Uma alteração nas regras do Orçamento deste ano, em negociação no Congresso, pode mudar a contabilidade e o manejo de despesas públicas dentro do teto de gastos, abrindo espaço para a liberação de desembolsos de ministérios e emendas parlamentares, iniciativa que abriu debate técnico no governo e no Legislativo sobre risco de descumprimento da Constituição.
Parlamentares articulam mudar a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2022, por meio de emendas a um projeto de autoria do governo, de forma a diminuir as amarras nas contas antes do fechamento do ano.
O relatório que propõe as mudanças tem autoria do deputado AJ Albuquerque (PP-CE), membro do partido do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A informação foi divulgada nesta terça-feira pelo jornal Folha de S.Paulo e confirmada pela Reuters.
Um dos pontos do parecer, que depende de análise da Comissão de Orçamento e do plenário do Congresso, dá maior liberdade para alteração de cronogramas de pagamentos de despesas obrigatórias. A medida visa “uma melhor alocação das sobras identificadas desses limites de pagamento e buscando o atendimento das necessidades do Poder Executivo no final do exercício”, segundo o texto do parecer.
O texto também afirma que a despesa da Lei Paulo Gustavo, que, de apoio ao setor cultural, não terá execução completa até o encerramento do ano, sendo necessário incorporar nas contas a projeção efetiva de gastos para não comprometer o teto com uma rubrica que não será totalmente usada.
A lei Paulo Gustavo determinou a alocação de recursos quando o ano já estava em curso, e não havia ainda uma dotação orçamentária. O governo tentou adiar a despesa de 3,8 bilhões de reais, mas decisão do Supremo Tribunal Federal tornou obrigatória a reserva do recurso para este ano.
Um técnico do Tesouro Nacional, ouvido pela Reuters sob condição de anonimato, afirmou que a medida em discussão no Congresso abriria duas possibilidades: o cancelamento de créditos orçamentários se for observado que eles não serão utilizados e a possibilidade de dar mais crédito do que o limite do teto considerando que parte da despesa não será paga este ano.
Para essa fonte, a medida gera preocupação “pois é como você dar cheques a mais do que está na sua conta, esperando (como usualmente acontece) que na virada do ano alguns não serão descontados”.
Procurado pela Reuters, o deputado AJ Albuquerque, autor do projeto, não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.
Também sob reserva, um técnico de Orçamento do Legislativo chegou a avaliar de forma preliminar que a mudança poderia configurar uma burla ao teto, que é uma regra constitucional. Após análise mais detalhada, porém, ele disse que a medida, se aprovada, vai gerar um comprometimento orçamentário maior, mas a despesa financeira final não vai superar o limite do teto.
“O governo está no osso, grande risco com a exaustão do teto. Estão achando os espaços para cumprir as (despesas) obrigatórias”, disse.
O texto que tramita no Congresso não traz uma estimativa de qual volume de recursos poderia ser liberado se a mudança nas regras for aprovada.
Atualmente, 10,5 bilhões de reais estão bloqueados em verbas de ministérios e emendas parlamentares. A trava nos gastos é necessária para que o governo não estoure o teto, que limita o crescimento da despesa federal à variação da inflação.
O Ministério da Economia divulgou nesta terça-feira seu relatório de receitas e despesas, no qual avaliou o cumprimento das regras fiscais ao longo do ano e apontou a necessidade de um bloqueio ainda maior nas contas. Essa trava deve superar 15 bilhões de reais.
Após anunciar a necessidade de bloqueio adicional de verbas, o secretário especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Esteves Colnago, disse que o projeto é uma iniciativa do Congresso e que, em sua avaliação, abriria margem orçamentária exclusivamente no valor de 3,8 bilhões de reais relativos à Lei Paulo Gustavo.
Colnago acrescentou que a medida ainda faz uma “melhor separação” entre despesas orçamentárias e financeiras do governo, ponderando que o teto é uma trava constitucional e não será possível “abrir um espaço além do que nós já temos”.