Por Malu Gaspar
De todas as reações à troca de comando promovida por Jair Bolsonaro na Petrobras, a que deu um nó na cabeça de muita gente foi a da esquerda. Nesse campo, quem não defendeu a medida, pelo menos em parte, se calou. “É um direito de Bolsonaro trocar o presidente da Petrobras”, disse José Dirceu, ex-ministro de Lula e ex-presidente do PT. “Precisamos tomar muito cuidado com o discurso do mercado financeiro, que possui interesses próprios.” Aloizio Mercadante, ex-ministro de Dilma Rousseff, elogiou o escolhido para o cargo, o general Joaquim Silva e Luna: “Até onde eu sei, o general Luna é também um militar nacionalista”. Cobrou que o presidente da República resgate o caráter “estratégico” da estatal para o Brasil, pare a venda de refinarias ao setor privado e retome a política de preços de combustíveis do período Dilma. Ciro Gomes e Fernando Haddad não comentaram diretamente o assunto. Nas redes, defesas do “papel social” da Petrobras e ataques à usura do mercado vinham tanto de esquerdistas como de bolsonaristas. Na reunião do conselho que aprovou a convocação da assembleia para substituir o presidente da empresa, a representante dos funcionários votou com o governo. O que impressiona, no caso, não é essa convergência específica entre o bolsonarismo e a esquerda — que a linguagem das redes sociais costuma carimbar como bolsopetismo (ou, mais recentemente, dilmonarismo). É que, depois de tudo o que vimos na década passada, não conseguimos um consenso mínimo em torno do essencial: o que a sociedade brasileira realmente espera da Petrobras.
O que mais se ouve nas conversas dos tios do zap é: “Não tenho ação da Petrobras, não estou nem aí para o mercado, mas encho o tanque toda semana”. De fato, a alta da gasolina ou do diesel pesa diretamente nas contas de todas as famílias, seja na hora de abastecer o carro ou no preço dos alimentos. Perto dessa massa, cuja renda foi seriamente abalada na pandemia, os 700 mil acionistas da estatal que perdem dinheiro nas bolsas são uma casta privilegiada. A questão é que já vimos esse filme. A estratégia de usar o caixa da Petrobras para subsidiar os combustíveis custou à empresa cerca de US$ 40 bilhões — o equivalente a duas refinarias Abreu e Lima e quase quatro vezes o prejuízo causado pelos desvios do petrolão. Foi uma das razões pelas quais a Petrobras foi tomando empréstimos até chegar ao final de 2015 com a maior dívida corporativa do planeta, de R$ 500 bilhões , e status de companhia à beira da falência no mercado internacional.
Outra função da Petrobras nos governos petistas foi impulsionar o crescimento da economia. Nos áureos anos, ela chegou a responder por 34% do investimento do Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC. Parte das obras do plano, como o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, foi tragada pelo petrolão ou interrompida pela recessão. Na segunda-feira, ao dizer a apoiadores que não pretendia intervir nos preços dos combustíveis e que demitiu Roberto Castello Branco porque ele ganha muito e “está há 11 meses em casa, sem trabalhar”, Bolsonaro deixou claro o que considera um bom presidente de estatal, ao elogiar a gestão de Silva e Luna em Itaipu. “Só no ano passado, investiu R$ 2,5 bilhões em obras, entre essas obras duas pontes com o Paraguai, a extensão da pista de Foz do Iguaçu que vai começar a receber voos internacionais, bem como atendeu mais de 20 municípios com as mais variadas obras. Isso não é eficiência?” O que tem a missão de Itaipu a ver com construir aeroportos e pontes? Pelo jeito, a coincidência entre Bolsonaro e a esquerda sobre o papel da Petrobras não fica só na questão dos combustíveis.
O consolo é que, depois do vendaval do petrolão, tanto o estatuto da companhia como a Lei das Estatais passaram a determinar que, se quiser usar a Petrobras para executar política pública, o Estado — e não a empresa — deve pagar a conta. Assim, caso queira seguir o conselho de Mercadante, Bolsonaro terá de informar claramente a sociedade, mudando a lei e o estatuto da companhia. Embora seja um debate repetitivo, esta última crise indica que ele talvez seja necessário. Aí, quem sabe o Brasil sai da autocombustão e decide de uma vez por todas se quer uma Petrobras com ações em bolsa, que assuma compromissos com investidores para financiar suas atividades, ou se quer uma Petrobras com “função social”, executora de política pública e pendurada na conta do contribuinte brasileiro.