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domingo 24 de outubro de 2021 às 11:14h

‘Prosperidade comum’: a doutrina ‘igualitária’ que avança na China e impacta o mundo

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A defesa de uma sociedade menos desigual e com disparidades menores entre ricos e pobres não é uma ideia nova na China, mas tem ganhado força na retórica de autoridades chinesas – em uma busca por uma “prosperidade comum” que, embora foque na população local, tem o potencial de provocar enormes repercussões no resto do mundo.

A China diz conforme reportagem da BBC News, que suas políticas para reduzir a desigualdade são exatamente aquilo de que o país precisa neste momento, e a “prosperidade comum” se tornou uma das principais bandeiras defendidas pelo presidente Xi Jinping nos últimos meses.

Seus críticos, porém, alertam para um outro aspecto. Segundo eles, as medidas levam a um controle ainda maior do Estado sobre como o setor privado e a sociedade serão governados.

Uma das mais visíveis consequências da doutrina da prosperidade comum tem sido um novo foco do setor privado chinês, com suas prioridades sendo direcionadas para o mercado doméstico.

A gigante de tecnologia Alibaba, cujo mercado global tem crescido nos últimos, comprometeu-se com US$ 15,5 bilhões para a promoção de iniciativas de prosperidade comum na China – e estabeleceu uma equipe dedicada a isso, liderada pelo executivo-chefe da empresa, Daniel Zhang.

A empresa diz que se beneficiou do progresso econômico do país e que “se a sociedade está indo bem, e a economia está indo bem, então a Alibaba ficará bem”. Sua concorrente Tencent, outra uma gigante da tecnologia, também está entrando nessa área. Prometeu US$ 7,75 bilhões para a causa.

Daniel Zhang, CEO do Alibaba, fala durante a cerimônia de lançamento do fundo de revitalização rural do Alibaba
Daniel Zhang, CEO do Alibaba, fala durante a cerimônia de lançamento do fundo de revitalização rural do grupo CRÉDITO,GETTY IMAGES

O mundo corporativo chinês está disposto a mostrar que está contribuindo para o mandato do Partido Comunista nessa iniciativa – mas, quando começou o movimento para que mais empresas apoiassem publicamente a nova visão do líder Xi Jinping, isso causou um “certo choque”, disse privadamente à BBC um alto executivo de uma empresa chinesa.

“Mas aí a gente se acostumou com a ideia. Não se trata de roubar os ricos. Trata-se de reestruturar a sociedade e construir a classe média. E, no fundo, nós somos um negócio de consumo, então isso é bom para nós.”

Setor de luxo pode perder

A origem dessa disparidade de renda remete a reformas feitas há cerca de 40 anos, que abriram a economia de mercado chinesa e permitiram o acúmulo de vastas fortunas pessoais, informa a agência Reuters. Ao mesmo tempo em que surgiam centenas de bilionários no país, crescia a desigualdade entre a China rural e a urbana.

Se a prosperidade comum significa um foco maior na emergente classe média chinesa, isso pode significar um rápido avanço para empresas globais que sirvam esses consumidores. “Podemos ver que o foco em jovens obtendo empregos é bom”, disse à BBC Joerg Wuttke, presidente da Câmara de Comércio da União Europeia na China.

“Se eles se sentirem que são parte da mobilidade social neste país, algo que tem enfraquecido, então é bom para nós. Porque, quando a classe média cresce, existe mais oportunidade.”

Duas mulheres visitam a exposição Gucci Aria Collection para a celebração do centenário em Xangai, China
A crescente classe média chinesa impulsionou os gastos com bens de luxo CRÉDITO,GETTY IMAGES

Entretanto, negócios ligados ao setor de luxo podem não se sair tão bem, alerta Wuttke.

“Os gastos chineses representam cerca de 50% do consumo de luxo no mundo – e, se a China decide comprar menos relógios suíços, gravatas italianas e carros de luxo europeus, essa indústria sofrerá um baque.”

No entanto, enquanto Wuttke reconhece que a economia da China precisa de reformas críticas para aumentar o salário médio chinês, ele diz que a prosperidade comum pode não ser a maneira mais eficiente de obter esse objetivo.

Steven Lynch, da Câmara Britânica de Comércio na China, também diz que a prosperidade comum não é garantia de que a classe média vai crescer da mesma forma que cresceu nos últimos 40 anos.

Ele gosta de contar uma história sobre o quão rapidamente a economia chinesa expandiu ao longo das últimas décadas.

“Trinta anos atrás, uma família chinesa conseguia comer um pote de bolinhos tipo dumplings uma vez por mês”, diz. “Vinte anos atrás, talvez eles pudessem ter um pote uma vez por semana. Dez anos atrás, isso mudou para um pote por dia. Agora, eles podem comprar um carro.”

Até agora, porém, Lynch diz que a ideia da prosperidade comum não resultou em nada concreto, além dos tipo de programas de responsabilidade social corporativa que a Alibaba e a Tencent adotaram.

“Também existem muitas regulações instantâneas surgindo em vários setores”, disse ele sobre as recentes ações contra empresas de tecnologia. “Isso causa incerteza – e levanta questões. Se eles estão se voltando mais para dentro, então será que eles realmente precisam do resto do mundo?”

O ‘novo socialismo’

Em sua essência, a prosperidade comum consiste em tornar a sociedade chinesa mais igualitária, pelo menos de acordo com o Partido Comunista. E isso tem o potencial de transformar o significado de socialismo no contexto global.

“O Partido está agora preocupado com os trabalhadores medianos – como motoristas de táxi, trabalhadores migrantes e rapazes que fazem serviços de entregas”, diz Wan Huiyao, do Centro para China e Globalização, de Pequim.

“A China quer evitar a sociedade polarizada que alguns países ocidentais têm, o que temos visto levar à desglobalização e à nacionalização.”

Mas observadores da China de longa data dizem que, se o que o Partido realmente quer é transformar o socialismo – com características chinesas – para que seja um modelo alternativo para o resto do mundo, então a prosperidade comum não é o caminho.

“Isso é parte da guinada para a esquerda e parte da guinada na direção de cada vez mais controle que tem sido indicativa do governo de Xi Jinping”, diz George Magnus, acadêmico associado do Centro da China da Universidade de Oxford.

Magnus acrescenta que a prosperidade comum não significa a reprodução de um estilo europeu de bem-estar social.

“A pressão implícita é para cumprir com os objetivos do Partido”, diz ele. “Haverá imposto sobre rendas altas e ‘não razoáveis’ e pressão sobre empresas privadas para que façam doações para os objetivos econômicos do Partido”, afirma, “mas sem grandes passos na direção da taxação progressiva”.

De fato, segundo a agência Reuters, autoridades chinesas têm dito que a “prosperidade comum” não tem como objetivo “eliminar os ricos” nem “sustentar preguiçosos”: ideia é que “os que enriqueceram primeiro” ajudem os que estão mais atrás, disse em agosto Han Wenxiu, da comissão central de economia e finanças do país.

Na prática, também têm aumentado o controle estatal sobre setores monopolistas e contra a evasão fiscal.

Utopia chinesa, de cima para baixo

Está claro que a prosperidade comum é uma parte importante de como o Estado e a sociedade chineses serão governados sob Xi Jinping.

Com isso vem a promessa de uma sociedade mais igualitária – uma classe média maior e mais rica, além de empresas que devolvem à sociedade em vez de apenas tomar ganhos para si.

É uma espécie de China Utópica, imposta de cima para baixo, que o Partido espera que se mostre um modelo viável para o mundo, como alternativa ao que o Ocidente tem a oferecer.

Mas ele vem com um detalhe: ainda mais controle e poder nas mãos do Partido. A China sempre foi um ambiente difícil para negócios estrangeiros operarem, e a prosperidade comum significa que a segunda maior economia do mundo ficou ainda mais difícil de navegar.

*Com reportagem de Karishma Vaswani, da BBC News na Ásia

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