a expressão “frente ampla”. Haverá, como sempre, os raivosos e os que vão sugerir que ele amplie o diálogo para além do partido.
Merval Pereira
Meu malvado preferido
Não sei se Lula sabe jogar xadrez, mas desconfio que, se souber, deve jogar bem. E se não souber, tem jeito para o jogo. Sua estratégia neste caso foi perfeita, defendendo-se de uma manobra do Ministério Público com uma jogada altamente arriscada, mas que se mostrou eficiente do ponto de vista político.
Recusando-se a sair da cadeia por ter cumprido um sexto da pena a que foi condenado, como se antecipou a pedir o Ministério Público, Lula evitou ter que aceitar as restrições do regime de prisão semi-aberta, que o obrigariam a dormir na cadeia ou, no mínimo, a uma prisão domiciliar com limitações que dificultariam sua atividade política.
Ascânio Seleme
Solto, Lula será o adversário que Bolsonaro ainda não teve
Lula foi o primeiro e mais importante beneficiário da decisão do Supremo Tribunal Federal em proibir a prisão depois da condenação em segunda instância. Sua libertação se deu em cadeia nacional de TV e pipocou em todas as redes sociais. Foi o único assunto da sexta-feira no Brasil. Lula saiu da cadeia com base na decisão do STF, mas também poderia ter saído pelo cumprimento de um sexto da pena, de acordo com o Código do Processo Penal.
A forma que se deu a liberdade do ex-presidente, porque seu caso ainda não transitou em julgado, serve muito mais aos planos políticos do líder petista. Significa, em outras palavras, que ele ainda não foi condenado. Lula é inocente, estabeleceu a decisão do STF. E como inocente vai percorrer o país e liderar um movimento em favor da sua corrente política e, muito mais importante, vai trabalhar contra o governo Bolsonaro. Ao deixar a prisão, Lula se transformou imediatamente em um rival de tamanho e peso que até aqui Bolsonaro não tinha visto.