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sábado 8 de junho de 2024 às 17:17h

Promessa de Lula de elevar isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil pode derrubar arrecadação e concentrar renda, estima USP

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A proposta do governo de Lula da Silva (PT) de fazer uma ampla reforma do Imposto de Renda (IR) terá impacto direto no bolso dos brasileiros, mas também outros efeitos talvez menos desejados, segundo indica uma análise feita pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made/USP).

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reconhece publicamente que o tema é delicado e levantará resistências. Ele tem dito que o objetivo não é ampliar carga tributária, mais elevar os impostos sobre os mais ricos, usando essa arrecadação extra para reduzir a tributação sobre as faixas de menor renda ou diminuir impostos sobre consumo (tributo que pesa, sobretudo, sobre os mais pobres).

A proposta está em discussão, ainda sem data para ser apresentada.

A análise feita pelo Made/USP estima os impactos da possível reforma do IR sobre arrecadação e distribuição de renda, ajudando a entender a complexidade do tema.

A principal promessa do governo, feita na campanha de Lula, é elevar a faixa de isenção do atual patamar de R$ 2.259 para R$ 5 mil — ou seja, toda renda mensal até esse limite não sofreria cobrança de IR. Defensores da proposta dizem que a tabela do Imposto de Renda está defasada em relação à inflação há anos, o que leva os contribuintes a pagarem mais impostos.

A análise da USP mostra que o aumento da faixa de isenção aliviaria principalmente o bolso da classe média (aqueles com renda entre R$ 6.764 e R$ 35.673), reduzindo a arrecadação em mais de R$ 100 bilhões.

Para compensar essas perdas, estimam os autores do estudo, o governo teria que aprovar também um combo de aumento de impostos que impactaria não só o topo de pirâmide, por exemplo com a volta da taxação de dividendos (lucro distribuído por empresas a acionistas), mas também a própria classe média, com o eventual fim das deduções dos gastos em saúde e educação da renda a ser tributada.

Os mais pobres, por sua vez, não tendem a ser beneficiados por aumentos nas faixas de isenção — justamente por terem rendas muito baixas, esse grupo já não paga IR hoje.

Os autores do estudo ressaltam que eventuais perdas de arrecadação que beneficiem grupos de renda intermediária e alta podem ser negativos para os mais pobres se resultarem em menos recursos destinados a programas de transferências de renda ou serviços públicos de saúde e educação.

Para o economista Guilherme Klein, professor da Universidade de Leeds (Reino Unido) e pesquisador associado do Made/USP, os números mostram que o aumento da faixa de isenção “é uma proposta muito difícil de ser implementada”.

Na sua visão, ela só faz sentido acompanhada de medidas que aumentem de forma relevante a contribuição do topo da pirâmide.

“A medida em si [do aumento da isenção] piora a desigualdade porque beneficia uma classe média alta. Conjuntamente teria que haver uma taxação forte do 1% mais rico, que seja redirecionada [em gastos do governo] para a base da distribuição de renda”, afirma.

Klein nota que o 1% mais rico no Brasil (renda mensal acima de R$ 35.673) tem uma alíquota efetiva (percentual pago em IR da renda total) mais baixa que faixas de rendas menores porque uma parte importante dos seus ganhos, como os dividendos distribuídos por empresas a acionistas, está isenta de tributação. A volta da taxação dos dividendos tem potencial para arrecadar R$ 58,2 bilhões ao ano, calculam os pesquisadores.

A análise feita pelo Made/USP estimou o efeito combinado de quatro potenciais medidas de uma reforma do Imposto de Renda: o aumento da faixa de isenção, a volta da taxação de dividendos, a criação de uma alíquota adicional de Imposto de Renda sobre o 1% mais rico e o fim das deduções dos gastos com saúde e educação.

Apesar de três dessas quatro medidas contribuírem para o aumento da arrecadação, a estimativa é que haveria uma perda de R$ 47,6 bilhões no recolhimento anual de impostos sobre renda, considerando os valores arrecadados em 2022, de R$ 315,7 bilhões.

Além disso, as simulações indicam que o efeito combinado dessas mudanças provocaria uma pequena piora da concentração de renda no país, elevando o índice de Gini de 0,618 para 0,620 (quanto maior o Gini, pior a desigualdade).

A alta reflete o aumento da isenção — essa medida, isoladamente, elevaria o Gini para 0,626 na simulação feita pela USP, que considerou uma faixa de isenção de R$ 5,2 mil, ao usar como parâmetro em seus cálculos um projeto de lei que tramita no Congresso, já que a proposta do governo ainda não foi oficializada (entenda os cálculos ao longo da reportagem).

Apesar de o valor usado na estimativa ser um pouco maior que a promessa de Lula (isenção até R$ 5 mil), Klein diz que o limite prometido pelo governo também tende a concentrar renda.

“O tamanho do aumento da desigualdade depende muito das outras faixas de IR [criadas acima do novo limite de isenção] e das alíquotas implementadas [caso a proposta seja aprovada]”, ressaltou.

Procurado pela reportagem, o Ministério da Fazenda não quis se manifestar.

Entenda a seguir melhor os impactos estimados pelos economistas da USP para cada uma das quatro possíveis medidas.

1) Aumento do limite de isenção

A promessa de elevar o limite de renda mensal que não sofre cobrança de IR não é nova. O governo anterior, do presidente Jair Bolsonaro, tinha como proposta de campanha subir esse valor para cinco salários-mínimos (o equivalente a R$ 7.060 hoje), mas não conseguiu implementar a medida.

Defensores do aumento da isenção dizem que as faixas do IR estão defasadas, pois não têm sido adequadamente corrigidas pela inflação nos últimos anos. Segundo o Sindifisco Nacional (Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal), se houvesse essa atualização, a faixa de isenção deveria ter ficado em R$ 4.899,69 em 2023.

O limite atual isento de IR está em R$ 2.259, mas o governo Lula adotou em 2023 um mecanismo de “desconto simplificado” que reduz a base de cálculo do IR e, na prática, dá isenção para quem ganha até dois salários mínimos (R$ 2.824).

Foi uma forma de criar um limite maior, mas sem aumentar valores isentos para pessoas de maior renda. Isso porque o desconto simplificado não pode ser acumulado com outros descontos que já costumam ser usados por contribuintes que ganham mais, como deduções de gastos com dependentes, saúde, educação e previdência.

Haddad já reconheceu que elevar a isenção para R$ 5 mil, como prometeu Lula, é tarefa difícil e custaria aos cofres públicos cerca de R$ 100 bilhões.

O impacto é grande porque, em tese, não afetaria apenas pessoas com renda de até R$ 5 mil. Contribuintes que ganham acima disso também seriam beneficiados, já que hoje a cobrança incide só sobre a renda que ultrapassa o limite de isenção.

Segundo Haddad, a Fazenda está estudando como cumprir a promessa de elevar o limite para R$ 5 mil até o final do mandato de Lula (2026). Sem dar detalhes, ele já sinalizou que o governo pode adotar algum mecanismo alternativo, como a ampliação do desconto simplificado, o que reduziria na prática o alcance da isenção e, consequentemente, as perdas de arrecadação.

“Cai pela metade o valor que você vai ter que dispender para chegar nesse patamar [de R$ 5 mil de isenção]. Temos tempo [para cumprir a promessa até o final do mandato], mas chegar nesse patamar é muito desafiador”, destacou em entrevista à rádio CBN, em maio de 2023.

Como ainda não há uma proposta concreta do governo para elevar a isenção e reajustar as faixas de IR, o Made/USP utilizou os parâmetros de um projeto de lei do deputado Danilo Forte (União/CE), protocolado em 2022, para estimar o impacto da elevação da isenção.

Segundo essa proposta, que hoje está parada na Câmara, o limite isento seria elevado para R$ 5,2 mil e seriam reajustadas as demais faixas de cobrança, mantendo as alíquotas progressivas de 7,5% a 27,5%.

Com isso, a maior alíquota passaria a incidir sobre rendas superiores a R$ 9.116,13, em vez de R$ 4.664,68 como é hoje.

A implementação de uma mudança nesses moldes levaria a uma perda anual de cerca de R$ 138 bilhões em arrecadação, valor que supera o orçamento para o Ministério da Defesa deste ano (R$ 126 bilhões) e equivale a cerca de 80% dos gastos previstos para o programa Bolsa Família (R$ 169,5 bilhões).

Para analisar os impactos sobre desigualdade, o Made/USP estimou os efeitos da mudança sobre diferentes centis de renda — ou seja, dividiu a população em grupos de cem, de acordo com seus ganhos.

Segundo essa análise, o grupo mais beneficiado pelo aumento da isenção seria a classe média, grupo com ganhos mensais entre R$ 6.764 e R$ 35.673, localizado entre os centis de 11% a 1% de maior renda.

Já o 1% mais rico também teria redução de impostos, mas sofreria menos impacto, já que os valores que ficariam isentos até R$ 5,2 mil representam uma parcela pequena de sua renda total.

“Essa classe média acaba sendo a faixa mais beneficiada pelo aumento de isenção porque esse é o grupo que paga grande parte do Imposto de Renda hoje. Os mais pobres já têm isenção e, no caso do 1% mais rico, a incidência do Imposto de Renda é muito baixa com relação aos ganhos com lucros e dividendos [tipo de renda que não é taxada hoje no país]”, nota Klein.

O estudo ressalta que, das quatro medidas analisadas, o aumento da isenção com atualização das outras faixas da tabela do IR “é a única que eleva a desigualdade de maneira agregada”.

Guilherme Klein

CRÉDITO,ARQUIVO PESSOAL

Legenda da foto, Professor da Universidade de Leeds e associado ao Made/USP, Guilherme Klein é um dos autores da nota publicada pelo grupo de pesquisa

2) Taxação de dividendos

O Brasil é um dos poucos países que não taxa os dividendos distribuídos por empresas a seus acionistas, pagamentos que representam uma importante fonte de renda dos brasileiros mais ricos.

Segundo estimativas do Made/USP, aplicar uma alíquota de 15% sobre os dividendos distribuídos pode render R$ 58,2 bilhões aos cofres públicos anualmente.

A medida, calculam, impactaria especialmente o 1% mais rico da população, reduzindo o índice de Gini de 0,618 para 0,614.

Os dividendos deixaram de ser tributados nos anos 90, com o argumento de que havia muita sonegação e que seria mais efetivo compensar o fim desse imposto taxando diretamente os ganhos das empresas com alíquotas maiores.

Os que defendem a volta do tributo, porém, dizem que não é correto isentar a parcela mais rica. Argumentam também que hoje a Receita Federal tem mecanismos mais modernos para combater a sonegação. Além disso, ressaltam que benefícios fiscais reduzem a tributação direta efetiva sobre as empresas, permitindo elevar a tributação sobre os lucros distribuídos.

Hoje, as empresas pagam até 34% de IRPJ/CSLL sobre seus lucros, uma alíquota alta se comparada a de outros países. Na prática, a alíquota média fica em cerca de 23%, devido a benefícios fiscais, estimou o economista Manuel Pires, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

Em março, Haddad disse que pretende enviar ao Congresso uma proposta de taxação de dividendos ainda neste ano. Ele disse que a ideia é combinar a tributação de dividendos com uma redução da alíquota cobrada diretamente das empresas.

“Nós não podemos tributar a [pessoa] jurídica e a física somando as alíquotas, porque não vai funcionar. Nosso compromisso sempre foi o de manter a carga tributária estável”, disse Haddad a jornalistas em março.

3) Fim dedução de gastos em saúde e educação

Outra medida que teria impacto significativo de arrecadação seria acabar com a dedução de gastos com saúde e educação da renda a ser tributada. Segundo estimativa da USP, isso pode gerar receita anual de R$ 33,9 bilhões.

Hoje, contribuintes podem deduzir até R$ 3.561,50 em despesas com educação, enquanto os valores gastos com saúde podem ser integralmente abatidos da renda tributada.

Defensores do fim das deduções dizem que o mecanismo beneficia apenas pessoas de renda média e alta, já que os mais pobres, em geral, usam os serviços públicos. Uma opção intermediária seria estabelecer um limite também para os desconto dos gastos com saúde, ressaltam os pesquisadores.

“É importante notar que essa possibilidade de dedução, sobretudo de gastos com educação, não é exclusiva do sistema brasileiro, com outros países tendo arranjos similares. Já a possibilidade de deduções sem limite para gastos com saúde parece ser pouco usual na experiência internacional. Países como Estados Unidos, Alemanha e Argentina, por exemplo, impõem um limite proporcional à renda para essas deduções”, ressalta a nota do Made/USP.

O fim das deduções impactaria, em especial, a classe média, diminuindo a renda desse grupo. O efeito sobre o Gini seria quase nulo, reduzindo o índice de 0,618 para 0,617.

“Esse resultado reflete, do lado dos mais pobres, a ausência de deduções, e, do lado dos mais ricos, a relativa baixa relevância de tais deduções frente a outras rendas”, destaca o estudo.

4) Alíquota extra sobre o 1% mais rico

A quarta medida analisada pelo Made/USP seria a criação de uma nova faixa de tributação de renda.

Hoje, o Brasil tem apenas quatro faixas de renda tributadas, com a alíquota mais alta, de 27,5%, incidindo sobre rendas superiores a R$ 4.664,68.

Isso significa que uma pessoa que ganha R$ 8.000 por mês paga a mesma alíquota máxima que outra que tenha renda mensal de R$ 40.000, por exemplo.

Os autores do estudo notam que isso destoa do que ocorre em países desenvolvidos, em que há mais faixas tributadas, em que rendas mais altas são taxadas com alíquotas maiores.

“Como comparação, os países membros da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] têm, em média, 5 faixas, com uma alíquota máxima de 44,6%, enquanto o sistema brasileiro atual tem quatro faixas, com uma alíquota máxima de 27,5%”, diz a nota do Made/USP.

Os autores simularam os impactos de uma nova alíquota, de 35%, que incidiria sobre a renda do 1% mais rico do país.

As estimativas indicam um aumento de R$ 9,1 bilhões na arrecadação anual. Já o índice de Gini sofreria uma queda quase imperceptível, permanecendo em 0,618.

A estabilidade do índice reflete o quão concentrada é a renda brasileira no topo da pirâmide. Isso significa que, mesmo tirando R$ 9,1 bilhões do 1% mais rico, o impacto sobre a distribuição de renda é mínimo.

Outro fator que explica a estabilidade do Gini é que essa medida não altera de forma relevante a distribuição da renda entre os 99% restantes da população.

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