A PEC da Anistia, que concede o maior perdão da história a partidos políticos e flexibiliza as cotas eleitorais de negros e mulheres, uniu nesta última quarta-feira (20) o PT de Lula e o PL de Jair Bolsonaro na comissão especial da Câmara que debate o tema, o que incluiu ataque de Gleisi Hoffmann (PT-PR) à Justiça Eleitoral.
A presidente nacional do PT questionou segundo Ranier Bragon e João Gabriel, da Folha de S. Paulo, a existência de tribunais específicos para a questão eleitoral, os valores das multas aplicadas aos partidos políticos e a verba destinada ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e aos TREs (Tribunais Regionais Eleitorais), endossando parte das críticas feitas por Jair Bolsonaro (PL) e correligionários.
Segundo Gleisi, as decisões dos tribunais eleitorais “trazem a visão subjetiva da equipe técnica do tribunal, que sistematicamente entra na vida dos partidos políticos, querendo dar orientação, interpretando a vontade de dirigentes, a vontade de candidatos”.
A petista disse ainda que a Justiça tem aplicado multas inexequíveis aos partidos —”não tem como pagar, nós não temos dinheiro”— e que a existência de um tribunal direcionado às questões eleitorais é uma exceção no mundo, situação que classificou como “um absurdo”.
A petista questionou também o gasto com a manutenção da Justiça Eleitoral, afirmando que ela custa três vezes o valor direcionado às campanhas. “Tem alguma coisa errada nisso”, completou.
As declarações de Gleisi, dadas como forma de defender o maior perdão da história a partidos políticos, contrastam com a exaltação feita por petistas ao TSE antes, durante e após as eleições, em especial na decisão que deixou Bolsonaro inelegível, em junho.
O papel da Justiça Eleitoral em 2022 recebeu elogios de Lula (PT), que, ao ser diplomado, destacou a “firmeza” da instituição “na defesa da democracia e da lisura do processo eleitoral”.
Ao comentar a decisão do TSE por sua inelegibilidade, Bolsonaro já chegou a afirmar que “a Justiça Eleitoral não podia existir para cassar mandato, muito menos de um presidente”.
O presidente do TSE, Alexandre de Moraes, foi alvo de uma série de ataques de bolsonaristas em razão de uma multa de R$ 22,9 milhões aplicada ao PL por litigância de má-fé pela ação golpista que visava invalidar votos depositados em parte das urnas no segundo turno das eleições.
“É isso que o pessoal da direita não se conforma. Por isso que atacam ele [Moraes]. Um partido levar uma multa dessa?”, voltou a questionar Valdemar Costa Neto, presidente do PL, em entrevista à Folha em julho.
Em relação à PEC da Anistia, todos os parlamentares que se manifestaram nesta quarta a favor foram do PL ou do PT. Só deputados do PSOL se colocaram contra. A votação foi adiada para análise de propostas de alteração no texto, a maior parte delas feitas pelo PT.
Discursaram a favor da proposta nesta quarta Bia Kicis (PL-DF), Filipe Barros (PL-PR), Eder Mauro (PL-PA), Soraya Santos (PL-RJ), Jilmar Tatto (PT-SP) e Gleisi Hoffmann (PR).
Kicis e Barros, ao menos, já defenderam publicamente o fim da Justiça Eleitoral.
Falaram contra a PEC Chico Alencar (RJ), Fernanda Melchiona (RS) Sâmia Bonfim (SP) e Talíria Petrone (RJ), todos do PSOL, sendo que alguns deles classificaram a proposta de uma “PEC racista”.
O PSOL ainda apresentou um voto em separado criticando a medida e afirmando que o texto é inconstitucional.
Nele, os deputados afirmam que a proposta pode “tornar letra morta a previsão constitucional que prevê a igualdade material como direito de todos, bem como de tornar o Brasil um pária internacional por desrespeitar tratados que disciplinam a busca pela igualdade de gênero e racial”.
A PEC da Anistia faz parte do pacote de mudanças eleitorais que é impulsionado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e que também inclui a minirreforma eleitoral, que enxuga a inelegibilidade de políticos, diminui a transparência e afrouxa a Lei da Ficha Limpa.
Para ter efeito já nas eleições municipais de 2024, as propostas precisam ser promulgadas ou sancionadas até a primeira semana de outubro.
A PEC da Anistia tem o apoio da ampla maioria da Câmara, da esquerda à direita, e concede o maior perdão da história a partidos políticos, em especial pelo descumprimento das cotas afirmativas de gênero e de raça na disputa de 2022.
O texto proíbe qualquer punição a ilegalidades eleitorais cometidas até a promulgação da PEC.
Se aprovada, a proposta consolida a total impunidade ao descumprimento generalizado das cotas, que entraram em vigor vagarosamente ao longo do tempo com o objetivo de estimular a participação de mulheres e negros na política.
Em abril de 2022, o Congresso já havia aprovado e promulgado uma PEC anistiando as legendas pelo não cumprimento das cotas nas eleições anteriores.
Durante sua tramitação, a PEC da Anistia condensou dispositivos que versam sobre as cotas afirmativas, mas que tramitavam em outras propostas.
O último deles foi adicionado ao texto nesta terça-feira (19). Ele prevê uma reserva de 15% das cadeiras das Câmaras e Assembleias Legislativas de todo o país para mulheres em 2024, e 20% a partir de 2026.
Esse percentual é abaixo do que a população elegeu para a Câmara dos Deputados em 2022, 17,7% de mulheres.
Além disso, a proposta determina que o partido pode formar sua chapa “apenas com candidatos do mesmo sexo, desde que respeitado o limite máximo de 70% das vagas”, bastando, para isso, deixar as 30% de vagas restantes, que deveriam ser destinadas às mulheres, sem preencher.
Com isso, o projeto pode praticamente extinguir a cota de candidatas, que hoje deve ser de 30%, apesar de o relatório ressaltar que não há alteração na cota de verbas mínimas de campanha a serem repassadas para as mulheres, também de 30%.
A resistência de parlamentares inclusive aos 15% foi apontada nesta quarta como um dos motivos do adiamento da votação.
A PEC da Anistia também corta mais de 50% da verba de campanha a ser destinada a candidatos negros.
Em sua justificativa, o relator, Antonio Carlos Rodrigues (PL-SP), afirma que o corte do dinheiro destinado a pretos e pardos tem o objetivo de tornar mais “simples” a regra, tendo em vista que, em sua visão, a determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) de distribuição proporcional ao número de candidatos negros é “complexa”.
Por decisão do STF, os partidos precisariam ter distribuído a bilionária verba de campanha já em 2022 de forma proporcional ao número de candidatos brancos e negros (pretos e pardos).
Ou seja, naquela disputa os negros deveriam ter recebido 50% da verba eleitoral de R$ 5 bilhões. O texto da PEC da Anistia reduz esse patamar a 20%. O PT propôs elevar esse patamar para 30%, entre outras sugestões de alteração.