É importante que o PT reconheça erros se quiser sobreviver além de Lula. A avaliação é do professor de Harvard Steven Levitsky. Em palestra na Brazil Conference neste último sábado (1º) o autor do best-seller Como as Democracias Morrem afirmou que o perfil tolerante do presidente ajudou a subverter o forte sentimento antipetista de 2018 nas eleições de 2022.
Agora, segundo ele, o partido precisa criar um espaço para encorajar o debate e aceitar críticas. “O PT é um dos partidos mais bem-sucedidos da história moderna da América Latina, mas falha completamente em engajar em autocrítica desde 2016″, disse. “Isso é ruim para o Brasil e para o PT. Fica mais difícil para o partido crescer, se renovar e se tornar um partido bem-sucedido após o Lula. Porque haverá um dia em que o PT deverá sobreviver após o Lula”, registra Alessandra Monnerat, do Estadão.
Para o professor, há razões importantes para se sentir otimista quanto ao Brasil, mas também há motivos para se perder o sono. Levitsky comemorou o fato de brasileiros terem tirado Jair Bolsonaro da Presidência, mas previu ameaças populistas para as próximas eleições.
“O fato de que a democracia brasileira sobreviveu a esse período de quatro anos e que as instituições e a sociedade conseguiram remover esse presidente autoritário é muito significativo. Não acontece tão frequentemente”, disse. “Temo que, a não ser que o governo Lula realmente consiga ser bem sucedido – o que não parece tão provável -, o descontentamento vai disparar de novo e podemos ver uma solução populista em 2026. Temos muito a agradecer em termos de sobrevivência democrática, mas é uma faca de dois gumes, temos muitas razões para perder o sono”.
Apesar disso, Levitsky apontou como sinal de saúde democrática a resposta da elite política brasileira aos ataques de 8 de janeiro, quando manifestantes golpistas invadiram as sedes dos Três Poderes em Brasília. Para o americano, a direita do Brasil respondeu a esses eventos de forma muito mais “responsável e democrática” do que fez a direita dos Estados Unidos quando eleitores do ex-presidente Donald Trump invadiram o Capitólio em Washington.
“O 8 de janeiro foi incrivelmente doloroso de assistir. Até para quem não é brasileiro, qualquer um que gosta do Brasil e da democracia sofreu com aquele dia”, comentou. “Mas é menos uma ameaça à democracia brasileira do que o 6 de janeiro foi para os Estados Unidos. Primeiramente, Lula já tinha tomado posse. Em muitos aspectos, (a invasão dos Três Poderes) foi um teatro político. A maioria dos brasileiros condenou sem reservas os ataques. Isso não ocorreu nos EUA”.
Agora, para o professor, os políticos brasileiros devem agir para fortalecer a democracia após os atos golpistas. “É uma crise, mas também uma oportunidade”, avaliou. “Se a elite política e a sociedade civil conseguirem se unir para construírem uma narrativa histórica denunciando esses eventos, tratando-os como um momento que nunca mais deve ocorrer, é uma oportunidade de crescimento”.
Os desafios para a democracia brasileira
Levitsky ponderou que o enfraquecimento dos partidos políticos é um dos desafios para a democracia brasileira. Ele observou que, em regimes democráticos saudáveis, é importante a existência de legendas viáveis de esquerda e de direita. “Nos anos 1990, me parecia que o PSDB estava fazendo um bom trabalho de representar ao menos uma parte da elite econômica. E seu enfraquecimento abriu a porta para forças muito menos democráticas. O mesmo aconteceu com o PT”, avaliou. “Partidos que governam durante crises tendem a perder apoio. Ultimamente, políticos têm entendido que não precisam de apoio de partidos. Mas a democracia precisa de partidos. É um desafio que vai além do Brasil”.
Ainda sobre o enfraquecimento de partidos bem estabelecidos, o professor comentou que houve uma mudança no perfil da direita latino-americana. Segundo ele, a partir dos anos 1980, os políticos desse espectro passaram a priorizar pautas liberais e o livre mercado. Mais recentemente, o jogo mudou, dando espaço a tendências antidemocráticas. “Desde então, uma direita ‘não-liberal’ tomou a frente. A prioridade se tornou: temas religiosos, ordem, militarismo e, em muitos casos, anti-esquerdismo. A maioria dessas coisas não são compatíveis com a democracia liberal”, disse.
“Com Bolsonaro, a direita liberal coexistiu com a direita iliberal. O problema é que a democracia precisa da direita liberal. E essa direita não conquista mais votos, ela não aprendeu a vencer eleições. Meu medo é estarmos vendo cada vez mais a direita não-liberal na região e fica menos claro se teremos uma direita democrática”, completou.
Ministro cancelou participação
O painel anterior debateu as prioridades do governo para os próximos quatro anos. Estava prevista a participação do ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Wellington Dias, mas ele alegou que seu voo foi cancelado e não compareceu. Participaram o pesquisador André Portela, da Fundação Getulio Vargas (FGV), a Secretária de Planejamento Nacional, Leany Lemos, e a diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Vilma Pinto.
Os palestrantes defenderam a importância de seguir um planejamento com as contas públicas e argumentaram que a prioridade nos próximos anos deve ser a educação, dado que houve defasagem no aprendizado dos mais pobres durante a pandemia, o que deve ter consequências econômicas no futuro. “Temos poucos recursos e orçamentos limitados, então temos que escolher bem as prioridades e saber usar bem cada real que está no nosso orçamento”, afirmou Portela.
Organizada pela comunidade brasileira de estudantes em Boston (EUA), a conferência tem parceria do Estadão, que faz a cobertura. Os debates, de forma presencial, ocorrem na Universidade Harvard e no Massachusetts Institute of Technology (MIT), apoiadores do evento. Os painéis também são transmitidos pelo canal do Youtube da Brazil Conference.