A minuta do Código Eleitoral que deve ser votada por um grupo de trabalho na Câmara dos Deputados esvazia significativamente o poder de análise da Justiça Eleitoral das contas de partidos, que utilizam anualmente cerca de R$ 1 bilhão em verba pública.
Primeira versão do texto de acordo com a Folha de S. Paulo, foi apresentada na quarta (23) ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), relatora do projeto de reforma da legislação eleitoral. Também participou do encontro o deputado Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR), coordenador do grupo de trabalho.
Uma das principais mudanças contestadas por especialistas em legislação eleitoral é o artigo que delimita em apenas dois pontos a apuração das prestações de contas entregues anualmente pelos partidos à Justiça Eleitoral.
Segundo o dispositivo, a análise deverá se restringir a verificar se as siglas receberam recursos de fontes vedadas ou de origem não identificada e se destinaram as cotas estabelecidas na lei para suas fundações e para o incentivo à participação das mulheres na política.
Marcelo Issa, do Movimento Transparência Partidária, destaca que o artigo começa estabelecendo que o procedimento é administrativo –hoje a legislação diz que o processo é jurisdicional. Isso permite o uso de institutos como o da preclusão, que determina que, caso a parte não preste a tempo determinado esclarecimento ou não apresente documento que a lei ou juiz determina, ela perde o direito de prestar o esclarecimento ou aportar o documento.
Issa cita um episódio específico do ano passado, quando um grupo de 18 partidos, de PSOL a PSL, ingressou com uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) no STF (Supremo Tribunal Federal) questionando a preclusão.
Eles argumentavam que o instituto violava o direito à ampla defesa e pediam que os documentos para prestação de contas pudessem ser apresentados a qualquer momento.
O entendimento do STF foi o de que, sem a preclusão, partidos poderiam apresentar as informações em doses homeopáticas e, com isso, causar prescrição dos processos –a Justiça tem cinco anos para julgar as contas dos partidos. Com o novo código, esse instituto não poderia ser usado.
“A análise ficaria restrita aos dois pontos, amarrando absurdamente a mão da Justiça Eleitoral sobre a análise das contas. Isso esvazia a capacidade fiscalizatória da Justiça Eleitoral, e o Ministério Público não tem meios para assumir esse papel, principalmente porque as contas são prestadas para a Justiça Eleitoral. É um retrocesso absurdo”, diz.
Outro trecho da minuta limita a R$ 30 mil as multas a partidos por gastos irregulares. A regra atual diz que, se o partido tem algum gasto apontado como irregular, ele tem de devolver e ser multado em até 20% do valor.
Há preocupação também com o artigo que estabelece que mudanças no regulamento para eleições ordinárias possam ser propostas ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por senadores e deputados, com a possibilidade de questionamento do sistema eleitoral, por exemplo.
O projeto de alteração das regras eleitorais pretende revogar toda a legislação e implantar um único código, com quase mil artigos.
Após a votação no grupo de trabalho, o texto ficará pronto para votação no plenário. Ele ainda estabelece amarras ao TSE para regulamentar as eleições e afrouxa a punição decorrente de inelegibilidade.
Além da comissão relatada por Margarete, há outras duas debatendo alterações na lei política e eleitoral –uma trata das mudanças na Constituição e outra pretende instituir um comprovante impresso do voto na urna eletrônica.
Como tem ocorrido em ano pré-eleitoral (as regras devem estar em vigor ao menos um ano antes do pleito), o Congresso se mobiliza para alterar a lei, em boa parte com medidas que afrouxam fiscalização, transparência e punições.
Em 2019, por exemplo, a Câmara tentou aprovar a jato projeto com retrocessos na lei, o que só foi amenizado após pressão liderada por entidades de defesa da transparência e do acompanhamento de gastos partidários.