A um ano das eleições municipais, o segundo maior reduto bolsonarista do Nordeste ensaia um embate entre dois grupos liderados por evangélicos ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e uma candidatura de um ex-tucano agora filiado ao PT.
Jaboatão dos Guararapes é a segunda maior cidade de Pernambuco, com 643 mil habitantes. O município, na região metropolitana do Recife, é governado desde 2017 por bolsonaristas, sendo o segundo maior reduto do segmento, atrás atualmente apenas de Maceió (AL), também administrado pelo PL.
O campo dos defensores de Bolsonaro está rachado na cidade e com duas pré-candidaturas: a do atual prefeito, Mano Medeiros (PL), e a da deputada federal Clarissa Tércio (PP). Os dois têm o segmento evangélico como principal base, e as chances de conciliação são remotas.
Já a esquerda começa a se organizar agora, com a filiação do ex-prefeito Elias Gomes ao PT. O evento de filiação, em setembro, teve a presença da presidente nacional do partido, Gleisi Hoffmann.
Elias Gomes foi prefeito de 2009 a 2016 e filiado, no período, ao PSDB, partido historicamente de oposição ao PT. Em 2020, deixou a sigla e foi para o MDB, de onde sai agora para ingressar no partido do presidente Lula.
Apesar do passado com divergências, a chegada de Elias Gomes é tida como um trunfo para o PT, que poderá ter um candidato competitivo em uma cidade expressiva do Nordeste.
O clima receptivo no PT hoje contrasta com o passado, quando Elias Gomes compartilhou nas redes sociais publicações críticas ao PT, sobretudo no período do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e quando Lula foi alvo da Operação Lava Jato.
À reportagem Elias minimizou divergências no passado e disse que quer repetir a estratégia de Lula de aglutinar forças da esquerda e do centro na disputa.
“Jaboatão não tem meio-termo. É uma das poucas cidades do Brasil que expressa a polarização entre a direita e a esquerda. Temos o apoio de PT, PV, PC do B na federação, do MDB e estamos conversando com o Solidariedade. Fiz um reposicionamento político para fazer frente ao desafio de enfrentar essas forças políticas”, afirma.
O ex-prefeito ainda disse que era contra o impeachment de Dilma. Porém um dos filhos de Elias, Betinho Gomes, votou a favor do afastamento da petista em 2016 quando era deputado federal.
No dia do impeachment, Elias Gomes publicou em rede social que o afastamento não era “a saída desejável, mas longe de golpe, pois a prática de crime de responsabilidade foi atestada pelo TCU”. Os petistas costumam dizer que houve um golpe.
Dilma teve o mandato cassado em processo de impeachment que tramitou na Câmara e no Senado. Ambas as Casas consideraram que a então presidente cometeu crime de responsabilidade pelas chamadas “pedaladas fiscais”, com a abertura de crédito orçamentário sem aval do Congresso. A decisão, no processo e no mérito, foi acompanhada sem contestação pelo Supremo Tribunal Federal.
“Essa foi a avaliação daquela época, hoje vejo que houve uma grande conspiração. Na última eleição, votei em Lula nos dois turnos, e em 2018 votei em Haddad no segundo turno”, diz Elias Gomes.
Em agosto de 2017, Betinho Gomes, à época no PSDB, disse que Lula deveria pedir desculpas ao país.
Racha bolsonarista
O racha no campo bolsonarista em Jaboatão começou em 2022, quando o então prefeito Anderson Ferreira vetou a entrada da então deputada estadual Clarissa Tercio no PL.
Aliados de Anderson afirmam que a deputada poderia tomar parte do seu eleitorado, já que ambos têm origem no segmento evangélico, e se fortalecer internamente no próprio PL, presidido por Anderson em Pernambuco.
Clarissa, então, filiou-se ao PP e lançou candidatura a deputada federal, tendo sido a segunda mais votada do estado e da cidade, atrás apenas de um irmão de Anderson, André. O então prefeito renunciou ao cargo para ser candidato a governador e foi derrotado no primeiro turno.
No lugar de Anderson, o então vice-prefeito Mano Medeiros assumiu em abril de 2022. O clã Ferreira apoia a reeleição de Mano em 2024.
Em contraponto, o PP lançou a pré-candidatura da deputada federal Clarissa Tércio. O partido é comandado no estado pelo deputado federal Eduardo da Fonte, que faz parte da base aliada do presidente Lula na Câmara, mas também é aliado de bolsonaristas no campo local.
O sobrenome usado na política é alusivo ao pai, o pastor Francisco Tércio, presidente da Assembleia de Deus Novas de Paz.
Clarissa foi eleita pela primeira vez em 2018, quando tornou-se deputada estadual pelo PSC à época. A trajetória da parlamentar é marcada por outros momentos controversos. Na pandemia, defendeu o uso da cloroquina, medicamento comprovadamente ineficaz para a Covid.
Em 2020, participou de uma manifestação com o intuito de impedir a realização de um aborto legal em uma maternidade do Recife.
Neste ano, a Procuradoria-Geral da República abriu investigação sobre publicações da deputada durante os ataques de 8 de janeiro. A PGR entendeu, em maio, em parecer enviado ao STF, que não houve crime da deputada ao compartilhar um vídeo de um participante dos atos em Brasília.
A família de Clarissa tem uma rádio com programas voltados ao público evangélico.
Tanto Clarissa quanto o grupo do PT apostam num desgaste do grupo político do PL, que comanda a Prefeitura de Jaboatão. O principal argumento deles nos bastidores é que Anderson Ferreira, padrinho político do atual prefeito, teve em Jaboatão apenas 28% dos votos no primeiro turno da eleição para governador.
A avaliação no meio político local é que a própria cidade tirou o ex-prefeito do segundo turno da eleição estadual em meio à disputa acirrada com a hoje governadora Raquel Lyra (PSDB).
Já Elias Gomes aposta no racha bolsonarista para ir a um eventual segundo turno. Ele articula a montagem de uma frente ampla com partidos de esquerda e centro e espera contar com os votos lulistas. No segundo turno da eleição presidencial, em Jaboatão, o petista venceu Bolsonaro por 55,75% a 44,25% nos votos válidos.
A reportagem também apurou com integrantes do PL que, se o cenário se mantiver, o prefeito Mano Medeiros pode inclusive evitar a defesa consistente do bolsonarismo a acenar a eleitores de centro, já que Clarissa Tercio tende a fazer uma defesa mais radical do ex-presidente.