A Lei nº 14.405/2022, que entrou em vigor em 13 de julho de 2022, alterou o artigo 1.351 do Código Civil. Ela reduz o quórum necessário para a alteração da destinação de um edifício ou unidade imobiliária para 2/3 dos votos dos condôminos. Antes, alterações desse tipo dependiam de uma votação unânime. A principal motivação da alteração foi a implementação de políticas públicas de revitalização dos espaços comerciais, que, com a maciça adesão – e manutenção – ao teletrabalho durante a pandemia, foram severamente afetados com a vacância de unidades e edifícios nos centros urbanos.
Por um lado, a alteração foi benéfica na medida em que a dependência da unanimidade de votos em assembleias condominiais representava, na prática, o engessamento das deliberações, dificultando a implementação da vontade da maioria. A Lei, então, veio reafirmar o que dispõe o princípio da função social da propriedade – de evitar a má utilização ou até mesmo a não utilização da propriedade em prol de um interesse coletivo.
Além disso, a mudança representa elemento facilitador para a implementação das políticas públicas de revitalização de espaços urbanos – como a do retrofit, por exemplo -, criando um maior dinamismo no setor imobiliário, em linha com as demandas do mercado, mediante a readequação urbanística de edificações com investimentos privados. É evidente que a diminuição da rigidez, além de dar maior amparo ao interesse da coletividade, fomenta e prospecta grandes avanços econômicos ao setor e aos interesses de ordem pública relacionados ao urbanismo.
Se é benéfica por um lado, por outro a alteração pode ser encarada como prejudicial aos interesses dos condôminos vencidos, isto é, aqueles que não aderirem em assembleia à deliberação sobre a alteração da destinação do edifício (comercial para residencial, por exemplo) ou da unidade imobiliária – e forem vencidos por uma maioria de 2/3. Nesse caso, como ficaria o direito de propriedade desses indivíduos? Esse é o ponto da alteração que tem recebido maiores críticas.
Nessa ótica, a mudança pode ser considerada uma redução do direito individual dos condôminos ou, pior, uma relativização ao direito de propriedade do condômino vencido, gerando insegurança jurídica. Em outras palavras, a vontade de terceiros terá grande influência e interferência no direito de propriedade desses condôminos.
Outro ponto negativo é que a Lei não fixou termo para que os condôminos implementem as alterações deliberadas em assembleia. Seria importante que esse ponto estivesse devidamente regulamentado, para que a destinação de um imóvel não seja implementada de forma repentina. Há quem diga que a ausência dessa regulamentação pode induzir à uma espécie de desapropriação privada indireta e imediata, também afetando o direito de propriedade dos condôminos vencidos.
Esses e outros fatores, ainda durante a tramitação do Projeto de Lei, levaram a OAB/SP a expedir ofício ao Presidente da República sugerindo a inconstitucionalidade do artigo 1.351 do Código Civil.
Por fim, vale mencionar que a alteração legislativa deve ser observada sistematicamente com outras previsões legais. É o caso, por exemplo, do artigo 1.343 do Código Civil, que determina que a construção de outro pavimento ou, no solo comum, de outro edifício, destinado a conter novas unidades imobiliárias, dependerá da aprovação da unanimidade dos condôminos. Nesse contexto, ele pode conflitar com o quórum disposto na alteração do artigo 1.351, por exemplo, no caso da expansão de empreendimentos pela construção de novas edificações com destinações diversas à originalmente estabelecida. Em uma situação como essa, qual quórum prevalecerá? Mais uma lacuna legislativa que caberá ao Judiciário decidir.
A alteração do artigo 1.351, como visto, ainda está longe de alcançar um consenso na comunidade jurídica. Acredita-se que, com o passar do tempo e com novas discussões a esse respeito, o Judiciário terá de se debruçar sobre a constitucionalidade da redução do quórum e, por conseguinte, sobre a prevalência ou não do princípio da função social da propriedade em detrimento ao próprio direito de propriedade, bem como cuidar da harmonização da alteração legislativa com outros dispositivos legais.
Por Andrea Brick e Maurício Sada, eles são, respectivamente, sócia e associado de contencioso cível de Trench Rossi Watanabe